terça-feira, 14 de julho de 2015

O desejo do céu é subjacente a todas as experiências da vida


O que vou dizer agora é apenas uma opinião pessoal, sem o menor resquício de autoridade, e submeto-a ao juízo de cristãos e de estudiosos melhores que eu. Momentos houve em que achei que não queríamos o céu, porém, com mais frequência pego-me pensando se, bem lá no fundo do coração, alguma vez desejamos algo mais. Você pode ter notado que os livros que realmente ama estão ligados por um fio secreto. Você sabe muito bem qual a qualidade comum que o faz amá-los, embora não possa traduzi-la em palavras, mas a maioria de seus amigos não a percebe absolutamente e por vezes indagam por que, gostando disso, você deveria também gostar daquilo. Você com certeza já esteve diante de uma paisagem que parecia incorporar algo que você procurou por toda a vida e então voltou-se para o amigo ao seu lado, que parecia estar vendo o mesmo que você via, mas, às primeiras palavras, um abismo se abriu entre os dois, e você percebe que aquela paisagem significava algo totalmente diferente para ele, que estava em busca apenas de uma vista exótica, pouco lhe importando a sugestão inefável pela qual você foi arrebatado. Até mesmo em seus passatempos, será que não houve sempre alguma atração secreta - que outros curiosamente ignoram e com que não se identificam -, porém sempre prestes a se insinuar: o cheiro de madeira cortada na oficina ou o som da água batendo contra o casco do barco? 

Será que as amizades que duram a vida toda não nascem no momento em que você finalmente encontra outro ser humano que tenha alguma noção (embora tênue e incerta, mesmo no melhor dos casos) daquilo que você nasceu desejando e que, sob o fluxo de outros desejos e em todos os silêncios momentâneos entre as paixões mais estrondosas, noite e dia, ano após ano, da infância até a velhice, você procura, espera e ouve? Você nunca teve isso. Todas as coisas que sempre lhe dominaram profundamente a alma não foram senão indícios disso - vislumbres sedutores, promessas nunca de todo cumpridas, ecos que morreram tão logo lhe alcançaram os ouvidos. Se isso, contudo, realmente se tornasse manifesto; se alguma vez viesse um eco que não morresse, mas tomasse corpo no próprio som, você o saberia. Além de toda possibilidade de dúvida, você diria: "Eis enfim aquilo para o que fui feito". Não podemos falar sobre isso aos outros. É a assinatura secreta de cada alma, o anseio incomunicável e insaciável, a coisa que almejamos antes de encontrar nossa mulher, de conhecer nossos amigos ou de escolher nosso trabalho, que iremos ainda desejar em nosso leito de morte, quando a mente não reconhecer mais nem esposa, nem amigo, nem trabalho. Enquanto existirmos, estará lá. Se perdemos isso, perdemos tudo.

(...) Em toda a sua vida, um êxtase inatingível tem pairado um pouco além do alcance de sua consciência. Perto está o dia em que você despertará para descobrir, além de toda a esperança, que você havia atingido o céu ou então que ele estava ao seu alcance, e você o perdeu para sempre.

C. S. Lewis, O problema do sofrimento. Cap. 10: O céu.