Em nossa avaliação da consciência moderna, temos de levar em conta a importância ainda imensa do cogito cartesiano. O homem moderno, na medida em que ainda é cartesiano (vai, é claro, muito além de Descartes em muitos aspectos), é um sujeito para quem a consciência do seu próprio eu, como um "eu" que pensa, observa, mede e calcula, é absolutamente primordial. É para ele a única indubitável "realidade" e todas as verdades têm aí início. Quanto mais for capaz de desenvolver sua consciência, como um sujeito acima e em confronto com objetos, tanto mais poderá entender as coisas e objetos em favor de seus próprios interesses. Mas, ao mesmo tempo, mais tende a isolar-se em sua prisão subjetiva, para tornar-se um observador solitário, separado de tudo mais, numa espécie de bolha de sabão transparente, alienada, que contém toda a realidade na forma de uma experiência puramente subjetiva. A consciência moderna, então, ou a conscientização, tende a criar essa bolha solipsística de "estar ciente" - um auto-ego encarcerado em sua própria consciência, isolado e sem contato com outros seres iguais a ele na medida em que são todos "coisas" em lugar de pessoas.
Foi essa espécie de conscientização, exacerbada ao extremo, que tornou inevitável a assim chamada "Morte de Deus". O pensamento cartesiano começou pela tentativa de alcançar Deus como objeto, partindo do eu pensante. Mas, quando Deus se torna objeto, mais cedo ou mais tarde "morre", pois Deus como objeto é, afinal, coisa impensável. Deus como objeto não é apenas mero conceito abstrato, mas conceito que contém tantas contradições internas que se torna "não negociável", exceto quando é transformado, enrijecido em um ídolo mantido na existência apenas por forte ato de vontade. Por muito tempo o homem continuou a ser capaz de exercer esse ato de vontade; agora, porém, o esforço tornou-se exaustivo e muitos cristãos compreendem a sua inutilidade. Relaxando o esforço, abriram mão do "Deus-objeto" que seus pais e avós esperavam ainda manejar para seus próprios fins. O cansaço desses cristãos explica o elemento de ressentimento que fez disso um "assassinato" consciente da divindade. Libertada da tensão de querer manter voluntariamente na existência o Deus-objeto, a consciência cartesiana permanece ainda assim aprisionada em si mesma. Daí a necessidade de sair de si para estar com "o outro" no "encontro", na "abertura", na "fraternidade", na "comunhão".
No entanto, o grande problema está no fato de que, para o cartesiano conscientizado, o "outro" é também um objeto. Não é preciso aqui nos alongarmos sobre o esforço moderno, de grande importância para restaurar no homem a consciência do "outro", irmão seu, dando-lhe o status de "eu-tu". Será possível uma autêntica relação "eu-tu", de fato, em se tratando de um sujeito puramente cartesiano?
Lembremo-nos, entretanto, de que outra conscientização metafísica ainda está ao alcance do homem moderno. Tem início não no sujeito pensante e autoconsciente mas no Ser visto como estando ontologicamente para além e antes da divisão sujeito-objeto. Subjacente à experiência do ser individual, há a experiência imediata do Ser. Isso é totalmente diverso da experiência autoconsciente. É completamente não objetiva. Nada tem da divisão e da alienação que ocorrem quando o sujeito se torna consciente de si como quase-objeto. A conscientização do Ser (seja que o consideremos positiva ou negativamente e apofaticamente, como no budismo é experiência imediata que vai além da tomada de consciência refletida) não é "consciência de" mas "pura conscientização" em que o sujeito como tal "desaparece".
Posteriormente a essa experiência imediata, de uma base que transcende a experiência, emerge o sujeito com sua autoconsciência. Porém, como as religiões orientais e o misticismo cristão o têm sublinhado, esse sujeito autoconsciente não é algo de finalizado ou absoluto; é uma autoconstrução provisória, que existe por motivos práticos, apenas numa esfera de relatividade. Sua existência tem sentido na medida em que não ocorre a fixação ou a centralização sobre si mesmo, como fim, e aprende a funcionar não como seu próprio centro mais como "de Deus" e "para os outros". O termo cristão "de Deus" implica aquilo que as filosofias religiosas não teístas concebem como um Único Centro hipotético de todos os seres. É o que T. S. Eliot denominava "o ponto imóvel do mundo que gira", mas que o budismo, por exemplo, não vê como um "ponto", mas como um "vazio". (E, evidentemente, o vazio não é visto de modo algum).
Em resumo, essa forma de conscientização assume uma espécie de autopercepção totalmente diferente da do eu pensante cartesiano, que tem em si mesmo sua própria justificação. Aqui, o indivíduo tem consciência de si como um eu-a-ser-dissolvido no dar-se, no amor, na "entrega", no êxtase, em Deus - há muitas maneiras de expressá-lo.
O eu não é o seu próprio centro e não gravita em torno de si; está centrado em Deus, o único centro de todos, que está "em toda parte e em nenhum lugar", em quem todos se encontram, de quem todos procedem. Assim, logo de início essa consciência está disposta a encontrar "o outro" como quem já está unido, de qualquer forma, "em Deus".
A intuição metafísica do Ser é uma intuição sobre uma base de abertura, de fato, uma espécie de abertura ontológica e uma infinita generosidade que se comunica a tudo que existe. "O bem é difusivo de si próprio", ou "Deus é Amor". A abertura não é algo a ser adquirido. É, sim, do radical que foi perdido e tem de ser reencontrado (embora, em princípio, ainda esteja "ali", nas raízes de nosso ser criado). Essa linguagem é mais ou menos metafísica, mas há também um modo não-metafísico de declará-lo. Não considera Deus como Imanente ou como Transcendente e sim como graça e presença. Portanto, não como "Centro" imaginado em algum lugar "ali fora", nem, tampouco, "dentro de nós". Encontra-o, não como Ser, mas como Liberdade e Amor. Eu diria desde o início que o importante não consiste em opor este conceito gracioso e profético à ideia metafísica e mística de união com Deus, e sim em demonstrar onde as duas ideias procuram realmente expressar a mesma espécie de conscientização, ou, pelo menos, dela aproximar-se por maneiras variadas.
Thomas Merton, Zen e as aves rapina
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