3º Mistério - O Nascimento de Jesus na gruta de Belém.
Iam Maria e José para o recenseamento em Belém. Já ali por perto, completaram-se os dias da gravidez de Maria e José tentou conseguir-lhe um lugar nas hospedarias. Não havia vaga. Era uma época de grande circulação. José não sabia o que fazer. Sentiu o peso da responsabilidade sobre os seus ombros, pois a essa altura já tinha total consciência da missão que lhe fora confiada. E agora, porém, sequer podia garantir um nascimento digno ao Filho de Deus.
É óbvio que tudo isto ocorria segundo os planos divinos. Mas ninguém podia prever que Jesus tivesse esses gostos excêntricos pelo último lugar. Esperavam que Ele se portasse como o Rei que era, que ostentasse seu poder. Não espantaria tanto se Ele saísse do ventre de Maria por entre rodopios, jatos de luz e trovões. Isto de algum modo se adequaria à grandeza da Sua identidade. Porém, que nascesse assim, sem lugar, sendo rejeitado, filho de nazarenos e numa noite em que ninguém podia lhe prover as mínimas dignidades, isto era um escândalo. E foi assim que Ele quis. Enquanto Maria esperava pacientemente - não sentia dores -, José soube de uma estrebaria por ali. Era a única possibilidade. Foram para lá e procuraram um lugar por entre os animais cuja "casa" eles agora tomavam de empréstimo. "O boi e o burro conhecem o presépio do seu Senhor", escrevia Isaías setecentos anos atrás. Foram os animais que cederam o mínimo aconchego a Jesus, já que os homens o tinham rejeitado. Isto é um símbolo do que será a Sua vida: Ele mesmo dirá que não terá onde reclinar a cabeça e sobre Ele se escreverá que os seus, para os quais havia vindo, não o tinham recebido.
Maria deu à luz Jesus que nasceu como uma criança qualquer: pobre, frágil, indefesa e inofensiva. Seu grito infante soou no silêncio da noite e juntou-se ao som dos grilos. Era Deus que nascia. S. João da Cruz, numa de suas poesias, relata este evento de um modo extremamente belo: "
E a Mãe se assombrava
da troca que ali se via:
o pranto do homem em Deus,
e no homem a alegria."
Era Deus que chorava para que o homem pudesse sorrir. A pobreza de Deus era completa; plena a Sua doação. Nascera sem lugar, sem festa, depois das primeiras rejeições. Desde agora, anunciava que o Seu caminho era a santa cruz. Escrevia Sto Afonso que por sobre a gruta de Belém já era possível divisar a sombra da cruz. Ei-lo exposto ao frio da noite e, sendo Deus, necessitado dos consolos de Sua Mãe. Sendo Deus, necessitado.. Que escândalo!
Os reis magos vinham do oriente à Sua procura. Depois de logicamente passar pelos palácios, encontraram aquele pobre recinto em que Ele havia nascido. A sabedoria dos reis era verdadeira: reconheceram a Jesus tão logo O viram. Este tipo de saber não se aprende nos livros. De algum modo, a pobreza do Cristo lhes tocou a alma e eles, profundamente comovidos com aquilo tudo - algo absolutamente sem precedentes - curvaram o joelho na terra e prostraram ainda mais profundamente a alma. Ofertaram-No, depois de adorá-Lo, aquilo que traziam: o ouro, que reconhecia a Sua realeza; o incenso, que reconhecia a Sua divindade e encerrava definitivamente os cultos aos outros deuses; e a mirra, erva amarga que lhe prenunciava o tipo de vida que teria e que era expressão da Sua doação. Jesus, portanto, é o Rei-Deus que se esvazia e sofre. Seus seguidores deverão fazer o mesmo e compreender que a disposição à doação e ao sofrimento, isto é, o abraço à Cruz, símbolo do mais total esvaziamento, será o distintivo dos Seus verdadeiros amigos.
Também os pastores, gente de vida humilde, foram pessoalmente saudados pelos anjos. Era o modo que Jesus encontrara para convidá-los. Importante notar: os anjos não apenas falaram; eles cantaram. Já dizia Sto Agostinho: "cantar é próprio de quem ama". E neste episódio, notamos muito facilmente que a canção é extremamente jubilosa. Aqui juntam-se amor e alegria, justamente porque Ele nasceu. Este amor e alegria são precedidos pela Sua pobreza. Eis aí uma santa tríade: Pobreza, Amor e Alegria, sendo a pobreza a garantia e a condição de possibilidade do amor e da alegria. Isto lembra São Francisco de Assis que dizia: "Quando à pobreza se une a alegria, não há cobiça nem avareza." Cobiça e avareza são paixões que fecham o sujeito que as sente; constituem, portanto, o oposto do amor que abre a alma e gera o êxtase, isto é, o sair de si. Seria bom meditar um tanto nesta relação.
Naquela noite de Belém, desconhecida pelos que se ocupavam de suas próprias coisas - com exceção de Herodes, que já perdia o sono -, escondia-se uma alegria profunda, descomunal e de uma pureza absolutamente única, pois a Pobreza do Cristo e o Amor que O tinha motivado a este ato inaudito a tornavam de fato transcendente, isto é, era uma alegria que trazia um sabor da eternidade. Porém, silente e discreta, do jeito d'Ele.
Que por este mistério, Nosso Senhor, pelas mãos da Virgem Maria, nos dê o amor da Pobreza interior, e nos liberte a alma para que possamos fruir da verdadeira alegria e do verdadeiro amor.
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