terça-feira, 22 de março de 2011

"Fugias do amor, ao me fugires'


"Eu fugia dele ao longo das noites e dos dias,
Fugia dele ano após ano,
Fugia dele pelos caminhos tortuosos de meu próprio espírito...
Perseguia-me aquele passo vigoroso, sempre no meu rastro...
E, numa caça obstinada,
Com andar sereno
Com a mesma velocidade, com insistência de rei, os passos soavam.
E, ressoando ainda mais alto, erguia-se então uma voz:
"Tudo te atraiçoa, a ti que me trais...
Sou Aquele a quem procuras,
E fugias do amor, ao me fugires..."

O Perdigueiro do Céu

domingo, 20 de março de 2011

Nada deve ser preferido ao serviço de Deus

 
Joseph Ratzinger

Operi Dei nihil praeponatur: "nada deve ser preferido ao serviço de Deus" (S. Bento Abade)

O Senhor é sempre o principal. Tudo vem depois, como o próprio Cristo disse: "Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo" (Mt 6,33).

Essa idéia representava para Bento um critério inteiramente prático, pois é natural que freqüentemente nos surjam dúvidas. Diante do caso concreto, perguntamo-nos: isto não terá prioridade? E a resposta é "não"! Nada pode ser mais urgente do que dispor de tempo para Deus, pôr-se a seu serviço. Se o fizermos, o resto acabará por encontrar o seu ritmo adequado. Dispor de tempo para Deus sempre deve ter a precedência em tudo o que fazemos.

Se refletirmos sobre o modo como encaramos o mundo, teremos de reconhecer que, na realidade, fazemos justamente o contrário. Para nós, vale o inverso: Operi Dei quaecumque res praeponatur, "qualquer coisa deve ser preferida ao serviço de Deus". Todas as outras coisas são mais importantes e devem ser feitas primeiro. Primeiro precisamos resolver os nossos problemas, todas essas coisas urgentes e preocupantes que temos entre mãos. Depois, quando isso tiver sido feito, poderemos até encontrar um pouco de tempo para Deus.

É algo que parece evidente, tendo em conta a urgência das nossas angústias e dos nossos desejos. Mesmo assim, está tudo errado; porque sempre aparece mais alguma coisa a fazer, e Deus acaba por ser empurrado para fora da nossa vida. já não lhe permitimos entrar no nosso tempo. Não temos mais tempo para Ele, e o resultado é que o nosso tempo se torna vazio de Deus, e com isso simplesmente vazio. O nosso tempo gira no vazio, e acabamos por já não saber para que existimos, de onde a nossa vida poderá tirar o seu sentido, a sua grandeza e a sua coerência - porque toda a ordem das coisas está invertida, porque declaramos que a única coisa importante não tem importância e nos colocamos nós mesmos em primeiro lugar, sem levar em conta que toda a importância que possamos ter vem dEle.

Buscai primeiro o Reino de Deus. Deus em primeiro lugar.

Joseph Ratzinger, Homilias sobre os santos.

terça-feira, 15 de março de 2011

Vi algo do Mistério


"Eu não soube onde entrava. Porém, quando ali me vi, sem saber onde estava, grandes coisas entendi" 
S. João da Cruz

Hoje de manhã, acordei com o som do rádio, onde uma conhecida minha dava entrevista sobre assuntos relacionados à Psicologia. Isto, de algum modo, já me inquietou, pois, além do som alto como estava, eu peguei uma tal aversão por essas conversas de psicólogo desde que eu saí do curso de Psicologia que não é sem repugnância que ouço ou leio certas teorias pretensiosas.

Levantei-me, tomei café e fui ter a minha primeira aula de Partitura. Rs... Sempre quis aprender esse negócio e, de certo modo, eu tenho culpa por ainda ser analfabeto nisso. Digamos que, mantendo a analogia, eu saberia apenas ler certas palavras. Mas só. Simultaneamente à aula, eu soube que iria ter Santa Missa na Casa dos Pobres, uma instituição que cuida de idosos carentes, e isto me fez ir à aula com o coração meio dividido, pois eu já tinha marcado e ontem mesmo o professor me garantiu que iria.

Cheguei um pouco cedo e pus-me a esperar. Como a hora se aproximasse e o professor não desse as caras, um colega tratou de ligar para ele e ficou a saber que ele não viria. Tinha vencido a sua habilitação e ele estava em outra cidade, resolvendo a sua situação. Não fiquei de nenhum modo triste. Antes, saí dali e pus-me a correr em direção ao lugar onde se dava a Santa Missa. Graças a Deus, embora suado, cheguei a tempo de assistir a celebração e comungar.

A comunhão hoje, realmente, se deu nas trevas da Fé. Me vi meio indisposto para qualquer recolhimento interior. No entanto, como é bom quando se sabe que a eficácia da Comunhão com Nosso Senhor, e da oração em geral, não dependem destes fatores sensíveis. Quando, porém, eu abrí os olhos, pus-me a notar os presentes, muitos deles residentes daquele lugar. Velhinhos humildes, tão simples... À minha frente, uma senhorinha usava uma touca por baixo da qual se via seus cabelos branquinhos. Com o olhar calmo, ela percorria o ambiente, fitando os demais. Por trás de nós, uns vovôs assistiam tudo de um sofá, à frente do qual havia um que repousava numa cadeira de rodas. Fiquei a observar um pouco a senhora à minha frente. Não obstante o seu aspecto tão frágil, era ela uma alma imortal. Que grandeza! Que mistério! Comparado a isto, o que são Freud, o sofista, e seus similares? Aquela pequenez e humildade que eu contemplava bem à minha frente parece que lhe adensava a alma, quase a ponto de torná-la visível. Que belo! Alguns dirão que isto são coisas de um católico romântico e imaginativo, rs. Não me importa o que acham, não to afirmando que entrei em êxtase ou que vi qualquer coisa supranatural. Nada disso. Mas é interessante notar que eu me pus a contemplar estas pessoas justamente depois da Comunhão.

Terminada a Santa Missa, eu fui saindo e parei ao lado do senhor de cadeira de rodas. Depois de hesitar um pouco, lá fui eu e o cumprimentei. Era uma figurinha terna, visivelmente acostumado à dor e, sem dúvida, à solidão. Como visse a minha mão estendida em sua direção, sutilmente segurou a minha. Feito isto, eu ouvi a sua vozinha, fraca e vagarosa, a dizer-me: "Deus te abençoe"... Ah.. era o Cristo.

Retribui-lhe a saudação, cumprimentei os demais e rumei para casa. Meio comovido, fiquei a pensar em certas coisas. Na minha covardia e no amor terno e insistente do Cristo... Isto foi como um abraço num filho rebelde. E então a rebeldia perde a razão de ser...

Agora, enfim, como me parece ridículo o ateísmo. Como estes sujeitos que se auto-proclamam inteligentes são, na verdade, uns obtusos. O Mistério, caríssimos, está em toda parte. E hoje, Ele veio a mim na Eucaristia e, depois, na simplicidade de uns velhinhos. Bendito seja Deus.

sábado, 5 de março de 2011

"Se não for como eu quero, não será..."


Um problema, relativamente sutil, e que é recorrente na vida de pessoas espirituais - ou que se pretendem tais - é o sempre e onipresente apego às próprias preferências, ao próprio modo, aos próprios desejos. São incapazes de aceitar uma novidade; não permitem surpresas; não se permitem submeter a ninguém; rejeitam tudo quanto não se insira, desde já, nos estreitos limites de sua previsão. Mesmo Deus, que é, por definição, infinito, não tem liberdade, para um cristão assim, de corresponder a esta sua ilimitação, pois, uma vez que Ele - Deus - extrapola facilmente a fraca previsão humana, será recusado como uma ameaça.

Acontece que isto é bastante sério. No fundo desta atitude, reside o grande inimigo do homem: o amor próprio. Este amor próprio, que o Thomas Merton define muito bem como sendo o inferno, é o que faz que estas pessoas vivam em guerra em dois sentidos: 1) para garantir e agarrar o que, segundo seu modesto ponto de vista, é-lhes importante. 2) para fugir das imprevisibilidades, numa tentativa de evadir-se de possíveis riscos. E, de uma forma bem mais clara, o que se busca aí não é nada além do conforto da vontade.

É precisamente neste contexto que a cruz surge como uma mensagem de profunda liberdade, porque ela corta esta mediocridade humana e exige daquele que se dispõe a seguir Nosso Senhor que transcenda os próprios cuidados, tão baixos e tão fúteis.

É importante, sobretudo, reconhecer em nós mesmos estas tendências. Estamos sempre à procura de situações ideais -  isto é, segundo os nossos critérios. E se Deus nos pede que abramos mão deles para que possamos experimentar, uma vez apenas, um pouco da bondade de Deus, ficamos receosos, porque não confiamos em Deus e não confiamos porque não O amamos.

E depois de tudo isto, ainda pretendemos ser espirituais.. rs... Ironia de cegos!

Acontece que esta rebeldia, este egocentrismo, não obstante seja, em última análise, uma tentativa de se auto-garantir a alegria, é, na verdade, o maior impedimento para a verdadeira alegria, uma alegria que só Deus pode dar.

Se agimos assim, caríssimos, não somos espirituais nem aqui nem na China. Precisamos, como dizia S. Paulo, ainda dos primeiros rudimentos da Fé e do mais ralinho leite espiritual, porque sequer deixamos de ser carnais e é o egoísmo que ainda prevalece. Triste...

sexta-feira, 4 de março de 2011

Como sei que vou por caminho certo?


As coisas são bastante difíceis. Parece que nos é pedido lutar somente. Ainda bem que temos bons armamentos...

Hoje me deparei com a afirmação de Jesus no Evangelho: "Quando pedires alguma coisa, crede firmemente e sem duvidar no vosso coração que já recebestes o que pedistes, e assim será". Isto insere uma problemática. Se a coisa se resumisse ao que imediatamente se lê, quantos pedidos disparatados seriam atendidos? rs.. Talvez poucos, porque é raro encontrar alguém de uma fé firme. A nossa experiência cotidiana da dureza do nosso chão parece minar aquela nossa capacidade infantil do abandono. De modo que não é sem forças que readquirimos esta habilidade.

Mas a fala de Nosso Senhor parece contrastar, a princípio, com a afirmação do Apóstolo Paulo: "Pedis e não recebeis, porque pedis mal". Paulo insere um novo elemento: é preciso pedir bem. E como se faz isto? Ele mesmo responde: "O Espírito rezará em vós". Ora, o Espírito é Deus e está em perfeita unidade com Jesus, que é Deus. Daqui depreende-se que é necessário ser um com Cristo para que se possa entrar neste conjunto e ser agraciado com a realização dos pedidos desta fé firme.

Ser um com Cristo. Ensinam os místicos e doutores da Igreja que isto se faz, sobretudo, pela união de vontades que mais não é senão querer o que Nosso Senhor quer e não querer o que Ele não quer. Aliás, esta é uma outra forma de vivenciar o que rezamos no Pai Nosso: "Seja feita a Vossa vontade..." É somente quando a nossa vontade é idêntica à vontade divina que podemos pedir e receber, pois Deus, sendo o Bem absoluto, não pode agir contrariamente à Sua vontade, pois isto significaria agir contrário ao bem, o que é um absurdo.

Como, porém, saber se estamos querendo o mesmo que Deus quer? A grosso modo, se queremos o bem podemos dizer que estamos em harmonia com o querer Divino. Mas o modo de se conseguir isto é que é algo mais minucioso. Os caminhos de Deus são mais fáceis de delinear, mas e as veredas? É o que Davi pede ao Senhor: "ensina-me os teus caminhos e as tuas veredas". Como saber?

Esta é uma questão difícil e que preocupou até mesmo grandes santos. Como saber se a via que por ora seguimos é autêntica e não é, ao contrário, uma projeção das nossas preferências? Um primeiro passo é identificar o caminho que, então, se quer seguir como um caminho autêntico na Igreja. Mas, e depois? Há tantos caminhos válidos... O reconhecimento dos próprios traços vocacionais e, até mesmo, dos próprios interesses é um norte, mas como evitar os excessos? Onde praticar a negação de si mesmo? Onde exatamente? Como estar seguro de que isto é o que Deus quer... Como? Como?

Se, do outro lado, Ele costumasse falar.. Mas não.. Silêncio...