quinta-feira, 28 de agosto de 2014
segunda-feira, 25 de agosto de 2014
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Reclamações de Sta Teresa D'Avila a Jesus
Certo é que me regalei hoje com o Senhor, e ousei queixar-me de Sua Majestade, dizendo-lhe: "Deus meu! Não basta que me conserveis presa nesta vida miserável, e que por vosso amor eu a aceite submetendo-me a viver onde sou forçada a comer, dormir, ocupar-me de negócios e tratar com todos? Bem sabeis, Senhor meu, que tudo isso é grandíssimo tormento para mim, que, entretanto, suporto-o por amor de vós. São embaraços que me impedem de me regozijar convosco. E será possível que nos poucos momentos que me restam para estar convosco, ainda vos escondais de mim? Como conciliar isto com a vossa misericórdia? Como o pode sofrer o amor que me tendes? Creio, Senhor, que se fora possível esconder-me de vós como vos escondeis de mim, jamais o consentiríeis, pelo amor que me tendes. Mas vós estais comigo e sempre me vedes... Não pode ser assim, Senhor meu, Reconhecei, suplico-vos, que isto é injuriar aquela que tanto vos ama."
Estas e outras coisas aconteceu-me dizer (...) Algumas vezes o amor tanto me desatina, que não sei mais de mim, e é com muita convicção que prorrompo nestas queixas, e o Senhor tudo me permite. Louvado seja tão bom Rei!
Sta Teresa D'Avila, Livro da vida, Cap.37, n.8-9.
sábado, 16 de agosto de 2014
O pecado original foi real - algumas consequências
O pecado original foi real, e, como tal, teve consequências graves e reais, tanto no âmbito espiritual quanto no psicológico e no físico. Ao invés de uma fantasia supersticiosa, o pecado original é condição indispensável para a compreensão do mundo e de nós mesmos.
Vamos olhar quais foram essas consequências.
No nível espiritual, o pecado rompeu a ligação vital entre a alma e Deus, gerando a morte naquela. Era dessa morte que Deus falava quando advertiu Adão para que não comesse da árvore no centro do Éden. No catolicismo, isso é referido como a perda da Graça santificante. A amizade entre Deus e o homem, que era simbolizada pelos passeios à tarde de Deus no jardim, rompeu-se. O homem não pode mais gozar da companhia divina. Frustrou o grande fim da sua existência. De agora em diante, seria uma espécie de morto-vivo, cambaleando no mundo enquanto a morte não o consome de vez.
Na dimensão imanente da alma, as faculdades também sofreram o efeito da rebelião do homem com Deus. Elas desentenderam-se entre si. Com efeito, há três faculdades da alma: inteligência, vontade e sensibilidade. Estas três faculdades, no homem perfeito, obedecem uma hierarquia em que a sensibilidade se submete à vontade e sobre estas reina a inteligência. Com o pecado - que também foi um pecado de Gula, pois Eva viu que a fruta tinha aspecto agradável e a tomou por sua própria vontade, o que caracteriza a violência da Superbia - a sensibilidade, então obedecida como falsa mãe das potências internas, passou a requerer este cargo, e, desde então, os homens vivem sob o jugo dessa rebelde. A inteligência, não tendo exercido o seu papel de confiar em Deus, a suma Verdade, mas deixando-se enganar, perdeu seu brilho e alcance originais, ficou rasteira, compreendendo com dificuldade. A vontade, que sempre a segue e que manteve seu papel, ficou, no entanto, além de conduzida erroneamente pela inteligência míope, enfraquecida nas suas determinações, pois também sofre sob as ordens da sensibilidade, podendo somente com dificuldade vencê-la. Assim, a vontade passou a amar, com pouca força, os objetos rasteiros que a inteligência decaída lhe mostrava, e o homem começou a se apegar às pequenezes materiais ao seu redor, uma vez que todo um universo espiritual lhe foi vedado, e que, mesmo aquilo que estaria ao seu alcance natural, agora lhe parecia oculto devido ao obscurecimento da inteligência. Sob o falso império da sensibilidade, as demais potências só decaíram ainda mais, pois então operam contra a sua verdadeira natureza, obedecendo a uma falsa rainha. Seria preciso muito esforço para que a inteligência e a vontade recuperassem algo de sua vitalidade, o que era possível fazer, mas não totalmente.
Entre corpo e alma, o vínculo enfraqueceu-se, o que ocasionou que esta última deixasse de comunicar ao físico algumas de suas propriedades, quais sejam, a imortalidade, a impassividade, etc. Isto, obviamente, preparou as condições para a morte corporal, quando o organismo físico, sujeito agora à lei da entropia, já não fosse capaz de conter em si a substância espiritual, resultando disso a separação entre corpo e alma.
No campo físico, a passibilidade iniciada permitia ao corpo machucar-se, cansar-se e estar susceptível a mil acidentes. Pelo pecado, entrou a morte no mundo, dirá Paulo.
Queria, ainda, chamar a atenção para uma disposição psicológica que se inaugura no pecado. Na verdade, o pecado não se realiza somente com o ato, mas, antes, com o consentimento e a decisão de fazê-lo. A morte não é efeito do fruto, mas da desobediência. O primeiro efeito, então, é rebelar o sujeito contra a realidade, contra a verdade. Nessa rebeldia, ele ostentará uma falsa autonomia que se reafirma na medida em que enfrenta a Deus. Essa imposição, sendo identificada como um ato de liberdade e, portanto, de auto-completude, faz a auto-estima humana depender daquilo que na verdade a degrada.
Logo após tomarem do fruto e o comerem, notando agora a sua nudez, uma vez que haviam perdido a Graça, e percebendo a proximidade do Senhor, o segundo efeito do pecado é o esconder-se de Deus. Este esquivar-se da presença do Senhor implica um amor desordenado a si, fonte de todas as fugas diante do contínuo chamado divino; Adão queria estar seguro e, para isso, concentrava-se em suas próprias forças e no próprio engenho, que julgava suficientes de escondê-lo da divina presença; ou melhor, sabia que isso não adiantaria, mas, mesmo assim, irracionalmente, levava a tento a intenção, o que indica, de novo, uma rebeldia contra a realidade, contra a verdade. Aqui não somente a ignorância, mas também a mentira se instala no homem.
Flagrado na sua covardia, Adão se isenta da culpa e acusa a mulher que Deus lhe havia dado. Esta, por sua vez, acusa a serpente. Dir-se-ia que os seres humanos, com o pecado, ficam escorregadios. Não se reconhecem culpados, e passam a bola para os outros. Essa renúncia em expôr-se, uma espécie de covardia do enfrentamento e de assumir as responsabilidades dos próprios atos, é o que caracteriza, pelo pecado, a perda do amor, que, por sua vez, implicava em contato.
O que se observa, hoje, é a tendência que as pessoas têm de enfrentarem as outras pelas costas, mas, quando se encontram em suas presenças, minoram as críticas ou até nem as fazem. Respeito humano e falsidade são filhas da covardia. O ser humano, assim, fica tendente à ausência, quando o amor é presença. Esconder-se e culpar os outros, ou seja, uma fundamental falta de sinceridade e honestidade, de verdade consigo mesmo, são as consequências psicológicas do pecado original. Ora, uma pessoa que não é verdadeira está impedida de atos verdadeiros. A dissimulação anula a reconciliação, pois o eu não se coloca, de verdade, em contato com o outro. O pecado fez o homem vestir-se de uma armadura ilusória.
O amor, para existir, necessita ser readquirido a partir de uma disposição corajosa de enfrentamento. Cessar as distâncias e assumir responsavelmente as acusações, sem esquivar-se, sem afastar o rosto, é típico do homem saudável, que não mais se esconde. A covardia é uma doença da alma. O amor é a sua cura. O amor é a condição da reconciliação e perdão. A reconciliação com o outro é precedida pela reconciliação com a realidade, com a verdade. A verdade, sendo anterior ao amor, é precedida, por sua vez, por uma consideração correta de si mesmo. A intenção de ser deus sem Deus deve ser flagrada crua e corajosamente, e, então, deve ser extirpada. É o início da saúde. A graça divina, no entanto, aceita habitar o homem ainda antes de ter-se limpado de sua desonestidade visceral. É a graça quem o auxiliará a limpar as profundezas do seu ser. A graça foi conquistada pela morte, o enfrentamento por excelência, d'Aquele que, diante das ofensas, não afastou o rosto e não tentou se justificar. Jesus é a antítese de Adão decaído. Enquanto este, sendo mero humano, quis ser Deus, Aquele, sendo Deus, fez-se vero homem.
Flagrado na sua covardia, Adão se isenta da culpa e acusa a mulher que Deus lhe havia dado. Esta, por sua vez, acusa a serpente. Dir-se-ia que os seres humanos, com o pecado, ficam escorregadios. Não se reconhecem culpados, e passam a bola para os outros. Essa renúncia em expôr-se, uma espécie de covardia do enfrentamento e de assumir as responsabilidades dos próprios atos, é o que caracteriza, pelo pecado, a perda do amor, que, por sua vez, implicava em contato.
O que se observa, hoje, é a tendência que as pessoas têm de enfrentarem as outras pelas costas, mas, quando se encontram em suas presenças, minoram as críticas ou até nem as fazem. Respeito humano e falsidade são filhas da covardia. O ser humano, assim, fica tendente à ausência, quando o amor é presença. Esconder-se e culpar os outros, ou seja, uma fundamental falta de sinceridade e honestidade, de verdade consigo mesmo, são as consequências psicológicas do pecado original. Ora, uma pessoa que não é verdadeira está impedida de atos verdadeiros. A dissimulação anula a reconciliação, pois o eu não se coloca, de verdade, em contato com o outro. O pecado fez o homem vestir-se de uma armadura ilusória.
O amor, para existir, necessita ser readquirido a partir de uma disposição corajosa de enfrentamento. Cessar as distâncias e assumir responsavelmente as acusações, sem esquivar-se, sem afastar o rosto, é típico do homem saudável, que não mais se esconde. A covardia é uma doença da alma. O amor é a sua cura. O amor é a condição da reconciliação e perdão. A reconciliação com o outro é precedida pela reconciliação com a realidade, com a verdade. A verdade, sendo anterior ao amor, é precedida, por sua vez, por uma consideração correta de si mesmo. A intenção de ser deus sem Deus deve ser flagrada crua e corajosamente, e, então, deve ser extirpada. É o início da saúde. A graça divina, no entanto, aceita habitar o homem ainda antes de ter-se limpado de sua desonestidade visceral. É a graça quem o auxiliará a limpar as profundezas do seu ser. A graça foi conquistada pela morte, o enfrentamento por excelência, d'Aquele que, diante das ofensas, não afastou o rosto e não tentou se justificar. Jesus é a antítese de Adão decaído. Enquanto este, sendo mero humano, quis ser Deus, Aquele, sendo Deus, fez-se vero homem.
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
Trecho tirado de "A Cabana" - Expectativa e Responsabilidade
O trecho que vai abaixo é retirado do livro "A Cabana", de William P. Young, que, na mesma medida em que é famoso, é repudiado por católicos. De fato, a sua leitura deve ser feita com bastante atenção, pois há dissonâncias, mesmo, com a doutrina católica. No entanto, muitas das críticas que se divulgam por aí são meras afetações de gente que provavelmente nem leu, ou, se o fez, vestiu-se de pré-conceitos, isto é, já tinha uma idéia pré-concebida da obra bem antes de percorrer-lhe as páginas. Eu li esse livro há pelo menos uns quatro anos, e, na época, causou-me viva impressão. Em todo esse tempo, sempre me lembrava particularmente do trecho que ponho logo abaixo. Peço ao leitor, católico ou não, que se dispa de suas idéias prévias sobre a obra. Estranhe-a no sentido de permitir que ela se mostre. Isso é, antes de tudo, uma atitude de respeito, e é este respeito a pré-condição para qualquer compreensão genuína. "Sei que eu não sei", era a atitude que Sócrates gostava de desenvolver nos seus interlocutores, pois é só aí que o conhecimento torna-se possível. No excerto abaixo, comento vez ou outra naquilo que se distanciar claramente da doutrina católica ou que eu achar conveniente, e o farei entre parênteses e em vermelho. No entanto, não permita que essas desarmonias com a verdade vos impeçam de notar as excelentes intuições que o autor do texto pôs no que segue.
Situando vocês: o protagonista, Mack ou Mackenzie, está numa mesa, junto com as três pessoas da Trindade Santíssima, e as interroga. o Espírito Santo é referido pelo nome de Sarayu. Boa leitura.
***
- Por que vocês nos amam, os humanos? Eu acho... - Percebeu que não havia formulado bem a pergunta. - Acho que o que eu quero perguntar é: por que vocês me amam, quando não tenho nada a oferecer?
- Pense um pouco nisso, Mack - respondeu Jesus. - Você não experimenta uma forte sensação de liberdade ao saber que não pode nos oferecer nada, pelo menos nada capaz de acrescentar ou diminuir o que somos? Isso deve trazer um grande alívio, porque elimina qualquer exigência de comportamento.
- E você ama mais os seus filhos quando eles se comportam bem? - Acrescentou Papai.
- Não. Estou entendendo. - Mack fez uma pausa. - Mas eu me sinto mais realizado porque eles estão na minha vida. E vocês?
- Não - respondeu Papai. - Já somos totalmente realizados em nós mesmos. Vocês estão destinados a viver em comunhão também, já que são feitos à nossa imagem. Assim, sentir isso por seus filhos ou por qualquer coisa que "acrescente" é perfeitamente natural e certo. Lembre-se, Mackenzie, que por natureza eu não sou um ser humano, apesar de termos escolhido estar com você neste fim de semana. Sou verdadeiramente humano em Jesus, mas sou algo totalmente separado em minha natureza. (Aqui o modo de expressão não foi muito feliz. Alguns afirmam que o autor da obra tem uma perspectiva unitarista de Deus, como se as três pessoas fossem, na verdade, uma só. Isso parece ser indicado quando Deus Pai diz que é humano em Jesus. Na verdade, eles são pessoas distintas, ainda que tenham a mesma natureza.)
(...)
- Vocês sabem como me sinto grato por tudo, mas jogaram coisas demais no meu colo neste fim de semana. O que faço quando voltar? Qual é sua expectativa com relação a mim, agora?
Jesus e Papai se viraram para Sarayu, que estava com o garfo cheio de alguma coisa a caminho da boca. Ela pousou-o lentamente de volta no prato e depois respondeu à expressão confusa de Mack.
- Mack - começou ela -, você deve perdoar esses dois. Os humanos têm uma tendência a estruturar a linguagem de acordo com sua independência e com sua necessidade de comportamento. Assim, quando ouço a linguagem sofrer abusos em favor das regras e não ser usada para compartilhar a vida conosco, é difícil permanecer em silêncio.
- Como deve ser - acrescentou Papai.
- Então o que foi exatamente que eu disse? - Perguntou Mack, agora bastante curioso.
- Mack, vá em frente e termine de mastigar. Nós podemos conversar enquanto você come.
Mack percebeu que também estava com o garfo a caminho da boca. Mastigou agradecido o bocado enquanto Sarayu começava a falar. À medida que fazia isso, ela pareceu se alçar da cadeira e tremeluzir com uma dança de tons e cores sutis, enchendo suavemente a sala com uma variedade de aromas.
- Deixe-me responder com uma pergunta. Por que você acha que nós criamos os Dez Mandamentos?
De novo Mack estava com o garfo a meio caminho da boca, mas mesmo assim mastigou o bocado enquanto pensava na resposta.
- Acho, pelo menos foi o que me ensinaram, que é um conjunto de regras que vocês esperavam que os humanos obedecessem para viver com retidão e em estado de graça perante vocês.
- Se isso fosse verdade, e não é - respondeu Sarayu -, quantos você acha que viveram com retidão suficiente para entrar em nossas boas graças? (Dizer que não é verdade é excessivo, pois sabe-se que a graça de Deus está numa pessoa que não cometeu pecado mortal, isto é, que não transgrediu um dos 10 mandamentos. No entanto, isto não significa que cumprir a Lei está ao nosso alcance, e que, portanto, isso reforçaria a auto-suficiência, pois a Graça é a ajuda divina em nós. O autor não é católico, portanto não tem muito saber sobre esse ponto. Mas a sua argumentação seguinte segue válida nas suas intuições. Para esclarecer as relações entre pecado, Lei e graça, leia-se o livro de Romanos, capítulos 7 e 8.)
- Não muitos, se as pessoas são como eu.
- Na verdade, só um conseguiu: Jesus. Ele obedeceu à letra da Lei e realizou completamente o espírito dela. Mas entenda, Mackenzie: para fazer isso, ele teve de confiar totalmente em mim e depender totalmente de mim.
- Então por que vocês nos deram esses mandamentos?
- Na verdade, queríamos que vocês desistissem de tentar ser justos sozinhos. Era um espelho para revelar como o rosto fica imundo quando se vive com independência.
- Mas tenho certeza de que vocês sabem que há muitos que acham que se tornam justos seguindo as regras.
- Mas é possível limpar o rosto com o mesmo espelho que mostra como você está sujo? Não há misericórdia nem graça nas regras, nem mesmo para um erro. Por isso Jesus realizou todas elas por vocês, para que não tivessem mais poder sobre vocês.
Agora ela estava com força total, as feições crescendo e movendo-se.
- Mas tenha em mente que, se você viver sua vida sozinho e de forma independente, a promessa é vazia. Jesus afastou a exigência da lei. Ela não tem mais poder de acusar ou comandar. Jesus é a promessa e o cumprimento.
- Está dizendo que não preciso seguir as regras? - Agora Mack havia parado completamente de comer e estava concentrado na conversa.
- Sim. Em Jesus você não está sob nenhuma lei. Todas as coisas são legítimas. (Por mais que isso possa fazer franzir a testa do leitor, lembremos do que diz Sto Agostinho: "Ama e faze tudo o que queres". Obviamente, isto não significa dizer que todos os crimes e pecados estão, a partir de então, permitidos e liberados. Quer apenas dizer que uma pessoa que ama, ou, segundo o texto, que está em Jesus, agirá de modo correcto naturalmente, sem precisar regrar obsessivamente o seu comportamento.)
- Não pode estar falando sério! - gemeu Mack.
- Criança - interrompeu Papai -, você ainda não ouviu nada.
- Mackenzie - continuou Sarayu - só têm medo da liberdade os que não podem confiar que nós vivemos neles. Tentar manter a lei é na verdade uma declaração de independência, um modo de manter o controle.
- É por isso que gostamos tanto da lei? Para nos dar controle? - perguntou Mack.
- É muito pior do que isso - retomou Sarayu. - Ela dá o poder de julgar os outros e de se sentir superior a eles. Vocês acreditam que estão vivendo num padrão mais elevado do que aqueles a quem vocês julgam. Aplicar regras, sobretudo em suas expressões mais sutis, como responsabilidade e expectativa, é uma tentativa inútil de criar a certeza a partir da incerteza. As regras não podem trazer a liberdade. Elas só têm o poder de acusar.
- Uau! - De repente Mack percebeu o que Sarayu havia dito. - Está dizendo que a responsabilidade e a expectativa são apenas outra forma de regra? Ouvi direito?
- É - exclamou Papai de novo. - Agora chegamos ao ponto: Sarayu, ele é todo seu!
Mack tentou concentrar-se em Sarayu, o que não era uma tarefa simples.
Sarayu sorriu para Papai e de novo para Mack. Começou a falar lenta e decididamente:
- Mackenzie, eu sempre prefiro um verbo a um substantivo. Parou e esperou. Mack não tinha muita certeza de ter entendido.
- Hein?
- Eu - ela abriu as mãos para incluir Jesus e Papai (mais uma vez, atente-se que Deus é unidade de natureza, mas tríade de pessoas) - sou um verbo. Sou o que sou. Serei o que serei. (isso aqui não tem sentido) Sou um verbo! Sou viva, dinâmica, sempre ativa e em movimento. Sou um ser-verbo.
Mack tinha uma expressão vazia no rosto. Entendia as palavras, mas ainda não achava o sentido.
- E, como minha essência é um verbo - continuou ela -, sou mais ligada a verbos do que a substantivos. Verbos como confessar, arrepender-se, viver, amar, responder, crescer, colher, mudar, semear, correr, dançar, cantar e assim por diante. Os humanos, por outro lado, gostam de pegar um verbo vivo e cheio de graça e transformá-lo num substantivo ou num princípio morto que fede a regras. Os substantivos existem porque existe um universo criado e uma realidade física, mas, se o universo for apenas uma massa de substantivos, ele está morto. A não ser "eu sou", não existem verbos e os verbos são o que torna o universo vivo.
- E... - Mack ainda estava lutando, mas pareceu que um brilho de luz começava a iluminar seu pensamento. - E isso significa exatamente o quê?
- Sarayu pareceu não se perturbar com sua falta de entendimento.
- Para que alguma coisa se mova da morte para a vida, você precisa colocar algo vivo e móvel na mistura. Passar de uma coisa que é apenas um substantivo para algo dinâmico e imprevisível, para algo vivo e no tempo presente - um verbo -, é mover-se da lei para a graça. Posso dar alguns exemplos?
- Por favor. Sou todo ouvidos.
Jesus deu um risinho e Mack piscou para ele antes de se voltar para Sarayu. A sombra levíssima de um sorriso atravessou o rosto dela enquanto retomava:
- Então vamos usar suas duas palavras: responsabilidade e expectativa. Antes que suas palavras se tornassem substantivos, eram nomes que continham movimento e experiência: a capacidade de reagir e a prontidão. Minhas palavras são vivas e dinâmicas, cheias de vida e possibilidades. As suas são mortas, cheias de leis, medo e julgamento. Por isso você não encontrará a palavra responsabilidade nas Escrituras.
- Minha nossa! - Mack franziu a testa, começando a perceber onde isso ia dar. - Por outro lado, nós a usamos um bocado.
Ela continuou:
- A religião usa a lei para ganhar força e controlar as pessoas de que precisa para sobreviver. (Essa crítica, obviamente, não se aplica à essência religiosa, mas se aplica a movimentos religiosos que fogem aos princípios) Eu, ao contrário, dou a capacidade de reagir e sua reação é estar livre para amar e servir em todas as situações. Por isso, cada momento é diferente, único e maravilhoso. Como sou capacidade de reagir livremente, tenho de estar presente em vocês. A responsabilidade seria uma tarefa a realizar, uma obrigação a cumprir, algo para vencer ou fracassar.
- Minha nossa, minha nossa - disse Mack outra vez, sem muito entusiasmo.
- Usemos o exemplo da amizade e veremos que remover o elemento de vida de um substantivo pode alterar um relacionamento. Mack, se você e eu somos amigos, há uma prontidão dentro de nosso relacionamento. Quando nos vemos ou quando estamos separados, há a prontidão de estarmos juntos, de rirmos e falarmos. Essa prontidão não tem definição concreta: é viva, dinâmica, e tudo que emerge do fato de estarmos juntos é um dom único que não é compartilhado por mais ninguém. Mas o que acontece se eu mudar "prontidão" por "expectativa", verbalizada ou não? Subitamente a lei entra no nosso relacionamento. Agora você espera que eu aja de um modo que atenda às suas expectativas. Nossa amizade viva se deteriora rapidamente e se torna uma coisa morta, com regras e exigências. Não tem mais a ver com nós dois, mas com o que os amigos devem fazer ou com as responsabilidades de um bom amigo.
- Ou - observou Mack - com as responsabilidades de marido, de pai, empregado ou qualquer outra coisa. Entendi. Prefiro viver na prontidão.
- Eu também - disse Sarayu.
- Mas - argumentou Mack -, se não tivéssemos expectativas e responsabilidades, tudo não iria simplesmente desmoronar?
- Só se você fizer parte do mundo fora de mim, regido pela lei. As responsabilidades e as expectativas são a base para a culpa, a vergonha e o julgamento. Elas fornecem a estrutura que faz do comportamento a base para a identidade e o valor de alguém. Você sabe muito bem como é não atender às expectativas de alguém.
- Sei mesmo! - murmurou Mack. - É uma idéia que me traz tristes lembranças. - Parou brevemente, com um novo pensamento relampejando. - Você está dizendo que não tem expectativas com relação a mim?
Agora Papai falou:
- Querido, eu nunca tive expectativas com relação a você nem a ninguém. A idéia por trás disso exige que alguém não saiba o futuro ou o resultado e esteja tentando controlar o comportamento do outro para chegar ao resultado desejado. Os humanos tentam esse controle principalmente por meio das expectativas. Eu o conheço e sei tudo sobre você. Por que teria uma expectativa diferente daquilo que já sei? Seria idiotice. E, além disso, como não a tenho, vocês nunca me desapontam.
- O quê? Você nunca ficou desapontado comigo? - Mack estava se esforçando bastante pra digerir isso.
- Nunca! - declarou Papai enfaticamente. - O que tenho é uma prontidão constante e viva no nosso relacionamento e lhe dou a capacidade de reagir a qualquer situação e circunstância em que você se encontrar. Se passar a contar com expectativas e responsabilidades, você não me conhece nem confia em mim.
- E pela mesma razão - exclamou Jesus - você vive no medo.
- Mas... - Mack não estava convencido. - Mas você não quer que a gente estabeleça prioridades? Você sabe: Deus primeiro, depois sei lá o quê, seguido por mais não sei o quê?
- O problema de viver segundo prioridades - disse Sarayu - é que se vê tudo como uma hierarquia, uma pirâmide, e você e eu já falamos sobre isso. Se você puser Deus no topo, o que isso realmente significa? Quanto tempo você me dá antes de poder cuidar do resto do seu dia, da parte que lhe interessa muitíssimo mais?
Papai interrompeu de novo.
- Mack, não quero ser o primeiro da sua lista de valores. Quero estar no centro de tudo. Quando vivo em você, podemos viver juntos tudo que acontece com você. Em vez de uma pirâmide, quero ser como centro de um móbile, onde tudo em sua vida - seus amigos, sua família, seu trabalho, os pensamentos, as atividades - esteja ligado a mim, mas se movimente ao vento, para dentro e para fora, para trás e para frente, numa incrível dança do ser.
- E eu - concluiu Sarayu - sou o vento. - Ela deu um sorriso enorme e fez uma reverência.
Houve silêncio enquanto Mack procurava se controlar. Estivera segurando a borda da mesa com as duas mãos, como se quisesse agarrar algo tangível diante daquele tiroteio de idéias e imagens.
- Bom, chega disso - declarou Papai, levantando-se da cadeira. - É hora de diversão! Vocês vão em frente enquanto eu tiro as coisas que podem estragar. Cuido dos pratos mais tarde.
A Cabana, p. 154-160
terça-feira, 12 de agosto de 2014
Sta Teresa D'Avila tenta descrever a luz do Corpo glorioso de Jesus
"Não é brilho que deslumbre. É brancura suave, resplendor infuso que encanta a visa e não cansa. O mesmo digo da claridade em que se vê esta formosura tão divina. É luz tão diferente da que existe na terra, que a claridade do sol nos parece apagada, em comparação daquele fulgor esplêndido que se apresenta à nossa vista. Quem a viu uma vez não desejará mais abrir os olhos. É como contemplar uma água muito límpida que desliza sobre cristal refletindo o sol, e depois olhar outra muito turva correndo em dia de grande nevoeiro por cima da terra. Não é que se veja o sol, nem semelhança de luz solar. Em suma, é luz que mostra ser verdadeira, e a deste mundo é artificial. Luz que não conhece noite. Brilha sempre e nada a pode ofuscar.
Finalmente, é de tal sorte que, por grande inteligência que uma pessoa tivesse, não a poderia imaginar, esforçando-se todos os dias de sua vida. E Deus a apresenta tão subitamente à nossa vista, que nem há tempo para abrir os olhos se fosse preciso abri-los. Tanto faz estarem abertos como fechados, pois, quando o Senhor quer, vemos, ainda que não queiramos. Não há distração que o estorve, nem resistência possível, nem diligência, nem cuidado que o consiga."
Sta Teresa D'Avila, Livro da vida, Cap. 28, n.5.
Usufruir através de prazeres do que Cristo nos ganhou à custa de tanta dor?
"Por que havemos de querer tantos bens, deleites e glórias sem fim, tudo unicamente à custa do bom Jesus? Não choraremos sequer ao menos com as filhas de Jerusalém, pois que não o ajudamos a levar a cruz como o Cirineu? Com prazeres e passatempos havemos de usufruir do que ele nos ganhou à custa de tanto sangue? É impossível. E com honras vãs pensamos reparar um só dos desprezos que ele sofreu a fim de adquirirmos um reino eterno? Não tem cabimento. Errado, este caminho é errado; por ele nunca chegaremos lá."
Sta Teresa D'Avila, Livro da Vida. Cap.27, n.13.
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