sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Comentando uma passagem dos Cânticos - Parte 1


"Quem é esta que sobe do deserto apoiada em seu bem-amado? - Sob a macieira eu te despertei, onde em dores te deu à luz tua mãe, onde em dores te pôs no mundo tua mãe."(Ct 8,5)

O Cântico dos cânticos é um livro belíssimo e que a unanimidade dos santos afirmava poder expressar, de modo muito particular, as relações amorosas entre a alma e Deus. Em seu sentido literal, não passa de um poema em que uma donzela, levada à corte de Salomão, mantém-se fiel ao seu bem amado. Mas, se ascendermos, como diz Ricardo de S. Vitor, ao seu sentido místico, poucas coisas há que sejam tão belas.

O Pe. Ronald Knox muito acertadamente afirma que vários santos dariam de bom grado todos os demais livros do Antigo Testamento em troca deste. Sto Tomás de Aquino, ao ser acolhido no mosteiro trapista, antes da sua morte, recompensou os monges comentando passagens deste livro. S. João da Cruz, na ocasião da sua morte, pediu que lhe fossem lidas passagens do livro, às quais respondia emocionado: "que pérolas...".

Forçoso é, então, dizer que há qualquer coisa de muito belo e, ao mesmo tempo, bem oculto nestas linhas. E neste contexto, corremos o risco de tão somente balbuciar ao arriscar escrever algo a respeito. Neste post, porém, quero tratar um pouco desta passagem que destaquei acima e que me chamou a atenção numa vigília que fizemos recentemente.

Pergunta o autor sagrado: "Quem é esta que sobe do deserto apoiada em seu bem amado?"

Os que estejam minimamente familiarizados com a literatura mística, haverão de perceber o significado de dois símbolos expressos nesta passagem.

Primeiramente, o deserto. De fato, o deserto é um lugar difícil, onde não há provisões em excesso e onde a nossa sede tem de ser mortificada. É onde a nossa indigência se acentua e percebemos a nossa pequenez. Mas é justamente aí, no deserto, que a alma se encontra com Deus. Lembremo-nos de toda a saída do povo de Israel do Egito e que teve, como caminho, o deserto. Lá passaram eles longos quarenta anos. Tempos  difíceis, mas tempo de particular proximidade divina e de manifesto cuidado de Deus pelos seus. Isto nos mostra algo muito interessante: a indigência faz com que saiamos de nós mesmos, com que rompamos a antiga lógica do pecado original que é apenas olhar para o nosso próprio umbigo. É uma libertação, um êxodo, embora seja um tanto dolorido. Esta dor nos desperta para o que mais importa, e faz-nos pôr a nossa atenção em Outro, que é Deus. E o deserto é um lugar privilegiado para isto. Deus já o tinha dito numa passagem do livro de Oséias que muito aprecio: "A levarei ao deserto e lá lhe falarei ao coração".

O fato de terem sido quarenta anos também não é dado sem importância. Também Jesus passou quarenta dias no deserto e, detalhe: foi conduzido para lá pelo Espírito Santo. O número quarenta, então, aparece como um período de transição e pode, muito bem, expressar o tempo que passamos aqui nesta terra. Também Elias, tendo comido o Pão Misterioso que bem sabemos o que representa, dispôs-se para caminhar quarenta dias.

Outra coisa, o deserto torna-se também símbolo do exílio, que é esta terra que vivemos. Porém, é como um rumar ou um pôr-se a caminho. É como um sair da escravidão e estar indo à Terra Prometida. Este dinamismo é bem expresso pela ordem que Deus dá para "cingir os rins" e "comer apressadamente". E é belíssima esta alegoria da viagem, porque aqui fica bem expresso o desapego do lugar onde se estava, conforme dito a Abraão: "sai da tua terra...", a esperança de encontrar o lugar para onde se vai e a fé firme, em Deus, que é o que fundamenta aquela esperança. Neste sentido, a passagem acima diz: "esta que sobe do deserto". Subir indica um desapegar-se do que está abaixo ou do que é rasteiro, em busca de algo mais puro. Se nada sacia ao homem debaixo do sol, como o expressa o escritor do Eclesiastes, é preciso ir acima do sol e, para lá chegar, é necessário ter o coração ao alto, isto é, a vontade, o que não se faz senão desapegando-a do que é rasteiro. Como a vontade segue sempre a inteligência, é necessário que antes esta seja posta em contemplação das realidades eternas, afim de que a vontade se inflame por elas.

É neste sentido que se diz que a alma "sobe do deserto".

Esta subida, porém, torna-se impossível se a alma não se apoia em Deus. Isto disse Sta Teresa D'Avila, afirmando que também um sapo não pode voar por si mesmo. S. João da Cruz expressa esta verdade na sua "Oração da alma enamorada" onde escreve: "Como a Ti, Senhor, se elevará o homem que criaste se Tu não o levantares?" Por fim, o próprio Senhor o afirma: "Sem mim, nada podeis fazer..."

É com vistas a esta necessidade absoluta que o livro dos cânticos afirma: "sobe do deserto apoiada em seu bem amado". É bem amado porque a inteligência já se deteve n'Ele e a vontade já se Lhe aderiu em vivo amor. Este amor faz a alma ter como que asas, pelas quais poderá se erguer, apoiada nAquele que ama.

Em seguida, diz o escritor:
"Sob a macieira eu te despertei"...
Continua...

3 comentários:

Anônimo disse...

Leia o seguinnte texto, se tiver coragem...
A verdade dói, mas liberta...

http://www.opus-info.org/index.php?title=H%C3%A1_10_anos_sa%C3%AD_do_opus_dei

Fábio Graa disse...

rsrs..
Caro anônimo, li seu texto...
Não doeu...

Somente há que se falar poucas coisas aqui:

1- Vocação é uma coisa que realmente existe e, portanto, não se pode defender que tal ou tal vocação sejam de caráter universal. As inadequações existem justamente porque existem diferentes vocações.

2- Instrumentos de mortificação pessoal não foram inventados pelo Opus. Cilício e disciplina são objetos que os carmelitas usam há muito tempo. É óbvio que, sem a devida orientação, certos tipos de mortificação podem cair no fanatismo. Mas isto não tira a razão de ser da mortificação em si. Conta-se que, ao adentrar na pobre casa do Cura D'ars, era comum topar com paredes sujas de sangue. As mortificações dele, sem dúvida, eram pesadíssimas; mas ele sabia profundamente as razões para tal e não se pode, de forma alguma, defender que fora homem infeliz.

3- O texto, se verdadeiro (o que não sei...), é muito sucinto e mui insuficiente para desacreditar o Opus. Nele se lê as impressões subjetivas de um infeliz que desabafa num discurso apaixonado.

4- Conheço bem um numerário do Opus e o celibato é apenas exigido destes. Os supernumerários casam e são muitíssimo valorizados. O Opus Dei estima muito a família. Estranho que o rapaz do texto acima não cite nada a respeito.
Este meu amigo do Opus é pessoa muito íntegra e muito feliz.
Deixe-me só citar uma frase que ele me disse, pessoalmente, há algum tempo:

"Nosso Senhor diz que, a quem perde a vida por Ele, lhe será dado cem vezes mais. Mas não são cem vezes mais, são mil..."

Creio que isto resume bem a alegria que o rapaz encontrou lá.
O seu personagem, porém, desde os seis meses que entrou, começou uma luta para sair... E se não saiu, foi pq não quis. Simples assim! Se uma pessoa dá crédito à sua covardia e estende a sua vida numa atitude de abster-se do que vê que deveria fazer, é óbvio que nem será feliz, nem terá um olhar objetivo daquilo de que pretende livrar-se.

POrtanto, este caso em particular, que não nego que tenha sido difícil, não serve para desacreditar o Opus nem tampouco como representação daqueles que lá se consagram.

Por fim, eu aconselho a que vc poupe seus esforços neste sentido.
Não vou ficar lhe respondendo ao infinito. Não se ache tão importante. É o que te recomendo.

Pax.

Gleyce Perrout disse...

Interessante a história do carinha q saiu da Opus... Mas deu um dó dele! Perdeu 10 anos de sua vida, pq não se abriu a nada q lhe ofereceram.

Qm segue a Jesus, seja na vocação q for, será sempre louco p esse mundo.