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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Seja muito bem vinda, Primavera


"Oh, esta é a voz do meu Amado! Ei-lo que aí vem, saltando sobre os montes, pulando sobre as colunas. Meu bem-Amado disse-me: "Levanta-te, minha amiga; vem, formosa minha. Eis que o inverno passou, cessaram e desapareceram as chuvas. Apareceram as flores na nossa terra, voltou o tempo das canções. Em nossas terras já se ouve a voz da rola. A figueira já começa a dar os seus figos, e a vinha em flor exala o seu perfume. Levanta-te, minha amada, formosa minha, e vem." (Ct 2,8;10-13)

Que se faça primavera também na minha alma. 

sábado, 20 de agosto de 2011

5º Mistério Gozoso - A perda e o encontro do menino Jesus no Templo


Estamos uns doze anos depois do nascimento de Jesus. Ele e seus pais, como autênticos judeus, costumavam ir anualmente visitar o Templo de Jerusalém. Era sempre uma alegria essa viagem. Iam em caravanas e é neste contexto que devemos entender, primariamente, as palavras do Salmista: "Que alegria quando ouvi que me disseram: vamos à casa do Senhor; e agora, nossos pés já se detêm, Jerusalém, em tuas portas."

E lá ia Jesus, com seus pais. Chegados no templo, Lucas não fala dos pormenores. Mas, segundo alguns, era comum que as crianças de várias famílias ficassem juntas, de modo que os pais não se preocupavam, supondo que eles estavam com conhecidos. Quando Jesus chega ao Templo, não podemos sondar o que seu passou na sua alma. Erra, porém, quem pensa que Ele rejeitou o templo. De modo algum. Lembremos que, anos depois, o mesmo Jesus se levantará energicamente contra o comércio no interior do templo e sua desvirtuação do culto. Depois de ter derrubado bancas e lançado seu chicote contra os cambistas, os Apóstolos O olharão e lembrarão da Escritura: "O zelo por tua casa me consome". Jesus amava o templo.

Pois bem. Não temos como dizer, como já o adiantamos, os pormenores dessa visita. O que o Evangelista Lucas nos relata de modo mais claro é o que se deu quando esses judeus voltavam, já, às suas casas. José e Maria iam juntos e Jesus estava ausente. A suposição, como dissemos, é que Ele estivesse em alguma outra caravana. No entanto, ao final de três dias, perceberam que algo não estava certo. Depois de perguntar a todos os seus conhecidos e constatar que Jesus não estava entre eles, a aflição tomou conta do coração de Maria e de José. Decidiram voltar imediatamente ao templo de Jerusalém, com a esperança de encontrá-Lo lá.

Aqui a Virgem Santíssima nos dá uma grande lição. Sabemos, pela teologia, que perdemos a amizade com Nosso Senhor toda vez que caímos em pecado mortal. É então que se dá algo similar a essa perda de Jesus. Maria nos ensina o que fazer: procurá-Lo imediatamente, pois tudo é nada sem Ele. Para encontrá-Lo não se devem medir os esforços. Lembremos de Maria Madalena que, vendo como o corpo de Jesus não estava na tumba no terceiro dia após a Sua morte, pergunta aflita: "Onde O puseram? Digam-me e eu irei buscá-Lo". 

Também a esposa dos Cantares dirá coisa similar: 

"Durante as noites, no meu leito, busquei Aquele que meu coração ama; procurei-O, sem encontrá-Lo. Vou levantar-me e percorrer as ruas e as praças, em busca d'Aquele que meu coração ama; procurei-O sem encontrá-lO. Os guardas encontraram-me quando faziam sua ronda na cidade. "Viste acaso Aquele que meu coração ama?" Mal passara por eles, encontrei Aquele que meu coração ama. Segurei-O e não O largarei."

S. João da Cruz, numa poesia baseada neste livro dos Cânticos, põe a esposa a falar com os transeuntes nestes termos: "Se vires o meu Amado, dizei-lhe que adoeço, peno e morro"

Não podemos descrever a dor de Nossa Senhora ao supor ter perdido Jesus. Assim como Madalena se propunha a ir buscar o corpo do Senhor sem atentar à sua própria fraqueza física, também em Maria sumira-lhe o cansaço e todo o seu ser se voltava a um único objetivo: encontrar Jesus.

Esta deveria ser a nossa atitude toda vez que O perdemos pelo pecado mortal. Notemos que Maria volta imediatamente ao templo. Também nós, uma vez perdida a Graça, devemos retomá-la no templo, na Igreja, pelo Sacramento da Confissão. A esposa dos Cantares, vendo-se sem o Amado, O busca no leito, sem encontrá-lO. Isto pode referir-se a nós quando, hesitando em ir à confissão, tentamos retomar, por nós mesmos, isto que está muito além de nossas forças. Não O encontraremos desse modo. Ao ler este trecho dos cantares, associei os guardas aos sacerdotes da Igreja, que são os guardas dos Sacramentos e da doutrina. Diz a esposa que, tão logo passou por eles, encontrou o Amado. Assim é quando, arrependidos e com a disposição de não mais pecar, acorremos ao sacerdote. Reencontramos o Cristo.

Aqui, porém, Maria continua a sua angústia. Chegando ao templo, procuram apressadamente e, de repente, um nuance familiar lhe acelera o coração: era Jesus. Que alívio! Depois de tê-lO encontrado, Maria, por fim, se dá conta do que está a acontecer: Jesus está no meio de doutores da lei, homens extremamente inteligentes e conhecedores das Escrituras, e, coisa admirável, Jesus os deixa boquiabertos por Sua inteligência, não obstante tivesse apenas 12 anos. Naturalmente, Maria se surpreende... Depois, indo a Jesus, lhe faz uma censura: "Por que fizeste isto conosco?" ao que Jesus responde: "Por que vos preocupáveis? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas de meu Pai?". 

De novo, há muito o que meditar aqui. Maria, a Mãe de Jesus, estava preocupada com o sumiço do seu Filho. E era um motivo bastante compreensível e justo. No entanto, Jesus mostra a Sua Mãe que, para além das convenções e cuidados humanos, Deus merece a absoluta primazia. Ele mesmo dirá, anos depois: "Não penseis que vim trazer a paz; vim trazer a espada: por minha causa, mãe se porá contra filho e irmão contra irmão". E isto porque, aquele que adere ao projeto de Nosso Senhor, naturalmente adentra num ambiente de largos horizontes e de valores muito diferentes dos de cá de baixo. Lembremos ainda o que Jesus diz: "Vós sois daqui. Eu sou de cima". Se tornar cristão é assumir esta descendência do alto; é descobrir-se exilado e reconhecer que os valores de cima é que são os verdadeiros. Isto, claro, causa uma grande incompreensão dos demais. É, talvez, fácil ver alguma arrogância ou irresponsabilidade em Jesus, neste episódio e em outros. Mas isto se dá porque O julgamos com critérios muito terrenos. Dirá Ele, no Antigo Testamento: "Meus pensamentos estão tão acima dos vossos pensamentos, como o céu dista da terra". Aderir a Jesus, portanto, expõe o cristão a uma série de coisas: o torna solitário, separando-o; e lhe atrai as reprimendas e as críticas dos que não o compreendem. Isto sempre foi assim. Lembremos do profeta que se lamentava: "Seduziste-me, Senhor, e eu me deixei seduzir; por Tua causa e por Teu nome estão todos contra mim"

Depois, há uma interessantíssima associação de idéias. Jesus fala que deve ocupar-se das coisas de Seu Pai imediatamente depois de ter demonstrado uma inteligência singular. Dedicar-se às coisas de Deus surge, no contexto cristão, como a verdadeira sabedoria. Esta constatação estará em S. Paulo, uma vez que ridicularizará a sabedoria deste mundo, chamando-a de estultícia. Ser sábio é, para este Apóstolo, aderir à "loucura da Cruz". Ser verdadeiramente sábio é abrir-se à transcendência de Deus e fazer d'Ele a prioridade da própria vida. É, nas palavras de Jesus, "ocupar-se das Suas coisas", ainda quando estas contrastam com outras coisas, mesmo que legítimas. É que nada é bom sem Ele. "Só Deus é bom", dirá Jesus. Sem Ele, portanto, nada é bom. 

Maria parecia não ter compreendido profundamente o que Jesus havia dito ali. No entanto, Lucas a descreve como "Aquela que guardava tudo no seu coração", e o coração é justamente, na linguagem bíblica, a sede da sabedoria no homem. 

Em seguida, Lucas conclui que Jesus permanecia obediente aos seus pais, e crescia em sabedoria, tamanho e em graça.

Por este mistério, e pela intercessão da Virgem Maria, peçamos a graça de ter a Nosso Senhor como centro absoluto da nossa vida, de sofrer quando d'Ele estamos distantes e de desejar, sobretudo, a Sua intimidade.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Que farsa é tudo o que há no mundo...


Oh! irmãs minhas, que não é nada o que deixamos, nem nada o que fazemos, nem quanto pudermos fazer por um Deus que assim se comunica a um vermezinho! E, se temos esperança de ainda nesta vida gozar deste bem, que fazemos e em que nos detemos? Que coisa é bastante para que deixemos um só momento de buscar a este Senhor, como o fazia a Esposa, por bairros e praças? Oh! e que farsa é tudo o que há no mundo, se não nos leva e ajuda a isto, ainda mesmo que durassem para sempre os seus deleites, riquezas e gozos, todos quantos se puderemo imaginar, que tudo é asco e lixo, comparado a estes tesouros que se hão-de gozar sem fim! Mesmo estes são nada em comparação de ter por nosso o Senhor de todos os tesouros do Céu e da terra.

Oh cegueira humana! Até quando, até quando estaremos até que nos caia esta terra de nossos olhos? Pois, embora entre nós não parece ser tanta que nos cegue de todo, vejo uns argueirinhos, umas manchazinhas que, se os deixamos crescer, bastarão para nos fazer grande dano; senão que, por amor de Deus, irmãs, aproveitemo-nos destas faltas para conhecer a nossa miséria e elas nos dêem melhor vista, como a deu o lodo ao cego a quem sarou o nosso Esposo. E assim, vendo-nos tão imperfeitas, cresça mais em nós o suplicar-Lhe que tire bens das nossas misérias, para em tudo contentarmos a Sua Majestade.

Sta Teresa D'Avila, Castelo Interior.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Comentando uma passagem dos Cânticos - Parte 1


"Quem é esta que sobe do deserto apoiada em seu bem-amado? - Sob a macieira eu te despertei, onde em dores te deu à luz tua mãe, onde em dores te pôs no mundo tua mãe."(Ct 8,5)

O Cântico dos cânticos é um livro belíssimo e que a unanimidade dos santos afirmava poder expressar, de modo muito particular, as relações amorosas entre a alma e Deus. Em seu sentido literal, não passa de um poema em que uma donzela, levada à corte de Salomão, mantém-se fiel ao seu bem amado. Mas, se ascendermos, como diz Ricardo de S. Vitor, ao seu sentido místico, poucas coisas há que sejam tão belas.

O Pe. Ronald Knox muito acertadamente afirma que vários santos dariam de bom grado todos os demais livros do Antigo Testamento em troca deste. Sto Tomás de Aquino, ao ser acolhido no mosteiro trapista, antes da sua morte, recompensou os monges comentando passagens deste livro. S. João da Cruz, na ocasião da sua morte, pediu que lhe fossem lidas passagens do livro, às quais respondia emocionado: "que pérolas...".

Forçoso é, então, dizer que há qualquer coisa de muito belo e, ao mesmo tempo, bem oculto nestas linhas. E neste contexto, corremos o risco de tão somente balbuciar ao arriscar escrever algo a respeito. Neste post, porém, quero tratar um pouco desta passagem que destaquei acima e que me chamou a atenção numa vigília que fizemos recentemente.

Pergunta o autor sagrado: "Quem é esta que sobe do deserto apoiada em seu bem amado?"

Os que estejam minimamente familiarizados com a literatura mística, haverão de perceber o significado de dois símbolos expressos nesta passagem.

Primeiramente, o deserto. De fato, o deserto é um lugar difícil, onde não há provisões em excesso e onde a nossa sede tem de ser mortificada. É onde a nossa indigência se acentua e percebemos a nossa pequenez. Mas é justamente aí, no deserto, que a alma se encontra com Deus. Lembremo-nos de toda a saída do povo de Israel do Egito e que teve, como caminho, o deserto. Lá passaram eles longos quarenta anos. Tempos  difíceis, mas tempo de particular proximidade divina e de manifesto cuidado de Deus pelos seus. Isto nos mostra algo muito interessante: a indigência faz com que saiamos de nós mesmos, com que rompamos a antiga lógica do pecado original que é apenas olhar para o nosso próprio umbigo. É uma libertação, um êxodo, embora seja um tanto dolorido. Esta dor nos desperta para o que mais importa, e faz-nos pôr a nossa atenção em Outro, que é Deus. E o deserto é um lugar privilegiado para isto. Deus já o tinha dito numa passagem do livro de Oséias que muito aprecio: "A levarei ao deserto e lá lhe falarei ao coração".

O fato de terem sido quarenta anos também não é dado sem importância. Também Jesus passou quarenta dias no deserto e, detalhe: foi conduzido para lá pelo Espírito Santo. O número quarenta, então, aparece como um período de transição e pode, muito bem, expressar o tempo que passamos aqui nesta terra. Também Elias, tendo comido o Pão Misterioso que bem sabemos o que representa, dispôs-se para caminhar quarenta dias.

Outra coisa, o deserto torna-se também símbolo do exílio, que é esta terra que vivemos. Porém, é como um rumar ou um pôr-se a caminho. É como um sair da escravidão e estar indo à Terra Prometida. Este dinamismo é bem expresso pela ordem que Deus dá para "cingir os rins" e "comer apressadamente". E é belíssima esta alegoria da viagem, porque aqui fica bem expresso o desapego do lugar onde se estava, conforme dito a Abraão: "sai da tua terra...", a esperança de encontrar o lugar para onde se vai e a fé firme, em Deus, que é o que fundamenta aquela esperança. Neste sentido, a passagem acima diz: "esta que sobe do deserto". Subir indica um desapegar-se do que está abaixo ou do que é rasteiro, em busca de algo mais puro. Se nada sacia ao homem debaixo do sol, como o expressa o escritor do Eclesiastes, é preciso ir acima do sol e, para lá chegar, é necessário ter o coração ao alto, isto é, a vontade, o que não se faz senão desapegando-a do que é rasteiro. Como a vontade segue sempre a inteligência, é necessário que antes esta seja posta em contemplação das realidades eternas, afim de que a vontade se inflame por elas.

É neste sentido que se diz que a alma "sobe do deserto".

Esta subida, porém, torna-se impossível se a alma não se apoia em Deus. Isto disse Sta Teresa D'Avila, afirmando que também um sapo não pode voar por si mesmo. S. João da Cruz expressa esta verdade na sua "Oração da alma enamorada" onde escreve: "Como a Ti, Senhor, se elevará o homem que criaste se Tu não o levantares?" Por fim, o próprio Senhor o afirma: "Sem mim, nada podeis fazer..."

É com vistas a esta necessidade absoluta que o livro dos cânticos afirma: "sobe do deserto apoiada em seu bem amado". É bem amado porque a inteligência já se deteve n'Ele e a vontade já se Lhe aderiu em vivo amor. Este amor faz a alma ter como que asas, pelas quais poderá se erguer, apoiada nAquele que ama.

Em seguida, diz o escritor:
"Sob a macieira eu te despertei"...
Continua...