"Foi aqui que li pela primeira vez um volume dos ensaios de Chesterton. Jamais ouvira falar dele e não tinha a menor ideia do que ele representava; tampouco posso explicar por que ele me conquistou tão prontamente. Talvez fosse de esperar que meu pessimismo, ateísmo e ódio do sentimentalismo fizessem dele para mim o menos atraente de todos os escritores. Parece até que a Providência, ou alguma 'causa segunda' de uma espécie bem obscura, supera nossas inclinações anteriores quando decide aproximar duas mentes.
Gostar de um autor pode ser tão involuntário e improvável como se apaixonar. Eu já era então um leitor suficientemente experiente para distinguir gosto de concordância. Não precisava aceitar o que Chesterton dizia para gostar do que ele escrevia. Seu humor é do tipo que mais me agrada - não 'piadas' incrustadas na página como passas num bolo, e menos ainda (o que nem consigo suportar) um tom genérico de irreverência e jocosidade; mas o humor que não é de modo algum separável do argumento, e sim (como diria Aristóteles) a 'florescência' na própria dialética. A espada brilha não porque o espadachim decide fazê-la brilhar, mas porque está lutando pela sua vida e, portanto, movimentando-a bem agilmente.
Pelos críticos que julgam Chesterton frívolo ou 'paradoxal', preciso muito me esforçar mesmo para sentir dó; a solidariedade está totalmente descartada. Além do mais, por estranho que pareça, gostei dele por sua virtude moral. Posso atribuir livremente esse gosto a mim mesmo (ainda naquela idade) porque era um gosto pela virtude moral que nada tinha a ver com qualquer tentativa de ser eu mesmo virtuoso. Jamais senti aversão pela virtude moral, que parece tão comum em homens melhores que eu. 'Complacente' e 'complacência' eram termos de desaprovação que jamais haviam tido espaço no meu vocabulário crítico. Faltava-me o faro cínico, a odora canum vis ou a sensibilidade do sabujo pela hipocrisia ou pelo farisaísmo. Era uma questão de gosto: sentia o 'charme' da virtude moral como um homem sente o charme de uma mulher que não pretende esposar. É, na verdade, a tal distância que seu 'charme' é mais visível.
Na leitura de Chesterton, como na de MacDonald, eu não sabia aquilo em que me estava enredando. O jovem que deseja se conservar ateu ortodoxo não pode ser suficientemente seletivo nas leituras. As ciladas estão em toda parte - 'Bíblias abertas, milhões de surpresas', como diz Herbert, 'finas malhas e armadilhas'. Deus é, se é que posso dizê-lo, muito inescrupuloso."
C.S. Lewis, Surpreendido pela alegria. Viçosa: Ultimato, 2015. p.170-171.