sábado, 16 de agosto de 2014

O pecado original foi real - algumas consequências


O pecado original foi real, e, como tal, teve consequências graves e reais, tanto no âmbito espiritual quanto no psicológico e no físico. Ao invés de uma fantasia supersticiosa, o pecado original é condição indispensável para a compreensão do mundo e de nós mesmos.

Vamos olhar quais foram essas consequências.

No nível espiritual, o pecado rompeu a ligação vital entre a alma e Deus, gerando a morte naquela. Era dessa morte que Deus falava quando advertiu Adão para que não comesse da árvore no centro do Éden. No catolicismo, isso é referido como a perda da Graça santificante. A amizade entre Deus e o homem, que era simbolizada pelos passeios à tarde de Deus no jardim, rompeu-se. O homem não pode mais gozar da companhia divina. Frustrou o grande fim da sua existência. De agora em diante, seria uma espécie de morto-vivo, cambaleando no mundo enquanto a morte não o consome de vez.

Na dimensão imanente da alma, as faculdades também sofreram o efeito da rebelião do homem com Deus. Elas desentenderam-se entre si. Com efeito, há três faculdades da alma: inteligência, vontade e sensibilidade. Estas três faculdades, no homem perfeito, obedecem uma hierarquia em que a sensibilidade se submete à vontade e sobre estas reina a inteligência. Com o pecado - que também foi um pecado de Gula, pois Eva viu que a fruta tinha aspecto agradável e a tomou por sua própria vontade, o que caracteriza a violência da Superbia - a sensibilidade, então obedecida como falsa mãe das potências internas, passou a requerer este cargo, e, desde então, os homens vivem sob o jugo dessa rebelde. A inteligência, não tendo exercido o seu papel de confiar em Deus, a suma Verdade, mas deixando-se enganar, perdeu seu brilho e alcance originais, ficou rasteira, compreendendo com dificuldade. A vontade, que sempre a segue e que manteve seu papel, ficou, no entanto, além de conduzida erroneamente pela inteligência míope, enfraquecida nas suas determinações, pois também sofre sob as ordens da sensibilidade, podendo somente com dificuldade vencê-la. Assim, a vontade passou a amar, com pouca força, os objetos rasteiros que a inteligência decaída lhe mostrava, e o homem começou a se apegar às pequenezes materiais ao seu redor, uma vez que todo um universo espiritual lhe foi vedado, e que, mesmo aquilo que estaria ao seu alcance natural, agora lhe parecia oculto devido ao obscurecimento da inteligência. Sob o falso império da sensibilidade, as demais potências só decaíram ainda mais, pois então operam contra a sua verdadeira natureza, obedecendo a uma falsa rainha. Seria preciso muito esforço para que a inteligência e a vontade recuperassem algo de sua vitalidade, o que era possível fazer, mas não totalmente.

Entre corpo e alma, o vínculo enfraqueceu-se, o que ocasionou que esta última deixasse de comunicar ao físico algumas de suas propriedades, quais sejam, a imortalidade, a impassividade, etc. Isto, obviamente, preparou as condições para a morte corporal, quando o organismo físico, sujeito agora à lei da entropia, já não fosse capaz de conter em si a substância espiritual, resultando disso a separação entre corpo e alma.

No campo físico, a passibilidade iniciada permitia ao corpo machucar-se, cansar-se e estar susceptível a mil acidentes. Pelo pecado, entrou a morte no mundo, dirá Paulo.

Queria, ainda, chamar a atenção para uma disposição psicológica que se inaugura no pecado. Na verdade, o pecado não se realiza somente com o ato, mas, antes, com o consentimento e a decisão de fazê-lo. A morte não é efeito do fruto, mas da desobediência. O primeiro efeito, então, é rebelar o sujeito contra a realidade, contra a verdade. Nessa rebeldia, ele ostentará uma falsa autonomia que se reafirma na medida em que enfrenta a Deus. Essa imposição, sendo identificada como um ato de liberdade e, portanto, de auto-completude, faz a auto-estima humana depender daquilo que na verdade a degrada. 

Logo após tomarem do fruto e o comerem, notando agora a sua nudez, uma vez que haviam perdido a Graça, e percebendo a proximidade do Senhor, o segundo efeito do pecado é o esconder-se de Deus. Este esquivar-se da presença do Senhor implica um amor desordenado a si, fonte de todas as fugas diante do contínuo chamado divino; Adão queria estar seguro e, para isso, concentrava-se em suas próprias forças e no próprio engenho, que julgava suficientes de escondê-lo da divina presença; ou melhor, sabia que isso não adiantaria, mas, mesmo assim, irracionalmente, levava a tento a intenção, o que indica, de novo, uma rebeldia contra a realidade, contra a verdade. Aqui não somente a ignorância, mas também a mentira se instala no homem.

Flagrado na sua covardia, Adão se isenta da culpa e acusa a mulher que Deus lhe havia dado. Esta, por sua vez, acusa a serpente. Dir-se-ia que os seres humanos, com o pecado, ficam escorregadios. Não se reconhecem culpados, e passam a bola para os outros. Essa renúncia em expôr-se, uma espécie de covardia do enfrentamento e de assumir as responsabilidades dos próprios atos, é o que caracteriza, pelo pecado, a perda do amor, que, por sua vez, implicava em contato.

O que se observa, hoje, é a tendência que as pessoas têm de enfrentarem as outras pelas costas, mas, quando se encontram em suas presenças, minoram as críticas ou até nem as fazem. Respeito humano e falsidade são filhas da covardia. O ser humano, assim, fica tendente à ausência, quando o amor é presença. Esconder-se e culpar os outros, ou seja, uma fundamental falta de sinceridade e honestidade, de verdade consigo mesmo, são as consequências psicológicas do pecado original. Ora, uma pessoa que não é verdadeira está impedida de atos verdadeiros. A dissimulação anula a reconciliação, pois o eu não se coloca, de verdade, em contato com o outro. O pecado fez o homem vestir-se de uma armadura ilusória.

O amor, para existir, necessita ser readquirido a partir de uma disposição corajosa de enfrentamento. Cessar as distâncias e assumir responsavelmente as acusações, sem esquivar-se, sem afastar o rosto, é típico do homem saudável, que não mais se esconde. A covardia é uma doença da alma. O amor é a sua cura. O amor é a condição da reconciliação e perdão. A reconciliação com o outro é precedida pela reconciliação com a realidade, com a verdade. A verdade, sendo anterior ao amor, é precedida, por sua vez, por uma consideração correta de si mesmo. A intenção de ser deus sem Deus deve ser flagrada crua e corajosamente, e, então, deve ser extirpada. É o início da saúde. A graça divina, no entanto, aceita habitar o homem ainda antes de ter-se limpado de sua desonestidade visceral. É a graça quem o auxiliará a limpar as profundezas do seu ser. A graça foi conquistada pela morte, o enfrentamento por excelência, d'Aquele que, diante das ofensas, não afastou o rosto e não tentou se justificar. Jesus é a antítese de Adão decaído. Enquanto este, sendo mero humano, quis ser Deus, Aquele, sendo Deus, fez-se vero homem.

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