"A fim de evitar que nos viesse acontecer o que ocorre com a multidão das pessoas inexperientes, ele não nos introduzia em um único sistema filosófico, nem nos deixava deter-nos nele, mas nos guiava através de todos, não permitindo que ignorássemos qualquer doutrina dos gregos. Ele próprio nos orientava nesta busca, à semelhança de um hábil artista que, por um experiente uso da filosofia, conhecesse tudo, discernindo o que era bom e útil em cada sistema para chamar nossa atenção precisamente para esse aspecto, não deixando de afastar os erros. E nos aconselhava a evitarmos o apego a qualquer filósofo, mesmo que tivesse sido declarado por todos os homens como perfeitamente sábio, para aderirmos somente a Deus e a seus profetas.
Assim, nós também, se nos ocorrer, às vezes, de encontrar algo de verdadeiro entre os pagãos, evitemos de menosprezar, imediatamente, o autor e seu pensamento. Além disso, o fato de termos uma lei que nos foi dada por Deus, não nos dá o direito de sermos orgulhosos e menosprezarmos as palavras dos sábios; pelo contrário, como afirma o apóstolo, devemos experimentar e reter o que é bom.
Ele explicava e iluminava o que era obscuro na Escritura, como um ouvinte de Deus hábil e muito perspicaz, ou então expunha o que, em si, era claro, ou que o era, pelo menos, para ele; aliás, neta época, foi o único homem que conheci ou de quem ouvi falar que, pela meditação das puras e luminosas palavras, fosse capaz de penetrá-las e ensiná-las. De fato, o Espírito que inspira os profetas e todo discurso místico e divino, ao honrá-lo como um amigo, o havia estabelecido como seu intérprete [...]. Com efeito, é necessária a mesma graça, tanto para compreender a profecia, quanto para enunciá-la.
(...)
Nada era proibido, nem ocultado, nem inacessível. Podíamos aprender qualquer doutrina, bárbara ou grega, mística ou moral, examinar em profusão todas as idéias, empanturrar-nos com todos os bens da alma. Qualquer pensamento antigo que fosse verdadeiro, acabava por nos pertencer, por nossa própria vontade, com a possibilidade maravilhosa das mais belas contemplações; para nós, era verdadeiramente uma imagem do paraíso.
Jean-Yves Leloup, Introdução aos verdadeiros filósofos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. p.43-45.