quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

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Já faz algum tempo que não posto neste espaço...
Por vezes, o silêncio é mesmo mais eloqüente. Diante da profundidade destes tempos, Advento e Natal, achei melhor assim... É melhor silenciar; assim nos abrimos à totalidade sem fim do Mistério, ao invés de delimitarmos um pequeno horizonte a partir de uns pobres conceitos...

O amor de Deus está para além do pouco que sabemos...
Na noite, Ele veio a nós. Que mais fazer senão imitar os reis e pastores? Curvemo-nos...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A virtude da Santa Pobreza - Conclusão

Enfim, depois de tanto tempo, cumpro o prometido. Tentarei, nesta oportunidade, terminar a exposição que iniciei sobre a virtude da pobreza.

Primeiramente, é preciso considerar que é uma virtude ordenadora, que põe a Deus no centro, como deve ser, e faz centralizar nEle todos os afetos da alma. "Onde está o teu tesouro, aí está o teu coração", diz Jesus. O coração simboliza a vontade, e esta é a potência a partir da qual o homem ama. Portanto, dizer que amo a Deus sobre todas as coisas, significa dizer que a minha vontade se inclina para Ele, antes de tudo. É justamente isto o que faz a Santa Pobreza: estabelece a reta hierarquia das coisas.

Poder-se-ia dizer que ela trabalha intimamente com a virtude cardeal da Prudência, pois faz ver claramente, o que é essencial para estabelecer esta hierarquia de que falamos; e, ao mesmo tempo, une-se à virtude da fortaleza para agir de acordo com esta ordenação, educando a vontade, mortificando os desejos provenientes da desordem da afetividade, pena do pecado original, para que todo o homem, na sua unidade, seja uma nova criatura.

Obviamente que a via de conversão não se faz, de ordinário, de forma impulsiva, do dia para a noite. É comum que seja gradativa, e que o homem se submeta a um caminho metódico, sistemático. Estes dias um amigo meu me indagava, depois de ter iniciado a leitura de um livro que lhe recomendei e que aproveito para recomendar aos meus poucos leitores deste espaço: "Compêndio de Teologia Ascética e Mística" do Adolph Tanquerey. Espantou-se este meu amigo de ter lido algo, na visão dele, estranho: "a ascese é uma forma metódica de conversão" ou algo parecido, mas de mesmo sentido. Em virtude de certa "espontaneidade", que mais poderíamos chamar "desorganização", proveniente de certa espiritualidade dada ao sensacionalismo e que concebe a conversão como qualquer coisa de "espataculoso" (permitam-me o neologismo), ele resistiu a esta afirmação do célebre escritor.

A autoridade dos místicos e doutores, bem como da teologia, ensina que a vida espiritual é composta de três grandes partes, ou de três conversões, como o expõe o grande Pe. Garrigou Lagrange, em seu "As três conversões". As duas primeiras, a dos iniciantes e a dos proficientes, são caracterizadas pelo traço ascético, isto é, pelo esforço ativo da alma que se esforça por purificar-se de seus vícios. Na terceira parte, temos o estado místico, característico dos perfeitos.

Na primeira parte, a dos iniciantes, a alma deve lutar contra duas filhas da soberba, que se manifestam, de ordinário, no vício da gula e no da luxúria. Ambos têm como fator comum o desejo de provocar prazer corporal. O da luxúria costuma ser mais difícil porque vem a ser reforçado pelo da gula. Isto já diziam os Santos Padres: "o ventre acalorado pelo vinho gera a espuma da luxúria". Portanto, convirá à alma, para libertar-se disto, dar-se à ascese, ou à mortificação metódica que, em virtude de se opor ao movimento dos vícios (a mortificação provoca o inverso do prazer buscado pelos vícios), terminará por enfraquecê-los e, como os vícios costumam interligar-se, enfrequecendo-se um, enfraquecemos os demais.

Onde entra a pobreza neste contexto? Simplesmente em tudo. Primeiramente, para que nos submetamos a este "treino militar" da alma, forçoso é que reconheçamos que o que se faz é por Deus e que este é o nosso Tesouro. A pobreza, fazendo com que a vontade retire seus afetos das criaturas, pondo-o somente em Deus, dá à alma leveza para empreender esta subida.

A pobreza manifesta-se, sobretudo, como desapego, e pode-se exercitá-la nas pequenas coisas. Assim como é possível mortificar-se sem que ninguém perceba, assim também é possível praticar a pobreza que, nestas ocasiões, vem a identificar-se com a mortificação, sendo que o conceito de pobreza contém significado mais rico. Podemos ainda dizer que, uma vez que ordena as coisas, distinguindo a desigualdade de valor delas, a pobreza possibilita a virtude da Justiça. E, mesmo com relação às coisas boas, a pobreza modera o apetite com relação a elas, pelo que também é íntima da temperança. Portanto, a pobreza está em grande conformidade com as virtudes cardeais. Alguém poderia dizer que estas quatro são desdobramentos ou diferentes operações da pobreza; porém, não me arrisco a dizê-lo, visto que não tenho grau teológico para tal. Além disto, a virtude da Fortaleza parece distinguir-se mais claramente, enquanto força ou coragem para levar a termo certo dever. Talvez a Justiça sirva à pobreza neste contexto e, fazendo-o, diferencia-se mais claramente dela... Seja como for, continuemos.

Podemos ser pobres em tudo. Quando conversamos, quando estudamos, quando comemos, quando olhamos... Será desnecessário, aqui, escrever novamente sobre a diferença entre a pobreza e a pusilanimidade. Há outros textos que tratam disto. Falemos destes três exemplos de situações que citei, e creio que se poderá ter uma idéia, ao menos geral, sobre a aplicação desta bendita virtude em outras tantas situações. Quando conversamos é muito comum que, aqui ou ali, queiramos contar certas vantagens a nosso respeito ou, de outro modo, que nos deixemos levar pela curiosidade, ou ainda que falemos mal de um terceiro. Estas coisas são muito fáceis de se fazer. A pobreza, no entanto, podaria a vaidade no primeiro caso, tratando-a com indiferença, mortificaria a curiosidade no segundo caso e, no terceiro, revelaria a inutilidade e perversidade de tal coisa. Portanto, ou silenciaríamos ou falaríamos de outras coisas mais proveitosas. Estudando, a pobreza novamente corta o vício da curiosidade, facilitando a ordem sistemática das leituras, estabelecendo uma hierarquia de assuntos, descartando outros tantos, retirando os escrúpulos, que mais não são do que falsa humildade, sobre o destacar-se intelectualmente. E aqui, invoco uma autoridade bem maior do que a minha, a de S. Josemaria, que escreveu: "se puderdes ser sábio, não te permito que não o seja". A pobreza exige a entrega, exige de quem a porta que dê o melhor de si... Portanto, ela pedirá constância e dedicação.

No olhar, e isto é algo que venho aprendendo, a pobreza exige igual desapego. Certas imagens parecem solicitar-nos por mais tempo, seja porque nos estimulam as paixões, seja mesmo porque nos assustam e repugnam. A pobreza as trata indiferentemente, considerando-lhes somente a inconveniência. Nestes casos, atua com grande agilidade... Além disto, mesmo aquilo que é comum, que é neutro, passamos a olhar com grande espontaneidade, mantendo o desapego que nos garante a leveza, tão útil para este caminho.

Bem... Dizer de todas as situações em que a pobreza é útil, exigiria muito maior experiência que a minha e um texto muito mais extenso (na verdade, vários livros). Seria preciso, creio, que a própria Virgem Santíssima se dispusesse a escrevê-lo a fim de encerrar a questão, ela que possuiu tal virtude em grau eminentíssimo e perfeitíssimo. Mas creio ter ficado claro que a pobreza é uma atitude interior da alma que atua nas diversas situações da vida. E o ponto que considero principal é que a pobreza limpa a alma para que nela se acenda, mais puro, o amor a Deus e ao próximo. A pobreza é serva da caridade e expressão dela.

Bendita seja a pobreza, esposa de Francisco de Assis, que nos esvazia de nós mesmos, para que estejamos abertos, dessa forma, ao abismo do amor divino. Que ela nos eduque e nos ensine a imitar o divino Infante que se fez pobre, no seio de uma pobre e que, por amor, perpetuou a Sua pobreza.

Tottus Tuus Mariae

Fábio.