A vida é um mistério. Embora ela, aqui em baixo, seja passagem contínua, é toda permeada da vontade de não passar, do desejo do eternizar-se. E, no entanto, o curso das coisas não cessa. Houve um momento em que nascemos e haverá um momento em que morreremos. Sair da vida, o que significa? Qual o sentido daquele desejo de perenidade que cultivávamos se, por acaso, é falso que ele se realiza? Seria o caso de sermos seres profundamente mentirosos e que se aferram a ilusões? Não... Repugna-nos a morte, não por acaso. Satisfazemo-nos com verdades imutáveis, não por acaso. Estamos a vida inteira orientados, como bússolas obstinadas, para o bem - ou aquilo que julgamos sê-lo -, não por acaso. Se, de um lado, fazemos a experiência da efemeridade, do devir, da mudança, em nosso íntimo, naquilo que temos de mais essencial, somos todos sedentos de eternidade, de constância. Esta tensão entre uma coisa e outra é a grande responsável pela nossa atual inquietude, por estarmos sempre insatisfeitos e sempre a buscar novos bens. "O nosso coração anda inquieto enquanto não descansar em Ti". Também não foi à toa que Jesus se definiu como a Rocha, símbolo de firmeza e permanência.
A morte é somente uma passagem, embora pareça término. Uma porta também é somente uma aparência de limite. Quando ela está fechada, não nos permite enxergar do outro lado, embora nos faça supor que há uma vastidão não vista para além dela e para a qual ela é somente uma transição. Comparada à eternidade, esta vida é uma pequena choupana ou, nos dizeres de Sta Teresa D'Avila, é "uma má noite numa má pousada". Horizontes insuspeitados aguardam do outro lado e, no entanto, enquanto a porta não abrir, tais horizontes apenas podem ser supostos. Também haverá quem diga que a realidade se reduz ao casebre e que não há nada que o transcenda. Estes mutilaram em si o que havia de mais essencial. Deus deu asas aos homens para que, uma vez aberta aquela porta, eles pudessem alçar vôo e sentir, pela primeira vez mas nostalgicamente, a delícia do vôo e da contemplação do sol.
Quando olhamos para a morte, parece-nos o fim. Mas é preciso estar muito embotado para ficar insensível à dimensão do mistério que ali se adensa. A morte é uma passagem. A realidade, densa, firme, total, começa depois dela.