domingo, 31 de maio de 2015

Gregório Taumaturgo acerca do ensino de Orígenes


"A fim de evitar que nos viesse acontecer o que ocorre com a multidão das pessoas inexperientes, ele não nos introduzia em um único sistema filosófico, nem nos deixava deter-nos nele, mas nos guiava através de todos, não permitindo que ignorássemos qualquer doutrina dos gregos. Ele próprio nos orientava nesta busca, à semelhança de um hábil artista que, por um experiente uso da filosofia, conhecesse tudo, discernindo o que era bom e útil em cada sistema para chamar nossa atenção precisamente para esse aspecto, não deixando de afastar os erros. E nos aconselhava a evitarmos o apego a qualquer filósofo, mesmo que tivesse sido declarado por todos os homens como perfeitamente sábio, para aderirmos somente a Deus e a seus profetas.

Assim, nós também, se nos ocorrer, às vezes, de encontrar algo de verdadeiro entre os pagãos, evitemos de menosprezar, imediatamente, o autor e seu pensamento. Além disso, o fato de termos uma lei que nos foi dada por Deus, não nos dá o direito de sermos orgulhosos e menosprezarmos as palavras dos sábios; pelo contrário, como afirma o apóstolo, devemos experimentar e reter o que é bom.

Ele explicava e iluminava o que era obscuro na Escritura, como um ouvinte de Deus hábil e muito perspicaz, ou então expunha o que, em si, era claro, ou que o era, pelo menos, para ele; aliás, neta época, foi o único homem que conheci ou de quem ouvi falar que, pela meditação das puras e luminosas palavras, fosse capaz de penetrá-las e ensiná-las. De fato, o Espírito que inspira os profetas e todo discurso místico e divino, ao honrá-lo como um amigo, o havia estabelecido como seu intérprete [...]. Com efeito, é necessária a mesma graça, tanto para compreender a profecia, quanto para enunciá-la.

(...)
Nada era proibido, nem ocultado, nem inacessível. Podíamos aprender qualquer doutrina, bárbara ou grega, mística ou moral, examinar em profusão todas as idéias, empanturrar-nos com todos os bens da alma. Qualquer pensamento antigo que fosse verdadeiro, acabava por nos pertencer, por nossa própria vontade, com a possibilidade maravilhosa das mais belas contemplações; para nós, era verdadeiramente uma imagem do paraíso.

Jean-Yves Leloup, Introdução aos verdadeiros filósofos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004. p.43-45.

domingo, 17 de maio de 2015

Só quem ama compreende


Os seres humanos se sentem sós, abandonados em sua auto-afirmação, enquanto não encontrarem um eco, aceitação e confirmação de fora. A tendência de união encontrada em todo o universo, na vida humana apresenta-se em escala e graduação ascendentes, conforme os níveis de vida. No nível biológico, no "sexo", há apenas abraços, contato epidérmico, tentativa de penetração que, de maneira nenhuma, por mais repetidos que sejam, podem saciar o desejo de plena união. No nível emocional, na "paixão", no "Eros" atinge-se certo paralelismo, sintonização de vibrações psíquicas, projeção recíproca de emoções pessoais no parceiro. Um jogo a dois, mas que não é nem de longe verdadeira união. É no nível da vida consciente e livre, no nível pessoal, que se realiza verdadeira união.

O verdadeiro amor é amor-amizade. É união entre duas personalidades. É conhecimento, reconhecimento de um Eu para com outro Eu diferente, que se deve aceitar na realidade própria e inconfundível; mas não como lâmpada excitadora de sonhos e excitações; nem como manequim a vestir a esplêndida roupagem de nossa imaginação.

E significativo como a Escritura designa a união amorosa conjugal: "Adão conheceu sua mulher e ela o concebeu" (Gen 4,1). Não podemos conhecer uma pessoa como os demais objetos que nos rodeiam. A nossa inteligência é um receptáculo de capacidade elástica quase ilimitada: nele podemos receber o mundo todo, dando-lhe assim nova existência. Conhecer alguma coisa é dar-lhe existência reflexa dentro de nós. É uma espécie de nova criação. Quanto mais coisas conhecemos, mais se alargam os nossos horizontes, nosso mundo interior. A todos objetos podemos dar assim nova existência "subjetiva" dentro de nós. Menos a outras pessoas. Nenhuma pessoa é simples"objeto"; é sempre "sujeito", indivíduo: um mundo inteiro, fechado e inacessível a estudo "objetivo". Por mais que observemos e analisemos uma pessoa, não a "compreendemos", não a apreendemos completamente, transferindo-a para nosso mundo interior. A chave única que dá acesso ao "jardim fechado" do Eu diferente é o amor. Só quem ama, compreende.

Mas amar significa antes de tudo: sair do "jardim fechado" do próprio Eu. É abrir-se para encontrar porta aberta. Aí está a razão porque se ama tão pouco nesse mundo. Há uma dolorosa dissonância no homem. De um lado, aspira ardentemente à união que rompa o isolamento. Do outro, receia essa mesma união como ameaça à sua personalidade. Efeito ainda do pecado original. Tendo rompido o homem a união e harmonia com Deus, perdeu também a capacidade de estabelecer, com naturalidade e espontaneidade, relações mútuas, união harmoniosa. Sente-se por demais exposto, vulnerável, inseguro, ameaçado no seu valor pessoal. Mas amar é sempre abrir-se. E abrir-se é arriscar-se. O medo inibe. O egoísmo procura antes de tudo segurança. Mas, quando prevalece o instinto de segurança, nunca se chegará a amar. E sem amor não se encontra a plenitude da vida. A eterna desconfiança, o eterno medo tranca o homem dentro de si mesmo e fá-lo murchar, estiolar, atrofiar-se. Querendo salvar-se, tudo perde. Quem amar a sua vida (a sua segurança pessoal) acima de tudo, perdê-la-á; mas quem a perder (quem se ariscar, se abrir para o Tu), ganhá-la-á. Isso vale tanto para o amor humano, como para o divino. É preciso abrir a porta, senão a vida estancará no isolamento. A união é transfusão de novo sangue. Só nela se encontra sentido e felicidade. Nisso há evidentemente risco. Quem se abre, expõe-se ao perigo de ser invadido e explorado. Mas, antes a possibilidade de uma exploração, que a certeza de estiolamento.

Frei Valfredo Tepe OFM. O sentido da vida. Ascese cristã e psicologia dinâmica. 3ª ed. Bahia: Mensageiro da Fé, 1960. p. 230-231.