A Santa Igreja e os seus santos nos ensinam e recomendam a cultivar a paz interior. É o que diz, por exemplo, S. João da Cruz: "dá-te à tranquilidade", Sta Teresinha de Lisieux, S. Pio de Pietrelcina, entre tantos outros. Há, na espiritualidade católica, grande estima pelo silêncio, pela quietude, pela solidão. O Céu mesmo é, às vezes, retratado como um repouso.
A agitação, ao contrário, perturba a alma. Podemos observar a diferença abismal entre uma alma em paz e outras que se deixam agitar, no evento evangélico da tempestade. As ondas se agitam, os Apóstolos imitam-lhes com o coração e, enquanto isto, o que faz Jesus? Dorme... Uma vez despertado, Jesus faz que o mar se assemelhe à quietude e ordem do seu interior, e tudo silencia....
No mesmo sentido, na casa de Marta e Maria, Jesus elogia esta última por manter-se em paz quieta, afirmando que esta é a melhor parte.
A agitação está na multiplicidade. A paz na unidade e totalidade. Um dos demônios expulsos por Jesus se chamava legião, pois, na verdade, eram muitos. A multiplicidade agita. A unicidade acalma. Quando destacamos algo na multidão, não estamos seguindo a unicidade, pois estabelecemos, no mínimo, uma dualidade entre o que escolhemos e os demais objetos. A multiplicidade permanece. É preciso prezar pela totalidade e, como dizia Sta Clara a S. Francisco de Assis, se notarmos bem, veremos que só existe uma verdade: "Deus é"...
Na mística sanjuanista, a virtude teologal da caridade exige-nos que concentremos todo o nosso afeto em Deus; só assim, amando-O somente, amaremos ordenadamente tudo o que por meio dEle se fez. Quando, porém, não O amamos, perdemo-nos na multiplicidade de objetos, ignorando os laços comuns que os unem e, consequentemente, nosso afeto se dirige a mil direções.
Daí surgem o desejo e o medo. O desejo, agindo sobre a vontade, impele-nos a mil coisas; agita-nos enquanto nos denuncia a falta de algo e se lança, de forma irrefletida, sobre qualquer brilho que perceba nas criaturas. O medo, como um desejo inverso, impele-nos, não em direção a certas coisas, mas em direção oposta; ele nos põe em fuga... O medo nada mais é do que o desejo de que tal situação não se dê.
E, escravos destes dois, do desejo e do medo, nos comportamos como marionetes, passando o dia perseguindo certas coisas e fugindo de outras e, enquanto isto, passa o tempo, e do silêncio somente conhecemos o nome, e da solidão somente sabemos a existência. Nossos inimigos movem-nos à força de ilusões... O amor próprio brinca conosco; sugere ameaças inexistentes, como miragens no deserto, para que nos cansemos numa corrida inútil; enquanto isto, nos apresenta falsos brilhos, sólidos como fumaça, para que, ridiculamente, nos distraiamos com o nosso nada... Verdade suprema é o que disse, certa vez, um anjo a S. Francisco: "Espumas.. Eis quanto pesam os sonhos dos homens".
"Não goste nem desgoste", foi o que li certa vez, e vários paralelos de mesmíssimo sentido se encontram distribuídos nos bons livros espirituais. É preciso educar bem a nossa vontade, a nossa imaginação que, como dizia Sta Teresa D'Avila, "é a louca da casa", disciplinar o nosso interior para que não se tensione em fantasias, medos ilusórios, desejos fúteis, mas, ao contrário, se atenha sobre a Verdade. Esta não muda, abrange toda substância e, se nos firmarmos sobre ela, poderemos, enfim, descansar e silenciar...
"A nada ame com particularidade" S. João da Cruz
"Cessai, e vede que sou Deus" (Sl 45,11)
Fábio.