Eu já desenvolvi este tema aqui no blog, mas quero tentar ser um pouco ainda mais claro, por causa da importância que julgo ter. Se alguém o assimilar e aplicar à vida, corajosamente, haverá de encontrar aí um tesouro.
Trata-se da teoria das quatro paixões elencadas por S. João da Cruz, e que são: o medo, a dor, a esperança e o prazer. Relembremos que o termo “paixão” vem do grego “pathos” que significa passividade ou possibilidade de sofrer algo.
Estas quatro se chamam “paixões” porque se dão num sujeito que, então, se torna passivo a elas. Há, porém, a possibilidade de rompê-las, de vencê-las. S. João da Cruz afirma, na esteira de Boécio, que os que conseguirem a vitória sobre elas, a ponto de reduzi-las a nada, haverão de ver as coisas com clareza e profundidade e nada mais lhe será misterioso.
Neste sentido, escreve o monge Thomas Merton: “no mundo há poucos que vêem as coisas na sua perfeita verdade e são estes que sustentam o universo”. A frase, claro, tem muito de poético, mas faz ver o que se quer dizer.
É ainda uma variação do que diz Dante na divina comédia, expressão que era frequentemente evocada pelo saudoso Prof. Orlando Fedeli: “Com olhos claros e afeto puro”. Os olhos podem significar a potência intelectiva, visto ser o olho o sentido que mais dá informações ao sujeito. Mas ela pode, também, conforme Sto. Tomás, simbolizar a intenção da alma que, se for pura, escreve Tomás de Kempis na Imitação, poderá abraçar a Deus.
Estas coisas, porém, somente se adquirem com a vitória contra aquelas quatro paixões.
Sigamos, então, expondo o que são as paixões e modos de vencê-las. Observemos que o prêmio que daí surge não é pequeno. É que elas viciam a consideração da alma e, uma vez que se lhes são arrancadas as rédeas, a alma ganha muito em liberdade e maturidade.
Como já dito da outra vez, é interessante fazer um pequeno paralelo com Freud e mostrar o tremendo engano desse guru moderno. Freud, criador da Psicanálise, que se pretende “Psicologia Profunda”, chegou apenas a uma consideração superficial, se o compararmos a S. João da Cruz ou aos santos todos que, segundo o que convencionou chamar de “Maiuêtica Cristã”, conheciam-se a si mesmos em Deus. O sistema freudiano parte de pressupostos falsos o que vicia toda a sua teoria de meia tigela.
Mas, façamos o paralelo. Para Freud todo ser humano se move, sempre, em dois sentidos bem gerais, aos quais ele chama de Pulsão de Vida e Pulsão de Morte e que mais não são que a busca pelo prazer e a fuga do não-prazer, isto é, da dor; a pulsão de morte recebe este nome porque o seu característico é usar de agressividade contra aquilo que contraria o prazer. Para Freud, todo e qualquer ato humano tem como razão de fundo esta dinâmica que, bem poderíamos reduzir à busca de prazer, com suas respectivas implicâncias positivas (algo que se faz) e negativas (algo que se evita). Não obstante os termos técnicos, estamos aqui diante dos velhos efeitos do pecado original, isto é, do egoísmo ou do amor próprio, puro e simples.
Freud reduziu o ser humano a uma marionete do amor próprio.
No entanto, S. João da Cruz encontra, não apenas estas duas paixões, mas quatro que, em última instância, poderão ser reduzidas a duas e, estas, a uma só.
Temos, então, a dor. Depois temos o medo que é uma certa expectativa da dor. Em terceiro, temos o prazer e, por fim, a esperança que é uma expectativa do prazer. Tudo isto são os movimentos do amor próprio que assume mil disfarces. Mas, sobretudo, se esconde neste quatro.
Para Freud o homem é isso. Para S. João da Cruz, o homem começa a ser ele mesmo quando vence essa prisão que estreita os horizontes da alma.
A arma a se usar nesta luta não é outra que a cruz, isto é, a negação de si, a pobreza interior, a via estreita de Nosso Senhor. Interessante este paradoxo: é seguindo a via estreita que alargaremos os horizontes.. :-)
S. João da Cruz dá um conselho aos que querem avançar a passos largos no caminho espiritual: “Inclinem-se sempre ao menos saboroso e mais dificultoso”, isto é, contrariem aquela dinâmica que lhes leva a buscar prazer naquilo que fazem. Porque esta busca de prazer colore com matizes falsos aquele dado serviço. Ele assume o seu valor à medida que causa ou não prazer. E isto é falso. Para se libertar desta ilusão, é preciso mortificar esta busca egoísta por prazer e, uma vez que se o faça e se mantenha este neste caminho, a pobre alma começará a respirar melhor e a ver certos lumes que antes não notava.
O objetivo é que o sujeito passe a ver o valor de um serviço, não pelo que dele goza ou sofre, mas pelo seu valor objetivo. Porém, para tal objetividade, será preciso aquietar o egoísmo que se manifesta precisamente nesta busca por situações mais saborosas, seja com os trabalhos, seja com as pessoas, etc.
No livro do Amigo e do Amado, o amigo diz a Jesus que “entre os trabalhos e os prazeres que me dás, não faço diferença”. Isto é, já, um efeito deste exercício.
Esta prática vai dando uma liberdade gradativa e, consequentemente, vai tornando o olhar mais puro e mais penetrante na natureza mesma das coisas, ao ponto de o sujeito compreendê-las facilmente e fazer os seus serviços “na razão e justiça de fazê-los, e não segundo os gostos que deles resultam”.
Se não se busca o prazer, naturalmente também se aquieta a esperança, cuja razão de ser é esperar, naquilo que encontra, obter o gozo. Se não se foge da dor, então, igualmente, o medo desaparece. Sem estas lentes falsas, o mundo brilha em todo o seu frescor e cor naturais, na sua simplicidade e a inteligência lhe capta a verdade.
Ah.. é tão saboroso viver dessa forma. Se os homens o soubessem, venceriam o amor próprio, se o pudessem, com um golpe só a fim de abater tão chato inimigo.
É como dizia o monge Thomas Merton: “o amor próprio é o inferno”. Porém, uma vez que lhe arrancamos da alma, e pra isto vai um longo processo, a vida se torna um prelúdio do Céu.
Lembremos ainda que a união com Deus se dá também pela verdade. Segue disto que, lendo a verdade das coisas, a alma se une à própria Verdade que é Cristo.
Agora, relendo o que escrevi acima, notei que ficaram algumas coisas por dizer...
As abordarei depois.
Fábio.
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