quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

As trevas da Fé


O Deus vivo, o Deus que é Deus e não uma abstração filosófica, está infinitamente para além de qualquer coisa que os nossos olhos podem ver ou o nosso espírito pode compreender. Qualquer que seja a perfeição que lhe atribuirdes, ao descrevê-Lo, tereis sempre de acrescentar que a vossa concepção tem só uma pálida analogia com a perfeição que está em Deus e que, literalmente, Ele não é o que concebeis por meio desse termo.

Ele, que é infinita luz, é tão prodigioso na Sua evidência que o nosso espírito só pode vê-lo como treva. Lux in tenebris lucet e tenebrae eam non comprehenderum.

Se nada do que se pode ver pode ser Deus ou no-Lo representar tal como Ele é, então, para encontrar Deus, temos de passar para além de tudo que pode ser visto e penetrar nas trevas. Visto que nada do que se pode ouvir é Deus, para O encontrar, temos de entrar no silêncio.

Visto que Deus não pode ser imaginado, tudo o que a nossa imaginação nos diz a respeito d'Ele é, em última análise, uma mentira, e, portanto, não podemos conhecê-Lo como Ele realmente é a não ser que ultrapassemos tudo que pode ser imaginado e entremos numa escuridão sem imagens e sem semelhança com qualquer coisa criada.

E, uma vez que Deus não pode ser nem visto nem imaginado, as visões de Deus que, segundo ouvimos, os santos têm, não são visões de Ele, mas visões a respeito de Ele; ver alguma coisa não é vê-Lo.

Deus não pode ser compreendido senão por Ele Próprio. Se devemos chegar a compreendê-Lo, só o conseguiremos transformando-nos, dalgum modo, n'Ele, de maneira a conhecê-Lo como Ele se conhece a Si Próprio. E Ele não se conhece a Si Próprio por qualquer representação de Si Próprio: o Seu Ser infinito é que é o Seu conhecimento de Si Próprio e nós não O conheceremos como Ele Se conhece até estarmos unidos àquilo que Ele é.

A fé é o primeiro passo dessa transformação, porque é um conhecimento a que se chega sem imagens nem representações, graças a uma amorável identificação com o Deus vivo, nas trevas.

A fé atinge o entendimento não através dos sentidos mas a uma luz diretamente difundida por Deus. Uma vez que esta luz não passa pelos olhos ou pela imaginação ou pela razão, a sua certeza torna-se nossa sem se revestir da aparência de qualquer criatura, sem qualquer semelhança que possa ser visualizada ou descrita. É verdade que, na sua forma expressiva, o artigo de fé a que damos a nossa adesão representa coisas que podem ser imaginadas, mas, dentro da medida em que as imaginamos, temos de formar delas uma idéia errada e tendemos a extraviar-nos. Numa palavra: não podemos imaginar a relação entre os dois termos da proposição seguinte: "Em Deus, há Três Pessoas e Uma só natureza". E tentar fazê-lo seria grande erro.

Se credes, se fazeis um simples ato de submissão à autoridade de Deus propondo qualquer artigo de fé, externamente, através da Sua Igreja, recebeis o dom de uma luz itnerior de tal modo simples que escapa a qualquer descrição e de tal modo pura que seria grosseria chamar-lhe uma impressão. É antes uma luz verdadeira, que traz ao aperfeiçoamento do juízo humano uma perfeição que ultrapassa muito a ciência. A própria obscuridade da fé é um argumento a favor da sua perfeição. É obscura para os nossos espíritos porque transcende muito a fraqueza destes. Quanto mais perfeita, mais obscura se torna. Quando mais nos aproximamos de Deus, menos a nossa fé se dilui na meia-luz das imagens e dos conceitos.

A nossa certeza aumenta com essa obscuridade, mas não sem angústia ou mesmo dúvida real, porque não achamos fácil viver num vazio onde as nossas faculdades naturais não têm nada de seu onde repousar. E é nas mais fundas trevas que, na terra, mais plenamente possuímos Deus, porque é então que os nossos espíritos estão mais verdadeiramente libertos da sua débil iluminação natural, que é apenas escuridão comparada com Ele; é então que estamos cheios da Sua Infinita Luz, que, para nós, é pura escuridão.

Thomas Merton, Sementes de Contemplação

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