Desde uma perspectiva metafísica, e de acordo com uma tradição multissecular que vai desde Aristóteles até Ortega, amar é "corroborar a pessoa querida no seu ser": confirmá-la na existência, voltarmo-nos por completo sobre ela para apoiá-la, dizer-lhe um sim com alcance ontológico. Josef Pieper afirma o mesmo pondo na boca do enamorado expressões como as seguintes: "É maravilhoso que existas! Eu quero, com todas as forças da minha alma, que tu existas; que maravilhoso que tenhas sido criado!". Ortega, por sua parte, chega a sustentar que não só desejamos que o amado exista, senão que seu ser se torna imprescindível para a integridade de nosso mundo: "amar uma pessoa é estar empenhado em que exista, não admitir, naquilo que depende de si, a possibilidade de um universo onde a pessoa amada está ausente."
Reconhecemos, então, que uma realidade como o amor, tão acriticamente qualificada de "pouco metafísica", aceita uma radical penetração cognoscitiva em termos estritos de ser. Mais ainda, seguindo esta linha, nossa visão e nossa vivência do amor serão tanto mais profundas e ricas quanto mais cheia de sentido e compreensão se encontre nossa concepção do ser.
Por exemplo, se conforme ao que estudaremos, consideramos que o ser é ato no sentido mais radical, que é "ativo por si mesmo", que tende à expansão perfectiva, à plenitude, pergunto: que acontece com a corroboração no ser, com esse inicial dizer "sim" a quem amamos? E respondo: dará logo início a outro momento ou dimensão do amor: desejar a perfeição da pessoa querida.
Amar não será, então, confirmar estaticamente o ser de quem se ama, senão desejar e procurar o apogeu de perfeição do sujeito querido: aspirar a que seja uma pessoa cabal, completa, e pôr todos os meios a nosso alcance para que atinja tal objetivo. Em virtude da mesma índole constitutiva do ato de ser, resulta impossível uma verdadeira corroboração no ser que não faça florescer e dê coragem a um processo dinâmico de aperfeiçoamento da realidade amada: não se confirma efetivamente alguém no seu ser se não se procura, de maneira veemente, a plenitude final que esse ato, pela mesma condição ativa que o configura, exige.
Mas, além disso, o caráter dinâmico da confirmação inicial do ser desemboca no momento conclusivo de qualquer carinho autêntico e genuíno: a entrega. Quem ama de verdade não se limita a reafirmar a existência da pessoa querida, ou até mesmo desejar-lhe sinceramente seu aperfeiçoamento último, senão que torna esse desejo operativo, pondo-se sem reservas a serviço do amado, mediante a entrega do que nele há de mais valioso: o próprio ser pessoal. Tudo, pois, teoria e praxes, gira em torno a uma concepção do ser mais completa.
Porque, com efeito, muitos dos caracteres constitutivos do amor genuíno podem inferir-se da natureza do ser que configura o sujeito humano. Por exemplo, dado que o ser é ato total da realidade que anima, o ato de todos os atos e a perfeição de todas as perfeições, dirá Tomás de Aquino, não se pode amar uma pessoa sem confirmá-la em seu ser completo, sem aceitá-la integralmente, tal como ela é... uma vez que se quer toda a pessoa do amado, dela nada se despreza... ainda que se busque, simultaneamente, da maneira mais amável possível, através do próprio carinho e da própria entrega, o crescimento perfectivo, o cume de perfeição na pessoa que se ama.
Além disso, e este é o último ponto a que faço alusão nesta panorâmica esquemática, a proporção exigida entre causa e efeito torna imprescindível que a confirmação no ser de quem amamos se realize a partir do nosso próprio ser, ou seja, que se coloquem em jogo, junto a um decisivo ato da vontade que quer o bem para o amado, as fibras mais fundas e íntimas e aparentemente mais superficiais da própria e completa personalidade. Amar é, forçosamente, corroborar de forma absoluta e incondicionada: no ser, íntegro, completo, e desde o ser, também em sua totalidade.
Tomás Melendo. Metafísica da realidade. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência "Raimundo Lúlio" (Ramon Llull), 2002. p. 41-42.