quarta-feira, 18 de julho de 2012

O que a mística não é...


Se, hoje em dia, em pleno século XXI, era da ciência e herdeira dos ideais iluministas, alguém ainda assim quiser ser um espiritual, como é que faz? É só querer? É nada... Queira o quanto possa, a coisa não vai só assim.. "Ah, mas eu escuto o Pe. Fábio de Melo e leio os livros do Augusto Cury.. não é suficiente?" Quê?! É mais fácil se tornar um espiritual assistindo anime japonês do que por aí...

Interessante que, hoje em dia, esse é o tipo de afirmação que causa revolta nalguns pretensos elevados. Esse é o tempo em que nada pode ser dito com clareza; tudo tem de fazer parte de uma sopa de ingredientes indefinidos.. é suficiente que cheire bem. A sensibilidade foi elevada ao critério de verdade. No mundo moderno, há um grande repúdio pela clareza. Uma coisa clara é uma coisa definida, isto é, é algo que é de um modo e não é de outro. Portanto, não convém fazer afirmações claras, porque isto fere susceptibilidades alheias. Ser bom, hoje, é respeitar todas as idéias, correntes, ideologias, etc, etc. Quem pensa assim, vive numa espécie de contínua ebriedade; ela não tem noção clara de nada; apenas tem idéias nubladas, fragmentadas e erige sempre como critério a própria simpatia. Foi simpático a uma idéia? A idéia é boa. A idéia não agradou? É ruim. São incapazes de fazer a pergunta: mas porque tal coisa me causa simpatia ou antipatia? E o bêbado vai caminhando, escutando Pe. Fábio de Melo e lendo Augusto Cury, projetando um deus da sua simpatia, dormindo no conforto das próprias suposições e vendo com maus olhos qualquer um que ouse definir bem as coisas, separando a luz das trevas. 

Nós vivemos num tempo humanista. Os maiores valores são aqueles que promovem o bem estar. Estar em paz com Deus virou sinônimo de estar tranquilo e agradável. Misteriosamente, se crê que Deus obedece real e servilmente os movimentos inconstantes da alma. Oh que sacro e inconcusso vínculo este da alma com Deus que a permite reconhecer imediatamente em si a atual disposição divina para consigo.. E como o sabe? O sabe pela sensibilidade.. está a se sentir bem, foi à Missa e se sentiu tocada... que maior garantia de que Deus a observa do alto com um sorriso largo no rosto e quase que se segura para não dizer-lhe: "eis o meu filho bem amado..."?

Religião serve para quê? "Ora, é para promover o bem estar!", dizem.. C.S. Lewis diz que uma garrafa de cachaça cumpriria melhor esse papel. Não à toa ela tem se convertido num novo ídolo. Mas, se é o bem estar o valor supremo, então vamos fazer uma religião à nossa imagem e semelhança, à altura do homem; importa que seja criação nossa, um novo bezerro de ouro, e o chamaremos de Deus, ou de Jesus, ou do que quer que seja. Apenas não aceitaremos que alguém de fora nos ensine; não aceitaremos aprender; não aceitaremos que as coisas já sejam de antemão... Não aceitaremos que alguma pretensa deidade venha nos dizer "Eu sou", porque, na verdade, "nós é que somos". Partimos do pressuposto de que, desde sempre, nós conhecemos a natureza deste negócio e ele é assim como dizemos que é. Se alguém não se sente bem, a gente adapta.. Toca aquela música lá.. põe essa ênfase aqui.. diz aquela frasesinha tola e clichê que provoca arrepios.. diz que ele vai ser acolhido no céu de todo jeito... Penitência? Mortificação? Ora, deixemos de medievalidades.. Naqueles tempos obscuros, o povo aceitava uma religião pretensamente ensinada pelo próprio Deus. Hoje, em pleno século XXI, a gente sabe que não é bem assim. Tudo é simbólico e, em última instância, somos nós que interpretamos os símbolos. 

Já não se observa mais que a verdade existe e é objetiva. Não se observa mais que o bem existe e é objetivo. Tudo pode ser distorcido, puxado de um lado, estendido de outro, segundo a divindade do nosso próprio conforto. Um Deus numa cruz? Que coisa medonha! Tira daí.. Põe a cruz vazia, ou então, põe Ele sem a cruz... Cruz pra quê? Importa que a gente se ame...

E o amor fica raso... e ninguém sabe exatamente o que é o amor.. E as pessoas acreditam que amar é dissimular, ter respeitos humanos, onde a regra suprema é não incomodar o outro. Tornam-se cúmplices silenciosos de crimes e pecados mútuos, e se sorriem, e se vão empurrando e crendo que, pelo fato de não haver atrito, estão a atingir o sumo grau da caridade.

Ai, Deus.. Quem ensinou o homem a ser tão tolo? Nada disso é mística. Nada disso é caridade. Nada disso é espiritualidade. Nada disso é cristianismo... Não vai nem perto. Não avista nem de longe.

Em qualquer lugar em que, na terra, houver alguém confortável, pode-se acreditar que o cristianismo ali não foi aceito. Como dizia Gustavo Corção, "é terrível a seriedade do cristianismo". 

O humanismo é tolo, é fragmentário, é falso, é satânico: "sereis como deuses". O homem só encontra a sua dignidade quando se abre à severa objetividade daquele Outro. Enquanto não O aceita tal qual é, prosseguirá na sua brincadeira medíocre de se auto-projetar, só mais um jeito confortável de acreditar ser, ele mesmo, seu próprio deus. A serpente do Éden é a verdadeira rainha deste mundo... e um dos seus maiores divertimentos é compor discursos pseudo-católicos. Mas como dizia Nosso Senhor: "quem tiver olhos, que veja!", pois eu não vos fiz cegos. 

Nenhum comentário: