Eis uma relação que alguns possam achar curiosa. Do pobre, se diz, em geral, que carece de algo, enquanto do rico, porém, se lhe reconhece como traço típico a posse. No entanto, quando tratamos da Verdade, que é Cristo, há uma abertura no pobre para a sua recepção, enquanto que o rico ou soberbo vê-se desprovido de conhecê-la.
Obviamente que trato aqui de pobreza e riqueza, não como situações sociais e econômicas, mas antes, como se fazem presentes no contexto evangélico. Nosso Senhor, nas bem aventuranças, diz algo esclarecedor: “bem aventurados os pobres, porque verão a Deus”. Ser pobre é, pois, colocar-se em posição de contemplação. Mais tarde Jesus vai ainda dizer: “Pai, dou-te graças porque revelaste estas coisas aos pequenos e as escondeste dos soberbos”. Observemos melhor este paradoxo.
O pobre não se caracteriza simplesmente por nada ter; é, antes, aquele que não se apega ao que tem e, por isso, dá tudo. Nosso Senhor, embora seja Rei e Senhor, não apenas foi, mas é verdadeiramente pobre.
Depois, o homem pobre sabe-se pobre e disto nasce-lhe uma atitude de abertura a um Outro, de quem possa receber algo. Esta consideração da própria pobreza é uma apreciação verdadeira de si mesmo. Daí Sta Teresa D'Ávila dizer que a humildade é a verdade, o que nunca é demais repetir. O pobre é ainda aquele que ama a pobreza, pois é graças a ela que o Outro pode vir dar-lhe o que lhe falta. Esta espera implica uma constante abertura ao que vem do Outro, o que resulta também que o pobre nunca se busca a si mesmo.
A pobreza ordena, pois, o homem, o submetendo ao seu fim último que é Deus. Ao não se buscar a si mesmo, o homem passa a apreciar as coisas com objetividade. Compreende que Deus está sobre tudo...
O soberbo, porém, nada sabe, embora ache saber tudo. Sendo miserável, vê-se rico. As falsas luzes projetadas sobre si mesmo cegam-no. Disto nasce uma falsa ternura pelo próprio corpo e pelas próprias preferências, o que faz com que sua apreciação dos eventos e dos seres seja sempre afetada. O homem soberbo não espera de um Outro; busca-se somente a si mesmo e isto lhe fecha diante de Deus. Torna-se impermeável à graça. Nele não há a gratuidade nem a leveza do pobre. É um embotado, um sujeito grosseiro, a quem escapam as minuciosidades da vida. É o homem sensual, distraído com as próprias futilidades, enlameado na lavagem que devora. Pensando-se super, a ele bem se aplica a pergunta de Deus feita ao homem nos diálogos de Sta Catarina de Sena: “Oh homem, foste criado como irmão dos anjos e te tornaste vil animal; onde está a tua dignidade?”
Deus resiste aos soberbos, mas dá-se aos humildes. Os soberbos serão humilhados, pois será revelada a sua indigência; já os pobres, que mantêm os olhos constantemente elevados à grandeza do firmamento, ser-lhes-á concedido o que esperam, e serão exaltados.
Enquanto diz o pobre: “Mais que a terra seca anseia pela chuva, a minh'alma suspira por Ti”, o Céu responde: “Deleita-te, então, pois quem busca encontra...”
Grande coisa é a pobreza; virtude de reis e senhores. Já dizia Sta Teresa que ser pobre é assenhorar-se, e isto nem sequer significa uma promessa de recompensa vindoura pelo fazer-se pequeno, mas antes, mostra que as coisas, diante de um pobre, obedecem-lhe e se revelam a ele tais quais são. E aqui está a última característica que quero tratar, por ora, a este respeito:
A verdade não é algo que se busque friamente, como um pesquisador que se debruça sobre um objeto inerte. Há nela algo de revelado; ela responde à atitude de quem a busca; sonda o coração, e dá-se ao que a ama verdadeirmente. O soberbo, ainda que saiba repetir conceitos e fórmulas, não lhe penetra a substância, não prova o vinho contido no cerne da Verdade; não a compreende, embora afirme que a possui. O amor, a verdade, a luz infinita não lhe encantam e não passam de um conceito distante e obscuro aos seus olhos. Ao pobre, porém, é dado beber na adega, na solidão com Aquele que se dá, cujo amor é mais saboroso que o vinho e a Verdade mais resplandescente que o Sol.
Só para ilustrar tudo isto que digo, cito o exemplo de S. Bento José Labré. Um dos santos mais pobres da Igreja de Cristo. Dele se diz que possuía o conhecimento infuso das Sagradas Escrituras. Não obstante, se interessava pelas mais modestas aulas de catecismo ministradas às crianças. Assistia atento e, suponho, encantava-se com aquilo que, aos olhos soberbos, seriam apenas alguns conceitos ingênuos... Para ele, porém, aquelas simples palavras eram espírito e vida; muito provavelmente, o seu coração ardia com o mesmo fogo prometido pelo Esposo: “eu vim trazer fogo à terra”.
Na consumação da pobreza, a plenitude da Verdade: “naquele dia não me perguntareis mais coisa alguma”.
Bendita seja para sempre a Santa Pobreza, esposa de Cristo, porta pela qual nos chega, livremente, a luz da eternidade e da contemplação do Verbo.
Fábio.