sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Mistérios Gozosos - Um tratado sobre a Pobreza Interior - 1º Mistério


Para ajudar na meditação dos mistérios gozosos.

A qualidade dos mistérios não é a sua incognoscibilidade, mas a sua inesgotabilidade. Isto quer dizer que os mistérios são oceanos: nós os conhecemos somente em parte e, por mais que neles aprofundemos, nunca chegamos ao seu fim.

Os mistérios gozosos sempre me pareceram expressar de modo muito profundo o mistério da pobreza interior. Porei-os abaixo um por um e em seguida tecerei algumas reflexões a respeito.

1º Mistério - A visita do Arcanjo Gabriel à Virgem Maria e a encarnação do Verbo.

A Virgem Maria era uma jovenzinha da pobre cidade de Nazaré e estava prometida em casamento a José. Seguia a religião judaica e esperava, como todos os demais judeus, pelo cumprimento da promessa: a vinda do Redentor. A sua vida estava como que prevista: casaria, seria mãe, educaria os filhos na Lei de Deus. Maria tinha as suas seguranças, as suas garantias, as suas expectativas humanas; seria confortável manter-se circunscrita num tipo de vida que já conhecia de antemão. Contudo, a ela seria pedido, como a Abraão, sair de suas coisas, da sua terra, das situações que já lhe eram familiares e dar o passo no escuro. Maria pôde consentir porque, acima de todo o complexo de contingências naturais, estava acordada no Único Necessário, Aquele que dava unidade a toda a sua vida, e Maria sabia que Deus, por ser infinito, não pode ser enquadrado em previsões ou em categorias; é, por definição, imprevisível e, por isso, santamente perigoso. Quando tratava com as coisas humanas, ela não se perdia no fluxo contínuo de eventos sensíveis que lhe solicitavam. Mesmo quando se dava a seus compromissos, seu coração se mantinha desperto. "Eu dormia, mas meu coração velava". (Ct 5,2)

Quando o Arcanjo Gabriel lhe foi visitar, embora fosse um anjo de alta hierarquia e, portanto, possuísse as virtudes em grau eminentíssimo, encontrou aí uma humana que estranhamente lhe superava nas duas principais: a humildade e o amor a Deus. O amor a Deus em Maria era tão intenso, diz um escritor devoto, que os próprios anjos poderiam ter descido à casinha de Nazaré para aprender com ela a amar a Deus. Este era o motivo pelo qual Maria era tão acordada.  Não há buda que se lhe equipare. Conhecia bem a efemeridade e vaidade do mundo, descrita em Eclesiastes, e mantinha o seu coração ancorado em Deus pelo que sua alma voava acima de toda preocupação meramente humana.

Gabriel lhe anuncia que, se ela consentir, será a mãe de Deus. Maria era consciente de sua pequenez, e continuamente se define como escrava. Se esta consideração de si mesma fosse meramente natural, Maria teria rejeitado a sua missão justamente por humildade. Mas a sua virtude ultrapassava infinitamente a de qualquer código moral natural. Justamente pela sua humildade abismal, Maria aceita a missão, pois sabia que tudo aquilo se fundamentaria não nela, mas no próprio Deus. Cabia-lhe servir e obedecer. E, no entanto, via que Deus estava se submetendo à sua vontade de criatura.

A pobreza de Maria está justamente aqui. É pobre aquele que se dá e não se busca a si mesmo. Maria, ao intuir a vontade divina, a amou e a quis. "Sim!". Não lhe importava o que seus parentes iriam pensar; não lhe impedia a surpresa que José teria. Não lhe travava o passo sequer o saber que ela poderia vir a morrer apedrejada se acaso José lhe denunciasse ou se o povo judeu ficasse sabendo, de algum modo, que ela havia engravidado antes do casamento. Deus queria. Maria esvaziou-se de si mesma e seu esvaziamento foi total. "Fiat!" "Faça-se". 

No seu esvaziamento, Maria foi tão perfeita que o próprio Deus, também esvaziando-Se de Si mesmo, veio habitar nela. O esvaziado habitou na esvaziada e isto revelou, pela comunhão de atitudes, o grau de intimidade que Maria tinha com Deus desde antes. Em se tratando de Cristo, é São Paulo quem escreve: "Jesus não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a Si mesmo, assumindo a condição de escravo" (Fil 2, 6-7). O ato de aniquilamento de Jesus - chamado de kenose - foi infinito. Com efeito, ninguém é capaz de sondar a distância entre a divindade e a humanidade. Jesus, porém, assume a partir do sim de Sua Mãe uma condição inefavelmente inferior à sua divindade. Jesus não se contentou em enviar-nos graças ou posses Suas; Ele mesmo veio. Assumiu visceralmente a Sua missão, saiu de Si mesmo e deu-Se a Si mesmo. O Senhor do Céu ocupou lugar tão estreito: o seio de uma mulher. O que governa todas as coisas desceu à total submissão à sua criatura. Ser pobre é dar-se.

Foi por ser tão pobre e despojar-se tão inteiramente de si mesma, que Maria pôde receber o Verbo divino, o Pobre, em seu ventre. Maria grávida era um mistério: a humilde por excelência carregava em si mesma a própria Humildade. Note-se, então, que o ato da pobreza sempre ocupa, na história da salvação, lugar central. É ela que abre espaço para Deus. Portanto, podemos inequivocamente concluir: Maria era a plena abertura e docilidade à divindade. Ela era porta aberta à transcendência. Não à toa foi escolhida como caminho de Deus para os homens e dos homens para Deus. A amizade com Deus pressupõe a pobreza. Sejamos pobres. Que a Virgem Maria nos ensine.

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