terça-feira, 17 de novembro de 2009

Só os pobres agradam a Deus


Deus Pai diz a Santa Catarina de Sena que a humildade, fruto do conhecimento de si mesmo, é a raiz de todas as virtudes. Ora, se falta a raiz, como haver virtude? A humildade, ou pobreza cristã, é uma virtude altíssima. Ela é uma via perfeita de imitação do Cristo, que foi e é pobre. Qualquer resistência a esta verdade implica num falso conceito, ou da pobreza evangélica, ou da pessoa do Cristo.

Todo pecado constitui uma conversão às criaturas e à falsa satisfação que elas oferecem, e uma aversão a Deus. No entanto, é comum que a maior parte dos pecados sejam como que uma fuga de Deus. O vício, porém, oposto à pobreza, a soberba, é o único que não foge, mas se opõe a Deus. E é dito ainda que são a estes que Nosso Senhor resiste. Se alguém descuida da pobreza, suas atitudes mancham-se mais facilmente do amor próprio, que enfeia tudo. Pessoas embevecidas com a própria maestria, que consideram-se um presente para o mundo, predestinados infalivelmente ao Céu e a uma particularidade do prêmio eterno, são um tipo muito comum. E, por vezes, se deixam acompanhar por uma certa encenação de suposta humildade que bem poderíamos chamar de "coitadismo" e que nada mais visa senão provocar admiração nos admiradores da humildade. A coisa, porém, é por demais desafinada... Como escreveu S. João da Cruz, qualquer espírito que pretenda caminhar por prazeres e honras, fugindo de imitar a Cristo, não o teria eu por bom.

A pobreza, movimento da alma oposto ao da soberba,  abraça a Deus e O ama...
Para o pobre é suficiente estar com Ele e saber que, não obstante a repugnância do pecador, Deus o abraça e o quer. Esta virtude, porém, como já escrevi outras vezes, não consiste em qualquer timidez ou medo, nem qualquer tendência à ofensa de si mesmo; não se trata de inventar coisas, mas de conhecer-se. A pobreza ou humildade é uma objetividade na consideração de si mesmo. Quando um S. Francisco de Assis ou outro santo qualquer falavam da sua pequenez e miséria, isto não era qualquer afirmação gratuita, mas, ao contrário, era fruto de uma clareza particular. Por isto, a grande Teresa D'Avila ensina que "a humildade é a verdade".

Outros santos dizem ainda que uma carruagem cheia de virtudes, mas conduzida pela vaidade, leva ao inferno, enquanto que, uma outra carrega de pecados, mas conduzida pela humildade, leva ao Céu. O demônio enraivece-se com Sta Catarina porque, ao humilhá-la, ela voltava-se à misericórdia divina e, ao elevá-la, a sua humildade se rebaixava aos infernos, indo atormentá-lo. Não há santidade sem pobreza e, embora isto seja tão evidente, quase nenhum cuidado há por parte de certos cristãos neste sentido. Não deixa de ser particularmente curioso que, no seguimento de um Deus que se fez homem e, feito homem, tornou-se escravo e, como tal, não teve onde nascer, não teve onde reclinar-se e morreu humilhado numa Cruz, abandonado - não deixa de ser curioso e imensamente contraditório que alguns de seus seguidores pretendam trilhar caminho precisamente oposto, de glórias, de elogios, de aclamações. Não temem um dia escutar: "já recebeste vossa recompensa"? E aqui podemos aprofundar ainda mais na compreensão da pobreza cristã; um Deus a viveu e ensinou; não é qualquer coisa...

O amor a Deus, quando perfeito, não O ama por causa do Céu, mas por Ele mesmo. Já pedira uma santa que, se amasse a Deus por causa do Céu, Ele a excluísse dele; se, porém, o amasse por medo do inferno, Ele a atirasse aí; mas se o amor que a consumia fosse por Ele mesmo, que Ele, por favor, não lhe escondesse a Sua face. O mesmo diz um poema atribuído a Santa Teresa, onde se lê algo neste sentido: "Mesmo que não houvesse Céu, eu te amaria como te amo; mesmo que não houvesse inferno, eu te temeria como te temo. O que me move a te amar, és Tu mesmo".

Vemos, então, que a pobreza é a possibilitadora do verdadeiro amor e isto é grandioso. É ela que permite o que os santos chamam de "pureza de intenção". Esta radiante virtude tem seu máximo expoente no Cristo crucificado e na Virgem Santissima. Portanto, ser pobre, verdadeiramente, é imitá-Los, ou seja, não se pode imitá-Los sem cultivar a pobreza espiritual. Esta, porém, grande inimiga da timidez, é amiga íntima da magnanimidade. A pobreza rejeita o pequenino e fútil pelo verdadeiro Bem. Esta verdade se expressa em várias passagens da Sagrada Escritura. Portanto, ser pobre é, de certa forma, ser ousado e, desprezar as coisas rasteiras por erguer os olhos ao Céu. É rejeitar sentar-se num trono de rei para estar, ao invés, sentado sobre todo o orbe terrestre.

Certa vez, eu estive a fazer uma pregação sobre o ódio a si mesmo; depois de citar inúmeros exemplos e máximas de santos, um amigo meu, que me acompanhava, disse-me no intervalo: mostre não somente o edifício, mas também as portas... Pois bem, tratemos de algumas formas de praticar a pobreza, pois, embora eminentemente interior, ela se reflete na conduta. São Francisco de Assis é exemplo luminoso disto, embora nem todos estejamos obrigados a viver esta virtude naquelas supremas alturas em que ele viveu. São Francisco é prova da potencialidade humana ao infinito.

Como há inúmeras formas de se viver esta virtude, há quem enfatize esta ou aquela. Grande erro, porém, é reputá-la a uma atitude meramente exterior. As virtudes cristãs não são coisa que qualquer ator possa praticar. A mera imitação, como já escrevi, torna-se um caricato sem graça, ou melhor, de fazer graça...

Sobre as formas de se praticar a pobreza, escreverei log em breve, pois agora estou meio ocupado... Mas adianto: melhor seria ler um bom místico, doutor ou qualquer pessoa mais instruída. O que aqui digo, embora mui verdadeiro, parece menor em virtude da pessoa que diz e pelo modo como diz. Mesmo assim, logo mais, continuo...

Como dizem os nordestinos, "inté"....

Fábio.

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