O que tem grande importância para a virtude é o amor: porque o obstáculo fundamental à vida moral é o egoísmo e porque a mais profunda aspiração da vida moral é ser libertado de si mesmo, só o amor, porque é dom de si, é capaz de remover esse obstáculo e levar essa aspiração a sua realização. Mas o próprio amor está cercado por nosso central egoísmo e perpetuamente em perigo de se emaranhar nele ou de ser por ele capturado, ou porque esse egoísmo faz daqueles que amamos uma preso de nosso devorador amor próprio, ou porque os engloba no implacável amor próprio do grupo, de maneira a excluir de nosso amor os outros homens. O amor não se dirige a idéias, a abstrações, a possibilidades, mas sim a pessoas vivas. Deus é a única pessoa na qual o amor humano pode se atirar e se estabelecer de modo a abranger também todos os outros seres e libertar-se plenamente do amor egoísta de si mesmo.
O amor tanto o humano como o divino não são matérias de estudo ou ensinamento, pois ele é um dom. O amor de Deus é um dom da natureza e da graça, eis porque é objeto do primeiro mandamento. Como nos poderia ter sido ordenada a prática de um poder que não tivéssemos recebido ou que não podemos antes receber? Não há métodos nem técnicas humanas para se adquirir ou desenvolver a caridade, nem qualquer outra espécie de amor. Há, contudo, uma educação da caridade: educação que é obtida tanto pela provação e sofrimento como pelo auxílio e instrução humanos, daqueles cuja autoridade moral é reconhecida por nossa consciência.
A primeira esfera educacional a ser considerada aqui é a da família. Acaso não é o amor familiar o protótipo de todo amor unindo uma comunidade humana? E o amor fraternal, não é o nome mesmo desse amor do próximo que faz um só com o de Deus? Por mais sérias que sejam as deficiências apresentadas pelo grupo familiar em alguns casos, por graves que sejam as perturbações e desintegração impostas à vida de família pelas condições econômicas e sociais de nossa época, a natureza das coisas não pode ser mudada. E é da natureza das coisas, que a vitalidade e as virtudes do amor se desenvolvam na família, em primeiro lugar. Não só os exemplos dos pais e as regras de conduta que eles inculcam, e a inspiração, como os hábitos religiosos que eles conservam e as lembranças de seus antepassados que transmitem, numa palavra, a obra educativa que realizam diretamente, mas também de maneira mais geral, as experiências e as provações suportadas em comum, os esforços, os sofrimentos, as esperanças, a luta diária da vida familiar, e o amor cotidiano que cresce no meio de palmadas e beijos, tudo isso constitui os instrumentos normais que colaboram na formação da vontade e dos sentimentos da criança.
A sociedade composta dos pais, irmãos e irmãs é a primeira sociedade humana, e o primeiro meio humano, onde consciente ou inconscientemente, ela conhece o amor e no qual recebe seu alimento moral. Aí, os conflitos e as harmonias têm ao mesmo tempo valor educativo. O menino que teve experiência da vida comum com suas irmãs, a menina que viveu com seus irmãos, adquiriram, sem que suspeitem, um avanço moral inestimável e insubstituível no que concerne às relações entre os sexos. E o que mais importa, o amor filial e o fraternal criam no coração da criança esse recanto de ternura e repouso, de cuja lembrança o homem tem tamanha necessidade e para o qual talvez depois de anos de amargura se voltará sempre que despertar nele um desejo natural de bondade e paz.
MARITAIN, Jacques. Rumos da educação. Rio de Janeiro: Agir, 1968. pp.152-154.
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