quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

As trevas da Fé


O Deus vivo, o Deus que é Deus e não uma abstração filosófica, está infinitamente para além de qualquer coisa que os nossos olhos podem ver ou o nosso espírito pode compreender. Qualquer que seja a perfeição que lhe atribuirdes, ao descrevê-Lo, tereis sempre de acrescentar que a vossa concepção tem só uma pálida analogia com a perfeição que está em Deus e que, literalmente, Ele não é o que concebeis por meio desse termo.

Ele, que é infinita luz, é tão prodigioso na Sua evidência que o nosso espírito só pode vê-lo como treva. Lux in tenebris lucet e tenebrae eam non comprehenderum.

Se nada do que se pode ver pode ser Deus ou no-Lo representar tal como Ele é, então, para encontrar Deus, temos de passar para além de tudo que pode ser visto e penetrar nas trevas. Visto que nada do que se pode ouvir é Deus, para O encontrar, temos de entrar no silêncio.

Visto que Deus não pode ser imaginado, tudo o que a nossa imaginação nos diz a respeito d'Ele é, em última análise, uma mentira, e, portanto, não podemos conhecê-Lo como Ele realmente é a não ser que ultrapassemos tudo que pode ser imaginado e entremos numa escuridão sem imagens e sem semelhança com qualquer coisa criada.

E, uma vez que Deus não pode ser nem visto nem imaginado, as visões de Deus que, segundo ouvimos, os santos têm, não são visões de Ele, mas visões a respeito de Ele; ver alguma coisa não é vê-Lo.

Deus não pode ser compreendido senão por Ele Próprio. Se devemos chegar a compreendê-Lo, só o conseguiremos transformando-nos, dalgum modo, n'Ele, de maneira a conhecê-Lo como Ele se conhece a Si Próprio. E Ele não se conhece a Si Próprio por qualquer representação de Si Próprio: o Seu Ser infinito é que é o Seu conhecimento de Si Próprio e nós não O conheceremos como Ele Se conhece até estarmos unidos àquilo que Ele é.

A fé é o primeiro passo dessa transformação, porque é um conhecimento a que se chega sem imagens nem representações, graças a uma amorável identificação com o Deus vivo, nas trevas.

A fé atinge o entendimento não através dos sentidos mas a uma luz diretamente difundida por Deus. Uma vez que esta luz não passa pelos olhos ou pela imaginação ou pela razão, a sua certeza torna-se nossa sem se revestir da aparência de qualquer criatura, sem qualquer semelhança que possa ser visualizada ou descrita. É verdade que, na sua forma expressiva, o artigo de fé a que damos a nossa adesão representa coisas que podem ser imaginadas, mas, dentro da medida em que as imaginamos, temos de formar delas uma idéia errada e tendemos a extraviar-nos. Numa palavra: não podemos imaginar a relação entre os dois termos da proposição seguinte: "Em Deus, há Três Pessoas e Uma só natureza". E tentar fazê-lo seria grande erro.

Se credes, se fazeis um simples ato de submissão à autoridade de Deus propondo qualquer artigo de fé, externamente, através da Sua Igreja, recebeis o dom de uma luz itnerior de tal modo simples que escapa a qualquer descrição e de tal modo pura que seria grosseria chamar-lhe uma impressão. É antes uma luz verdadeira, que traz ao aperfeiçoamento do juízo humano uma perfeição que ultrapassa muito a ciência. A própria obscuridade da fé é um argumento a favor da sua perfeição. É obscura para os nossos espíritos porque transcende muito a fraqueza destes. Quanto mais perfeita, mais obscura se torna. Quando mais nos aproximamos de Deus, menos a nossa fé se dilui na meia-luz das imagens e dos conceitos.

A nossa certeza aumenta com essa obscuridade, mas não sem angústia ou mesmo dúvida real, porque não achamos fácil viver num vazio onde as nossas faculdades naturais não têm nada de seu onde repousar. E é nas mais fundas trevas que, na terra, mais plenamente possuímos Deus, porque é então que os nossos espíritos estão mais verdadeiramente libertos da sua débil iluminação natural, que é apenas escuridão comparada com Ele; é então que estamos cheios da Sua Infinita Luz, que, para nós, é pura escuridão.

Thomas Merton, Sementes de Contemplação

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A verdadeira solidão interior


A verdadeira solidão não é qualquer coisa exterior a vós, não é a ausência de gente e de ruído em torno de vós: é um abismo a abrir-se no centro da vossa própria alma.

E esse abismo de solidão interior é criado por uma fome que nenhuma coisa criada pode satisfazer.

O caminho único para encontrar a solidão é a fome, a sede, a tristeza, a pobreza e o desejo, e o homem que pôde achá-la está tão vazio como se a morte o tivesse esvaziado.

Ultrapassou todos os horizontes. Já não lhe resta qualquer caminho pode onde possa enveredar. Ela é a zona cujo centro está em toda a parte e a circunferência em parte alguma. Não é viajando que a encontrareis, mas permanecendo imóvel.

No entanto, é em tal solidão que as mais fecundas atividades têm seu começo. É aí que conhecereis a ação sem movimento, o esforço que é profundo repouso, a visão nas trevas, e, para mais além de qualquer desejo, uma plenitude cujos limites se estendem até ao infinito.

Thomas Merton, Sementes de Contemplação

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Voltando, mesmo, à Universidade. Deo Gratias!

Agora, sim! Matrícula efetuada... voltando, de fato, à Universidade, ao que chamo de "antro de comunas". Falta-me somente acertar o lugar em que ficarei, e que não é quesito difícil, e decidir se realmente trabalharei num colégio como professor de Filosofia e Sociologia.

O mais importante, porém, já tá certo. :D

Que Deus me tire os respeitos humanos e me ensine a ser um tanto desaforado porque lá, isso é não só grandemente conveniente, mas também necessário.

"A Imaculada está comigo; vou adiante!"

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Eu?... Sou só um menino...



Caminho de infância. – Abandono. – Infância Espiritual. – Nada disto é ingenuidade, mas forte e sólida vida cristã.

Na vida espiritual da infância, as coisas que as “crianças” dizem ou fazem nunca são criancices ou puerilidades.

Ser pequeno. As grandes audácias são sempre das crianças. – Quem pede... a lua? – Quem não repara nos perigos, ao tratar de conseguir o seu desejo?
“Colocai” numa criança “dessas” muita graça de Deus, o desejo de fazer a Vontade dEle, muito amor a Jesus, toda a ciência humana que a sua capacidade lhe permita adquirir... e tereis retratado o caráter dos apóstolos de hoje, tal como indubitavelmente Deus os quer.
 
Faz-te criança. – Ainda mais. – Mas não fiques na “idade do buço”. Já viste coisa mais ridícula do que um moleque bancando “o homem” ou um homem “amolecado”?
Criança para com Deus; e, por conseqüência, homem muito viril em tudo o mais. – Ah!... e larga essas manhas de cachorrinho de colo.

Diante de Deus, que é Eterno, tu és uma criança menor do que, diante de ti, um garotinho de dois anos.
E, além de criança, és filho de Deus. – Não o esqueças.

Menino bobo: no dia em que ocultares alguma coisa da tua alma ao Diretor, deixaste de ser criança, porque perdeste a simplicidade.

Sendo crianças, não tereis mágoas; as crianças esquecem depressa os desgostos para voltarem aos seus divertimentos habituais. – Por isso, com esse “abandono”, não tereis que vos preocupar, pois descansareis no Pai.

As crianças não têm nada de seu; tudo é de seus pais... E teu Pai sabe sempre muito bem como administra o patrimônio.

Menino: o abandono exige docilidade.

Menino audaz, grita: - Que amor o de Teresa! – Que zelo o de Xavier! – Que homem tão admirável São Paulo! – Ah, Jesus, pois eu... Te amo mais do que Paulo, Xavier e Teresa!
 
Quando te chamo “menino bom”, não penses que te imagino encolhido, acanhado. – Se não és varonil e... normal, em lugar de seres um apóstolo, serás uma caricatura que provoca riso.

Menino bom, diz a Jesus muitas vezes ao dia: eu Te amo, eu Te amo, eu Te amo...
 
Que as tuas faltas e imperfeições, e mesmo as tuas quedas graves, não te afastem de Deus. – A criança débil, se é sensata, procura estar perto de seu pai.

Não te preocupes se te aborreces quando fazes essas pequenas coisas que Ele te pede. – Ainda chegarás a sorrir...
Não vês com que pouca vontade dá o menino simples a seu pai, que o experimenta, a guloseima que tinha nas mãos? – Mas dá; venceu o amor.

Reconheço a minha rudeza, meu Amor, que é tanta..., tanta, que até quando quero acariciar, machuco.
- Suaviza as maneiras da minha alma; dá-me, quero que me dês, dentro da firme virilidade da vida de infância, aquela delicadeza e meiguice que as crianças têm para tratar, com íntima efusão de amor, os seus pais.

Uma picadela. – E outra. E outra. – Agüenta-as, faz favor! Não vês que és tão pequeno que só podes oferecer na tua vida – no teu pequeno caminho – essas pequenas cruzes?
Além disso, repara: uma cruz sobre outra – uma picadela... e outra..., que grande montão!
No fim, menino, soubeste fazer uma coisa muito grande: Amar.

Que a vossa oração seja viril. – Ser criança não é ser efeminado.

Como é bom ser criança! – Quando um homem solicita um favor, é preciso que ao requerimento junte a folha dos seus méritos.
Quando quem pede é um menininho, como as crianças não têm méritos, basta-lhe dizer: - Sou filho de Fulano.
Ah, Senhor – diz-Lhe com toda a tua alma! –, eu sou... filho de Deus.
 
- Quanto me queres?... Fala! – E o garotinho diz, marcando as sílabas: Mui-tos mi-lhões!

S. Josemaría Escrivá, Caminho.

Que triste é...


Muito triste quando, no único dia da semana que se diz ter confissão, não há padres para confessar...

E o padre, depois, ainda me pergunta se eu que o abandonei... rs

Oh Deus...

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A via estreita do Mestre



O Mestre apresentara um caminho difícil e severo, escavado na rocha viva e que os pés descalços haveriam de purpurear de sangue e que todos os seus seguidores haveriam de umedecer com o suor e as lágrimas. Havia proclamado felizes os rostos banhados pelo pranto da purificação, felizes os pobres em espírito, felizes os que sofriam tribulações, os caluniados, os perseguidos, aqueles que respondiam com serenidade à provocação, aqueles que nunca se vingavam e perdoavam sempre, aqueles que, negando-se a si mesmos, abraçavam a cruz a cada dia e o seguiam, aqueles que, como o grão de trigo, desapareciam nas vísceras da abnegação, para reaparecer “diferentes”, isto é, ressuscitados.

Pedro Paulo di Berardino, OCD. Itinerário Espiritual de S. João da Cruz.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pobreza, Vazio, Solidão, Presença Sutil


Ontem à noite (10/01/2010) estava em casa. Tinha assistido alguns animes, tinha lido algumas coisas e, de repente, sozinho, notei uma certa inquietação. Deu-me vontade de ir na casa de algum amigo, mas não fui. Pus então uma música do Mons. Marco Frisina pra tocar, mas, em pouco tempo, eu voltei ao silêncio. Ali, silêncio e solidão eram coisas muito presentes e pude notar um resquício da minha agitação dos últimos dias. Fiquei quieto, olhos fechados, silêncio. Pensei em Deus.

Fiz a experiência, costumeira até, de pensar em Deus para além dos conceitos. Lembrei-me de umas conversas recentes e, também, das lições de S. João da Cruz, da Mística de Trevas e assim fiquei. Era aquilo uma suavidade, mas ainda assim uma densidade real. Não era um retirar-me do lugar por qualquer prática meditativa; era, entes, um testemunhar da transcendência sempre presente. Deus estava ali, em cada espaço, em cada coisa. Não se trata de uma teoria estranha imanentista. Se trata, antes, da convicção metafísica de que Deus é quem sustenta o mundo. Esta definição explica algo, mas o que se tratava era de algo mais único e misterioso. Era uma sutileza quase tímida.

Não estou a dizer que vi ou senti Deus. Estou afirmando que intuí algo mais profundo e que isto me foi possibilitado pela experiência do silêncio e da solidão. Pôr assim em termos conceituais dá a possibilidade de muitos equívocos. Não estou também a dizer que tenha sido nada de sobrenatural. Foi tão somente uma experiência comum e que se deu a partir de um pequeno esvaziamento da minha parte.

Não foi, diria, nenhum tipo de recompensa ou dádiva. Foi só um dispor-se de minha parte. Aquela Presença, aquele silêncio, aquele vazio, ou como o queiram chamar, está aqui, agora, neste instante. Isto me parece com aquele fenômeno que acontece quando falta energia à noite. As luzes artificiais cessam e, então, o céu aparece tão bonito. Não que antes não fosse; mas, agora, se deixa ver.

O silêncio, a solidão nos possibilitam isto.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

S. Josemaria Escrivá sobre a Humildade


Não queiras ser como aquele catavento dourado do grande edifício; por muito que brilhe e por mais alto que esteja, não conta para a solidez da obra.
- Oxalá sejas como um velho silhar oculto nos alicerces, debaixo da terra, onde ninguém te veja; por ti não desabará a casa.

Quando te vires como és, há de parecer-te natural que te desprezem.

Não és humilde quando te humilhas, mas quando te humilham e o aceitas por Cristo.

És pó sujo e caído. - Ainda que o sopro do Espírito Santo te levante sobre todas as coisas da terra e te faça brilhar como ouro, ao refletires nas alturas, com a tua miséria, os raios soberanos do Sol da Justiça, não esqueças a pobreza da tua condição.
Um instante de soberba te faria voltar ao chão, e deixarias de ser luz para ser lodo.

Tu?... Soberba? - De quê?

Tu, sábio, afamado, eloquente, poderoso: se não fores humilde, nada vales.
- Corta, arranca esse "eu" que tens em grau superlativo - Deus te ajudará -, e então poderás começar a trabalhar por Cristo, no último lugar do seu exército de apóstolos.

Essa falsa humildade é comodismo; assim, tão "humildezinho", vais abrindo mão de direitos... que são deveres.

Reconhece humildemente a tua fraqueza, para poderes dizer com o Apóstolo: "Cum enin infirmor, tunc potens sum" - porque, quando sou fraco, então sou forte.

Olha como é humilde o nosso Jesus: um burrico foi o seu trono em Jerusalém!...

A humildade é outro bom caminho para chegar à paz interior. - Foi "Ele" que o disse: "Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração..., e encontrareis paz para as vossas almas".

Não é falta de humildade conheceres o progresso da tua alma. - Assim podes agradecê-lo a Deus.
- Mas não te esqueças de que és um pobrezinho, que veste um bom terno... emprestado.

O conhecimento próprio leva-nos como que pela mão à humildade.

A tua firmeza em defender o espírito e as normas do apostolado em que trabalhas não deve fraquejar por falsa humildade. - Essa firmeza não é soberba; é a virtude cardeal da fortaleza.

Foi por soberba: já te ias julgando capaz de tudo, tu sozinho. - O Senhor te largou por um instante, e caíste de cabeça. - Sê humilde, e o seu apoio extraordinário não te há de faltar.

Bem podias repelir esses pensamentos de orgulho; afinal, és como o pincel nas mãos do artista. - E nada mais.
- Diz-me para que serve um pincel, se não deixa trabalhar o pintor.

Para que sejas humilde, tu, tão vazio, tão satisfeito de ti mesmo, basta-te considerar aquelas palavras de Isaías: és "gota de água ou de orvalho que cai na terra e mal ser deixa ver".

S. Josemaria Escrivá, Caminho

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Voltando ao curso de Filosofia



Este ano de 2011, voltarei ao curso de Filosofia que, por motivos outros, eu tinha deixado. Retomarei de onde parei, embora, na época, eu não o tivesse trancado. É que eu não pensava em voltar lá. Hoje, porém, percebendo melhor a importância de uma graduação, lá vou eu, de novo, àquele ambiente estranho, infestado de marxistas e de militantes anti-cristãos. Mas, fazer o quê? Eu sou um lutador, oras...

Preciso ainda me informar das burocracias, se, enfim, tudo ficou resolvido. Depois, certificar-me do lugar onde ficarei. Não estarei viajando diariamente porque isto não é mesmo pra mim. Vou ficar, tudo indica, numa casa lá perto. Mas ainda estou vendo isso também.

Será uma situação de todo nova. Desde que nasci, nunca morei fora. Agora, aos 25 anos, lá vou eu para a minha primeira experiência de convívio em outra cidade. Pra quem queria se trancar num convento, é o de menos. Sem falar que todo fim de semana estarei vindo em casa. Minha tia, que vive doente, passará as noites sozinha, o que não deixa de me preocupar. Mas é um pouco parecido ao tempo em que eu estudava à noite. A dificuldade dela é com relação a dormir só, porque tem uns medos fantasiosos totalmente sem fundamento. Com isto, não há que se preocupar.

Tenho visto uns meninos, bem mais novos que eu, e que já dão aula por aí afora. Isto, a princípio, me dava a impressão de ter perdido tempo. Mas, hoje vejo que não. Tanta gente entra nova demais numa universidade e não aproveita. Passa os anos a brincar...

Neste tempo em que passei, burocraticamente inativo, permaneci estudando, talvez mais do que estudaria lá. E reconheço que cresci... Agora estou bem melhor preparado para aproveitar o curso. Lá será como um campo de treinamento; poderei brincar com os comunistas e rir-me das suas conversas tolas.

Com os stalinistas é que devo tomar cuidado..rs Esse povo tem uma moral muito flexível.

Mas, enfim, será um tempo bom. Deus estará comigo. A Virgem Santíssima será minha mestra e me guardará. Não há o que temer. 

Fábio.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Desprendimento

 S. Josemaria Escrivá

Por que te debruçares a beber nos charcos dos consolos mundanos, se podes saciar a tua sede em águas que saltam para a vida eterna?

Desprende-te das criaturas até ficares despido delas. Porque - diz o Papa São Gregório - o demônio nada tem de seu neste mundo, e acode nu à contenda. Se vais vestido lutar com ele, em breve cairás por terra. Por que terá por onde te pegar.

Desprendimento. Como custa!... Quem me dera não estar atado senão por três pregos, nem ter outra sensação em minha carne que a Cruz!

Jesus não se satisfaz "compartilhando"; quer tudo.

Não queres submeter-te à Vontade de Deus... E, no entanto, acomodas-te à vontade de qualquer pobre criatura.

Não percas a perspectiva: se se dá a ti o próprio Deus, por que esse apego às criaturas?

Agora, tudo são lágrimas. - Dói, não é mesmo? - Pois é claro! Por isso precisamente te acertaram com o dedo na chaga.

Tens expansões de ternura. E eu te digo: - Caridade com o próximo, sempre.
Mas - ouve-me bem, alma de apóstolo -, é de Cristo, e só para Ele, este sentimento que o próprio Senhor põe em teu peito.
- Além disso..., não é verdade que, ao abrires algum ferrolho do teu coração - necessitas de sete ferrolhos -, mais de uma vez ficou pairando em teu horizonte sobrenatural a nuvenzinha da dúvida... e perguntaste a ti mesmo, preocupado, apesar da tua pureza de intenção: - não será que fui longe demais nas minhas manifestações exteriores de afeto?

"Se o teu olho direito te escandaliza..., arranca-o e joga-o para longe!" - Pobre coração, que é ele que te escandaliza!
Aperta-o, amarfanha-o entre as mãos; não lhe dês consolações. - E, cheio de uma nobre compaixão, quando as pedir, segreda-lhe devagar, como em confidência: - "Coração: coração na Cruz, coração na Cruz!"

Como vai esse coração? - Não te inquietes; os santos - que eram seres bem constituídos e normais, como tu e como eu - sentiam também essas "naturais" inclinações. E se não as tivessem sentido, a sua reação "sobrenatural" de guardar o coração - alma e corpo - para Deus, em vez de entregá-lo a uma criatura, pouco mérito teria tido.
Por isso, uma vez visto o caminho, creio que a fraqueza do coração não deve ser obstáculo para uma alma decidida e "bem enamorada".

"Ah, se eu tivesse cortado no princípio", disseste-me. - Oxalá não tenhas que repetir essa exclamação tardia.

A dor esmaga-te porque a recebes com covardia. - Recebe-a como um valente, com espírito cristão; e a estimarás como um tesouro.

O Amor... bem vale um amor!

S. Josemaria Escrivá de Balaguer, Caminho.

Quando se encontrar com uma ameaça à tua santidade...

Seja doce assim...

As quatro paixões que nublam os olhos da alma

Eu já desenvolvi este tema aqui no blog, mas quero tentar ser um pouco ainda mais claro, por causa da importância que julgo ter. Se alguém o assimilar e aplicar à vida, corajosamente, haverá de encontrar aí um tesouro.

Trata-se da teoria das quatro paixões elencadas por S. João da Cruz, e que são: o medo, a dor, a esperança e o prazer. Relembremos que o termo “paixão” vem do grego “pathos” que significa passividade ou possibilidade de sofrer algo.

Estas quatro se chamam “paixões” porque se dão num sujeito que, então, se torna passivo a elas. Há, porém, a possibilidade de rompê-las, de vencê-las. S. João da Cruz afirma, na esteira de Boécio, que os que conseguirem a vitória sobre elas, a ponto de reduzi-las a nada, haverão de ver as coisas com clareza e profundidade e nada mais lhe será misterioso.

Neste sentido, escreve o monge Thomas Merton: “no mundo há poucos que vêem as coisas na sua perfeita verdade e são estes que sustentam o universo”. A frase, claro, tem muito de poético, mas faz ver o que se quer dizer.

É ainda uma variação do que diz Dante na divina comédia, expressão que era frequentemente evocada pelo saudoso Prof. Orlando Fedeli: “Com olhos claros e afeto puro”. Os olhos podem significar a potência intelectiva, visto ser o olho o sentido que mais dá informações ao sujeito. Mas ela pode, também, conforme Sto. Tomás, simbolizar a intenção da alma que, se for pura, escreve Tomás de Kempis na Imitação, poderá abraçar a Deus.

Estas coisas, porém, somente se adquirem com a vitória contra aquelas quatro paixões.

Sigamos, então, expondo o que são as paixões e modos de vencê-las. Observemos que o prêmio que daí surge não é pequeno. É que elas viciam a consideração da alma e, uma vez que se lhes são arrancadas as rédeas, a alma ganha muito em liberdade e maturidade.

Como já dito da outra vez, é interessante fazer um pequeno paralelo com Freud e mostrar o tremendo engano desse guru moderno. Freud, criador da Psicanálise, que se pretende “Psicologia Profunda”, chegou apenas a uma consideração superficial, se o compararmos a S. João da Cruz ou aos santos todos que, segundo o que convencionou chamar de “Maiuêtica Cristã”, conheciam-se a si mesmos em Deus. O sistema freudiano parte de pressupostos falsos o que vicia toda a sua teoria de meia tigela.

Mas, façamos o paralelo. Para Freud todo ser humano se move, sempre, em dois sentidos bem gerais, aos quais ele chama de Pulsão de Vida e Pulsão de Morte e que mais não são que a busca pelo prazer e a fuga do não-prazer, isto é, da dor; a pulsão de morte recebe este nome porque o seu característico é usar de agressividade contra aquilo que contraria o prazer. Para Freud, todo e qualquer ato humano tem como razão de fundo esta dinâmica que, bem poderíamos reduzir à busca de prazer, com suas respectivas implicâncias positivas (algo que se faz) e negativas (algo que se evita). Não obstante os termos técnicos, estamos aqui diante dos velhos efeitos do pecado original, isto é, do egoísmo ou do amor próprio, puro e simples.

Freud reduziu o ser humano a uma marionete do amor próprio.
No entanto, S. João da Cruz encontra, não apenas estas duas paixões, mas quatro que, em última instância, poderão ser reduzidas a duas e, estas, a uma só.

Temos, então, a dor. Depois temos o medo que é uma certa expectativa da dor. Em terceiro, temos o prazer e, por fim, a esperança que é uma expectativa do prazer. Tudo isto são os movimentos do amor próprio que assume mil disfarces. Mas, sobretudo, se esconde neste quatro.

Para Freud o homem é isso. Para S. João da Cruz, o homem começa a ser ele mesmo quando vence essa prisão que estreita os horizontes da alma.

A arma a se usar nesta luta não é outra que a cruz, isto é, a negação de si, a pobreza interior, a via estreita de Nosso Senhor. Interessante este paradoxo: é seguindo a via estreita que alargaremos os horizontes.. :-)

S. João da Cruz dá um conselho aos que querem avançar a passos largos no caminho espiritual: “Inclinem-se sempre ao menos saboroso e mais dificultoso”, isto é, contrariem aquela dinâmica que lhes leva a buscar prazer naquilo que fazem. Porque esta busca de prazer colore com matizes falsos aquele dado serviço. Ele assume o seu valor à medida que causa ou não prazer. E isto é falso. Para se libertar desta ilusão, é preciso mortificar esta busca egoísta por prazer e, uma vez que se o faça e se mantenha este neste caminho, a pobre alma começará a respirar melhor e a ver certos lumes que antes não notava.

O objetivo é que o sujeito passe a ver o valor de um serviço, não pelo que dele goza ou sofre, mas pelo seu valor objetivo. Porém, para tal objetividade, será preciso aquietar o egoísmo que se manifesta precisamente nesta busca por situações mais saborosas, seja com os trabalhos, seja com as pessoas, etc. 

No livro do Amigo e do Amado, o amigo diz a Jesus que “entre os trabalhos e os prazeres que me dás, não faço diferença”. Isto é, já, um efeito deste exercício.

Esta prática vai dando uma liberdade gradativa e, consequentemente, vai tornando o olhar mais puro e mais penetrante na natureza mesma das coisas, ao ponto de o sujeito compreendê-las facilmente e fazer os seus serviços “na razão e justiça de fazê-los, e não segundo os gostos que deles resultam”.

Se não se busca o prazer, naturalmente também se aquieta a esperança, cuja razão de ser é esperar, naquilo que encontra, obter o gozo. Se não se foge da dor, então, igualmente, o medo desaparece. Sem estas lentes falsas, o mundo brilha em todo o seu frescor e cor naturais, na sua simplicidade e a inteligência lhe capta a verdade.

Ah.. é tão saboroso viver dessa forma. Se os homens o soubessem, venceriam o amor próprio, se o pudessem, com um golpe só a fim de abater tão chato inimigo.

É como dizia o monge Thomas Merton: “o amor próprio é o inferno”. Porém, uma vez que lhe arrancamos da alma, e pra isto vai um longo processo, a vida se torna um prelúdio do Céu.

Lembremos ainda que a união com Deus se dá também pela verdade. Segue disto que, lendo a verdade das coisas, a alma se une à própria Verdade que é Cristo.

Agora, relendo o que escrevi acima, notei que ficaram algumas coisas por dizer... 
As abordarei depois.

Fábio.