Se, de uma maneira geral, conveio-se reprovar à doutrina indiana menosprezar a ação, é sobretudo ao falar do taoísmo onde se sente a necessidade de falar mais expressamente ainda do "quietismo", e isso por causa do papel que joga ali o "não-atuar" (Wu-wei), cuja verdadeira significação os orientalistas não compreendem em modo algum, e que alguns dentre eles fazem sinônimo de "inatividade", de "passividade" e inclusive de "inércia". No entanto, há alguns que se deram conta de que há nisso um erro; mas, não compreendendo também no fundo do que se trata, e confundindo igualmente ação e atividade, negam-se então a traduzir wu-wei por "não-atuar", e substituem este termo por perífrases mais ou menos vadias e insignificantes, que diminuem o alcance da doutrina e não deixam perceber já nada de seu sentido profundo e especificamente inicial. Em realidade, a tradução por "não-atuar" é a única aceitável, mas, por causa da incompreensão ordinária, convém explicar como se deve entender: não só este "não-atuar" não é a inatividade, senão que, segundo o que indicamos precedentemente, é ao invés a suprema atividade, e isso porque está tão longe como é possível do domínio da ação exterior, e completamente liberado de todas as limitações que se lhe impõem a esta por sua própria natureza; se o "não-atuar" não estivesse, por definição mesma, além de todas as oposições, se poderia dizer pois que é em certo modo o extremo oposto da meta que o quietismo atribui ao desenvolvimento da espiritualidade.
Não há que dizer que o "não atuar", ou o que é seu equivalente na parte inicial das demais tradições, implica, para aquele que chegou a ele, um perfeito desapego a respeito da ação exterior, como pelo demais de todas as demais coisas contingentes, e isso porque um tal ser se situa no centro mesmo da "roda cósmica", enquanto essas coisas não pertencem mais do que a sua circunferência; se o quietismo professa por seu lado uma indiferença que parece recordar em alguns aspectos este desapego, é certamente por razões muito diferentes. Do mesmo modo que fenômenos similares podem dever-se a causas muito diversas, assim também maneiras de atuar (ou, em alguns casos, de abster-se de atuar) que são exteriormente as mesmas podem proceder das intenções mais diferentes; mas, naturalmente, para aqueles que ficam nas aparências, disso podem resultar muitas assimilações. Efetivamente, sob esta relação, há alguns fatos estranhos aos olhos dos profanos, que poderiam ser invocados por eles em apoio da aproximação errônea que querem estabelecer entre o quietismo e tradições de ordem inicial.
René Guénon, Contra o Quietismo.
Ao final do precedente capítulo, fazíamos alusão a algumas maneiras de atuar mais ou menos extraordinárias que podem proceder, segundo os casos, de algumas razões diferentes; é verdade que, de uma maneira geral, implicam sempre que a ação exterior se considera de maneira muito diferente a como o é pela maioria dos homens, e que, a essa ação, tomada em si mesma, não se lhe dá a importância que se lhe atribui comumente; mas a este respeito há que fazer muitas distinções. Devemos precisar primeiramente que o desapego da ação, de que falávamos a propósito do "não-atuar" é antes de mais nada uma perfeita indiferença no que diz respeito aos resultados que podem obter-se dela, já que esses resultados, quaisquer que sejam, não afetam já realmente ao ser que chegou ao centro da "roda cósmica". Ademais, é evidente que um tal ser jamais atuará por necessidade de atuar, e que, por outra parte, se deve atuar por um motivo qualquer, não sem plena consciência de que essa ação nada mais é do que uma simples aparência contingente, ilusória como tal para seu próprio ponto de vista (não dizemos, bem entendido, para o ponto e vista dos demais seres que são testemunhas dela), não a cumprirá forçadamente de uma maneira que difira exteriormente da dos demais homens, a menos que tenha para isso também motivos particulares em alguns casos determinados. Se compreenderá sem esforço que isso é algo totalmente diferente da atitude dos quietistas e de outros místicos mais ou menos "irregulares", que, pretendendo tratar a ação como algo desdenhável (enquanto, no entanto, estão muito longe de ter chegado no ponto desde onde a ação aparece como puramente ilusória), encontram nisso sobretudo um pretexto para fazer indistintamente não importa o que, seguindo os impulsos da parte instintiva ou "subconsciente" de seu ser, o que, evidentemente, corre o risco de ocasionar toda sorte de abusos, de bagunças ou de desvios, e o que, em todo caso, tem ao menos o grave perigo de deixar às possibilidades inferiores desenvolverem-se livremente e sem controle, em lugar de fazer para dominá-las um esforço que seria pelo demais incompatível com a extrema passividade que caracteriza os místicos deste gênero.
René Guénon, Loucura aparente e Sbedoria oculta