sábado, 16 de fevereiro de 2013

Para progredir na vida interior, é preciso desapegar-se de modismos pessoais



Falando dos que são orientados em seu esforço pelo gosto e a estima que têm pela sua própria e autodirigida atividade, João da Cruz mostra que é precisamente esse apego à sua própria maneira de rezar e meditar que impede seu crescimento na vida espiritual.

Quanto mais espiritual for alguma coisa, mais enfadonha acham-na. Pois como procuram tratar das coisas espirituais com completa liberdade e de acordo com a inclinação de sua vontade, causa-lhes tristeza e repugnância entrar no caminho estreito que, diz o Cristo, é o caminho da vida.

João da Cruz supõe aqui uma total contradição entre o que é autenticamente espiritual (portanto simples e obscuro) e o que parece a essas pessoas ser espiritual porque isso as excita e estimula psicologicamente.

Deus conduz essas pessoas ao caminho da vida privando-as da luz e consolação que procuram, impedindo seus esforços, tornando-as confusas e privando-as das satisfações que procuram alcançar por seus próprios esforços. Assim bloqueadas e frustradas, incapazes de prosseguir com seus costumeiros projetos, encontram-se num estado muito doloroso em que seus desejos, a estima de si mesmas, sua presunção, agressividade, e assim por diante, são sistematicamente humilhados. E, o que é pior, não conseguem compreender como isto aconteceu! Não sabem o que lhes sucede. Aqui é que devem decidir, ou continuar no caminho da oração sob a secreta orientação da graça, na noite da fé pura, ou, então, voltar a uma forma de existência na qual podem desfrutar rotinas habituais e conservar um senso ilusório de sua própria e perfeita autonomia em domínios que lhes são inteiramente familiares sem ter de permanecer sujeitos à obediência da fé nessas circunstâncias desagradáveis e desconcertantes próprias à “noite escura”.

Diz São João da Cruz que Deus leva essas pessoas à escuridão –

... aí desmamando-as Deus de todos os sabores e gostos, por meio de fortes securas e trevas interiores, tira-lhes todas estas impertinências e ninharias; ao mesmo tempo, faz com que ganhem virtudes por meios muito diferentes. Por mais que a alma principiante se exercite na mortificação de todas as suas ações e paixões, jamais chegará a consegui-lo totalmente, por maiores esforços que empregue, até que Deus opere passivamente nela por meio da purificação da noite.

Thomas Merton, Poesia e Contemplação

Vida contemplativa e amor aos outros não são opostos


Muitos obstáculos à vida do pensamento e do amor – que é a meditação – vêm do fato de que as pessoas insistem em ficar emparedadas dentro de si mesmas para acariciarem seus pensamentos e suas experiências como uma espécie de tesouro particular. Interpretam mal a parábola evangélica dos talentos e, como resultado disso, enterram seu talento num lenço em lugar de fazê-lo produzir e aumentá-lo. Mesmo quando mergulhamos na vida contemplativa, o amor pelos outros e a abertura a eles permanecem, como na vida ativa, a condição para uma vida interior viva e frutuosa de pensamento e amor. O amor pelos outros é um estímulo à vida interior, não um perigo, como alguns erradamente acreditam.

Thomas Merton, Poesia e Contemplação