sábado, 1 de janeiro de 2011

Excertos de um texto do Gustavo Corção sobre a necessidade de se decidir pelo amor


Na catequese antiga, conforme o texto da Doutrina dos Doze Apóstolos, havia menção de dois caminhos: o caminho da Vida e o caminho da morte. Terminava um em núpcias; outro em luto. Era preciso escolher. Mas não devemos de forma alguma pensar que uns escolhiam o caminho da Vida e outros o da morte (...)  Ninguém efetivamente escolhe o caminho da morte; mas entram por ele os que não querem escolher. Morrem por não quererem morrer; perdem a vida porque a querem guardar. Foi o que aconteceu com aquele noivo infeliz que morreu pensando (...)

O encontro, por si só, não dá noivado. O tempo traz a confiança que é a dilatação do encontro; mas a confiança só também não se resolve em noivado. A decisão final cabe a um ato de amor, a uma entrega; e como é ato de entrega parece morte, mas é vida. (...) Nada disso porém resolve seu caso, se aquele senso do outro não estremece com amor e com fome, se não é um pobre na sua carne e um pobre de espírito, isto é, se não precisa da carne do outro e do espírito do outro, se não é, em suma, capaz de dar e de receber, se não decide, uma vez por todas, morrer, para viver nos braços amorosos de uma noiva feliz.


Não adianta ficar pensando indefinidamente, porque a pessoa do outro é inesgotável diante do cogitar. Por mais que faça, não é possível entrar na equação do outro, totalmente, com o sinal do conhecer. A pessoa só pode somar-se à pessoa com o sinal da cruz; conhece-a de modo eminente amando-a e crucificando-se nela.

A confiança cresce à medida que cresce o conhecimento; a noiva chama; todos os santos rezam em coro; um dilúvio de méritos vem, do céu e da terra, molhar as raízes ressequidas de nosso cogitar. Tudo isso será perdido se de nossa parte recusamos a escolha. Há um momento, entrando pela eternidade, que resolve se haverá festa ou luto.  (...)

Ou fazemos (...) ato de reconhecimento e de amor, ou prolongamos indefinidamente nossa prudência. E por mais que estudemos, experimentemos e analisemos, por mais que cresça a confiança, se não fizermos ato de amor, não haverá núpcias. Haverá estudo; confiança boa, mas seca; razoável, mas não amorável.

Podemos ficar neste conflito vinte anos, quarenta anos, anotando num diário a interessante evolução de nossa personalidade. Mas não haverá festa; e morreremos evoluindo. (...)  

Num certo ponto de seu conhecer ganhou confiança; então precisa escolher. (...) Depois do encontro, em que Deus e toda a Comunhão dos Santos o ajudou, o chamou, o procurou, é a vez dele, desse ajudado, desse chamado. É sua vez de jogar, cabe-lhe agora o lance. (...) Deus nos chama e nos ajuda, mas de repente ficamos numa situação inaudita, porque nos compete responder.

Quase se pode dizer que nesse instante incrível há um silêncio de Deus. Todos os santos calam-se. Há um silêncio, uma espera, um frêmito de impaciência, em que somente ecoam, nas almas dos eleitos, os últimos gemidos inefáveis. (...) Mas de repente estamos sós e livres, e temos de fazer um pequeno ato, uma insignificância, (...) um ato de penitência, um gesto de amor, uma coisa de nada que tem a capacidade de encher um silêncio de Deus.

Gustavo Corção, A Descoberta do Outro, Quem Pensa Não Casa
Texto Completo: Aqui


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Na primeira vez que li este texto, tive alguns estranhamentos. Mas, agora, quanto mais o leio, tanto mais concordo com ele. Há um mistério para os chamados a isto que ele descreve. E não convém querer compreender todos os aspectos do mistério; o mistério é inabarcável, e nisto está a sua beleza: ele sempre nos transcende... Querer antecipar e prevê-lo é reduzi-lo e, portanto, é enganar-se. Diante deste mistério amoroso, se se ama, convém lançar-se. É o que Cristo, Nosso Senhor, quis dizer: "Nada temas; crê somente..."

Um comentário:

Gleyce Perrout disse...

Bom o texto... realmente, "Quem Pensa Não Casa" rs