Quando pensamos, porque pensamos o que pensamos? A Psicanálise freudiana trabalha com a idéia de determinismo psíquico, que equivale a dizer que todos os nossos pensamentos são causados por relações que ocorrem numa esfera inconsciente. Isso se daria em conjunção com os eventos externos. Esta combinação geraria o pensamento, ao mesmo tempo que negaria qualquer tipo de liberdade. Será isto verdade? Estaria eu escrevendo estas linhas porque estou obrigado a isso por quaisquer interesses inconscientes que eu tenha e dos quais não me dou conta? Ora, é muito fácil sustentar como prova disso o próprio fato de que eu não o percebo. Seria possível provar qualquer coisa. Por exemplo, eu posso dizer ao leitor que ele tem uma profunda vontade inconsciente de levar uma injeção. E por que ele não percebe? Justamente porque é inconsciente, oras. É um conceito falho e que nega aquilo que sabemos por uma intenção direta: somos livres e podemos decidir o que fazemos, e, também, o que pensamos.
Aqui há um problema. Alguém poderia redarguir e dizer que, embora quisesse, não consegue ficar sem se distrair. Logo, não é verdade que há total liberdade psicológica à moda cartesiana. Antes de entrar neste problema, notemos o seguinte. A consciência tem uma natureza intencional, o que significa dizer que ela sempre se dirige a um objeto, é sempre "consciência de". Antes, porém, de ela se dirigir a uma realidade em particular, é preciso um ato de volição. Por isso, embora seja verdade que a vontade segue a inteligência, também é verdade que a inteligência, no seu caráter intencional, é precedida por um ato de deliberação.
Aristóteles diz, na sua Ética, que todo ato humano, sem exceção, busca a eudaimonia ou felicidade. A felicidade deve ser entendida como a realização de si mesmo. Jesus diz algo parecido: "onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração." Coração aqui pode ser entendido como vontade, pensamento, atenção, etc. Se todos os nossos atos visam, então, essa realização do eu, e sendo o pensamento um ato, logo podemos dizer que os nossos pensamentos gravitam em torno dos nossos interesses. Se na própria matriz das nossas ações há essa seleção epicurista feita pelo nosso eu, é óbvio, então, que as nossas distrações seguirão a mesma lógica.
O que é uma distração? É como um pensamento que se insinua por baixo de um outro no qual está atualmente a nossa atenção. O que, contudo, caracteriza a distração não é exatamente o pensamento, mas a atenção que então abandona o seu atual objeto de foco e como que dá uma olhadela no outro. A distração, assim, seria um tipo de salto entre idéias; se este salto é dado numa direção de fuga do assunto atual, dizemos que, então, houve uma desatenção, ou falta de atenção no objeto devido.
Por que, no entanto, há esse movimento centrífugo? Dizíamos que a consciência é intencional, e, portanto, há, antes da atenção, a deliberação sobre a direção da atenção, o que configura um ato. Todo ato visa a felicidade. Logo, as nossas distrações se dão em função de objetos do nosso interesse. Pensemos: para onde vai a nossa mente quando, numa aula, nos distraímos? E por que nos distraímos?
É fácil nos distrairmos quando o objeto visado atualmente não nos causa interesse particular. Outras vezes, ele até nos interessa, mas somente em função do seu fim; o processo pelo qual atingimos aquele fim, ao contrário, nos parece enfadonho, e daí temos o sono ou as distrações. Isso ocorre muito quando estudamos. Ninguém leria uma declaração de amor de forma distraída. Já uma bula de remédio pegada a esmo quase não consegue "cativar" a atenção. Uma dos fatores distrativos é a monotonia. Sabemos que rezar é algo excelente. No entanto, orações como o terço, etc., tendem a nos dar sono tão logo as consideremos como possibilidade.
Quando nos distraímos, a nossa mente vaga por objetos de nosso interesse, através de situações que podemos chamar positivas e negativas. As positivas são quando consideramos diretamente realidades que desejamos: uma namorada, um amigo, uma comida, um divertimento, um passeio, uma viagem, etc. As negativas são quando temos medo de perder alguma coisa: uma doença, uma briga, uma demissão, etc.
Dito isto, devemos considerar de que modo podemos adquirir uma liberdade maior com relação a esse magnetismo imanente à consciência. São João da Cruz condensa seu método na seguinte recomendação: "não queira ter gosto em coisa alguma." Isto é: não considerar mais o atrativo das coisas para fazê-las, nem o desconforto que elas causam para deixar de realizá-las. O nosso intuito deve se concentrar, antes, no dever de fazê-las ou não. Isso, no entanto, se nos revela um tanto difícil, pois nossas considerações se dão já depois da seleção natural operada pela nossa consciência. Além disso, uma vez que é traço inerente de todo ato humano o buscar a felicidade, de que modo podemos ter uma ação que não siga essa lógica?
A orientação para a felicidade, inclinação humana visceral e imparável, é a própria raiz do condicionamento dos nossos atos aos nossos interesses. Onde estiver o nosso tesouro, lá estará o nosso coração, a nossa atenção. No entanto, como sabemos, os nossos atos, embora orientados para a felicidade, podem manifestar-se no sentido oposto. Na perspectiva cristã, os desejos satisfeitos de modo equivocado antes afastam o sujeito da felicidade do que o aproximam, isto é, contrariam, na sua própria efetivação, a sua razão de ser. Isso instaura uma divisão no homem: ele segue tendendo para a felicidade, mas age no sentido oposto, ainda que esta ação nasça daquela disposição. É fácil concluir que em continuar satisfazendo-se, ocorrerá o progressivo distanciamento do fim visado e, como este fim é a causa dos desejos, estes desejos são frustrados no ato mesmo em que são satisfeitos. O único modo de corrigir os atos a fim de que se harmonizem com o princípio é regrando-os através da auto-imposição em direção a um dever, sem levar em consideração o apelo ou a aversão que tal dever exerce sobre a vontade. Esta prática é o que os cristãos chamam de mortificação e que tem como efeito a libertação da vontade das suas inclinações tanáticas ou patológicas. A vontade, livre das suas dependências de estímulos imediatos, recupera-se de sua miopia e cessa de constranger a inteligência que, então, abre-se novamente a dimensões superiores, redimensionando todo o organismo espiritual da pessoa.
É preciso, portanto, vencer o princípio de prazer, que tira a sua razão de ser da orientação transcendente do homem à felicidade ao mesmo tempo em que o afasta desta vocação. Isto significa necessariamente que alguém que vença essas inclinações será uma pessoa menos distraída e com maior capacidade de foco. Ainda que não sejam consideradas as vantagens espirituais em senso estrito, a vitória sobre esta escravidão fundamental de todos nós que é o de buscar somente o que nos agrada favorecerá o próprio indivíduo na sua vida comum.
É preciso, portanto, vencer o princípio de prazer, que tira a sua razão de ser da orientação transcendente do homem à felicidade ao mesmo tempo em que o afasta desta vocação. Isto significa necessariamente que alguém que vença essas inclinações será uma pessoa menos distraída e com maior capacidade de foco. Ainda que não sejam consideradas as vantagens espirituais em senso estrito, a vitória sobre esta escravidão fundamental de todos nós que é o de buscar somente o que nos agrada favorecerá o próprio indivíduo na sua vida comum.
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