sexta-feira, 21 de outubro de 2011

IV e Final - Psicoterapia e Conversão


Na escola adleriana, da que Allers provém, a psicoterapia é no fundo pedagogia. Se trata de educar ou reeducar o caráter para que se conforme com os fins reais da natureza humana. Desse modo, a psicoterapia se afasta das ciências médicas e naturais, inscrevendo-se entre as morais.

Para esta escola, a psicoterapia teria duas partes: uma analítica, na qual se põe de manifesto a finalidade fictícia que persegue o indivíduo, e os meios que a mantêm; outra sintética ou pedagógica, que visa reformar o caráter.

Allers assume estas idéias, mas "desde o alto", a partir de uma visão mais profunda do ser humano, dada pela antropologia cristã. Este processo de transformação do caráter neurótico, a cura, é considerado por nosso autor essencialmente como uma conversão, ou melhor "metanóia", uma mudança da mente.

Para permanecer firme diante dos conflitos, as dificuldades, as tentações, é necessário ser simples. Para curar uma neurose não é necessário uma análise que desça até as profundezas do inconsciente para achar não sei que reminiscências, nem uma interpretação que veja as modificações ou as máscaras do instinto em nossos pensamentos, em nossos sonhos e atos. Para curar uma neurose é necessária uma verdadeira metanóia, uma revolução interior que substitua o orgulho pela humildade, o egocentrismo pelo abandono. Se nos tornamos simples, poderíamos vencer o instinto pelo amor, o qual constitui - se lhe é verdadeiramente dado se desenvolver - uma força maravilhosa e invencível.

A transformação interior que leva à saúde, começa pela humildade que vence a soberba e a vontade de poder que é o motor oculto do caráter neurótico, segundo Allers. Isto não se pode fazer sem ser movido pelo amor autêntico, que é a força mais potente que impulsiona à plenitude de vida. Justo à humildade e ao amor, Allers coloca um terceiro remédio: a verdade. Allers sempre teve presente como lema de seu trabalho psicológico, a frase de Nosso Senhor: "A verdade os fará livres".

Para poder chegar a esta simplicidade, a esta atitude ante o mundo e ante si mesmo, é necessário fazer entrar em jogo a segunda das grandes forças postas à nossa disposição pela bondade divina: a verdade. Estas duas forças, a verdade e o amor, são as únicas a ser invencíveis. Para libertar-se das cadeias que nos atam aos valores inferiores, para poder resistir às tentações que desde fora ou desde dentro surgem tão frequentemente, para permanecer firmes através dos inevitáveis conflitos da existência, não há que fiar-se do estoicismo que não é no fundo mais que uma forma refinada de orgulho, nem dar-se à pesquisa de causas inconscientes perdidas na distância nebulosa de um passado problemático.

O papel do psicoterapeuta, do pedagogo ou de quem seja que acompanhe a pessoa nesta mudança, é secundário e auxiliar. Se trata de remover os impedimentos ao desenvolvimento destas forças curativas no interior da pessoa, através do amor. Isto implica um certo grau, no iniciante, de desenvolvimento moral e espiritual por parte do terapeuta, que muito frequentemente é tomado como exemplo por quem necessita de ajuda.

É por tudo isto que, na perspectiva "desde o alto" adotada por Allers, psicoterapia e direção espiritual não somente não se contrapõem, mas convergem.A segunda se converte em continuação mais lógica e adequada da primeira.

Uma direção de alma compreensiva, carinhosa, respeitosa, paciente e puramente religiosa, pode chegar a corrigir, a uma vez, a conduta religiosa e a neurótica; porque tal influência aborda, com efeito, o problema mais central de todos. Claro que nem todos esses homens estão em disposição de conhecer e compreender, sem mais nem mais, esse problema, nem ver que é problema para eles. Em tais casos, é necessário um penoso trabalho de ilustração e educação, a fim de levar esses homens até o ponto onde já é possível discutir esse problema, a saber, se precisa, justamente, de uma psicoterapia sistemática.

Rudolf Allers, como bom cristão, é consciente d"os limites dos meios naturais. Em nossa opinião, o domínio mais perfeito de todos os conhecimentos e de todos os procedimentos que deles se seguem, tem que fracassar, em última instância, quando não se liga à conexão, fundamentante e superior em seu alcance, do saber religioso. Estamos convencidos de que é impossível, tanto a fundamentação teórica de uma doutrina sobre a educação do caráter, como a de uma teoria geral do caráter, sem referir-se às verdades religiosas nem enraizar aquelas nestas. Vimos como as abordagens de nossas questões, surgidas de uma imediata necessidade prática, levavam sempre a últimos problemas que unicamente se resolviam no terreno da metafísica e no amplo curso da fé baseada na revelação."

Conclusão

Esperamos que esta breve exposição de algumas das idéias de Rudolf Allers referidas a temas psicoterapêuticos sejam suficientes para despertar o interesse em seu estudo. Nosso autor tem escrito sobre muitos outros temas, psicológicos, filosóficos e pedagógicos, mas pensamos que o que brevemente temos apresentado aqui constitui seu aporte mais pessoal e original.

Por certo, não é necessário estar de acordo à letra com tudo o que Allers diz. Se pode, todavia, aprofundar, completar e precisar em muitos aspectos. Mas é opinião de quem isto escreve que as abordagens principais que aqui expusemos devem ser pontos firmes e fundamentais para uma psicologia que queira ser a uma vez integral e eficaz.

Deste ponto de vista, Rudolf Allers aparece como uma figura emblemática, como um autorizado exemplo de psicólogo cristão, que em modo valente e sincero não contentou em acomodar-se à mentalidade do século, mas buscou sempre o acordo entre fé e razão. Por isso, nos parece digno de ser recordado e imitado.

Martin. F. Echevarria

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