A fim de descobrir o que vai por trás de uma aparência,
há que se ter atenção e a atenção pressupõe quietude.
Um pecado, por exemplo, se desperta inquietude e
agitação, impede, no mesmo ato, a correta avaliação do que se fez e de por que
se o fez. Mas é comum que às vezes o incômodo gerado não proceda diretamente do
ato, mas do modo como a mente antecipa o julgamento de outros a respeito do
mesmo ato. Assim, ela sofre por vaidade, e, além disso, assume um incômodo
postiço, produto de uma conclusão conceitual – isto é, geral -, mas que se
distingue inteiramente do incômodo visceral e singular que uma experiência também
singular produz ou supostamente deveria produzir.
Assumir uma postura dolorida assim é assumir uma postura
falsa. E esta falsidade tende a obscurecer a visão interior a respeito do que
se fez, pois ela fica como uma capa flutuante e um modo de autoengano que a
pessoa produz para esconder de si mesma o agravante de não estar pesarosa pela
falta cometida. Um pecado pode, então, ser um ajudante no processo de
autoconhecimento, e era isso o que os Padres do Deserto diziam: “Que o teu
entulho seja teu pedagogo.” Mas, para isso, é preciso uma quietude que permita
que o olhar da alma se detenha na questão.
Dar-se a si mesmo uma espécie de contrição pressupõe já
tê-la antes da queda, o que é contraditório. Ninguém dá o que não tem. Assim,
se um pecado em particular, embora objetivamente considerado grave, não
desperte a culpa que se supõe normal em tais casos, isto deve ser aproveitado
não para que seja deixado para lá, mas para que seja melhor investigado. O que
está por trás da aparência? Como diz um trecho do livro de Levíticos: “Não faça
isso, pois isso é bondade! (Hesed)". O ser humano só pode desejar algo, ainda
que seja ruim, sob o aspecto do bem. Esta afirmação geralmente pressupõe a
bondade visada no objeto. Mas é possível que a bondade esteja no que cometeu o
que não deveria. Por trás do que se faz, portanto, não raro se esconde uma boa
intenção ou uma boa raiz má considerada. Esta posição se avizinha da de
Sócrates para o qual a maldade é produto de uma espécie de ignorância, esta
entendida como o estado de não saber a respeito de algo que é essencial
conhecer.
Isso obviamente não permite relativizar o pecado, mas serve para brecar a afetação posterior e para reconhecer que até mesmo ele pode ter uma função pedagógica. Se todo pecado é sempre um efeito daquela primeira Queda, todo pecado possui também a possibilidade de se tornar uma "felix culpa".