Amor e pobreza, como eu digo vez ou outra, são como as duas hastes da Cruz. Essa é uma afirmação sem qualquer preocupação de exatidão teológica, por favor.. rs A identificação das duas virtudes com as hastes da cruz é, claro, arbitrária. Mas a Cruz é, sim, a perfeição, tanto do amor, quanto da pobreza.
Ora, se a cruz é o caminho do cristão, é a sua insígnia muito querida e, como diz a Igreja, é a única esperança, convém, então, aprender algo do que seja isso. Quero, como sempre, enfatizar então estas duas virtudes. Já falei bastante delas, mas pretendo agora, quem sabe, pôr novas luzes nisso aí. rs
Vou seguindo um estilo bem informal.
Nós sabemos que, dentre todas as virtudes, o amor ou a caridade, para usar o termo paulino, é a que tem predominância, é a mais importante. O amor é a própria substância divina. Deus é amor, escreve S. João. O homem, chamado a imitar a Deus, deve viver este amor que o configura à vida de Cristo.
O amor, então, é a consumação da vida cristã autêntica. Acontece, porém, que o amor não é qualquer coisa. Como a iniquidade costuma fazer imitações ou macaquices de tudo aquilo que é bom, o amor, sendo a essência da vida cristã, claramente iria ser objeto de desvirtuação. Daí os inúmeros falsos conceitos e falsas versões do amor. O sucesso das telenovelas se deve a isto, ao mesmo tempo em que elas reforçam esta onda de distorção dos valores cristãos. É bem como escrevia o Chesterton.
Na vida cristã, porém, não podemos ter o luxo de seguir um ideal subjetivo do que seja o amor. Até porque, tendo a Deus por origem, o amor não terá esta multiplicidade de natureza. Não, de forma alguma. Deus é um só e, portanto, o amor, embora possa ser manifestado de diversas formas (ágape, eros, filos), tem uma mesma natureza última. Isso aí pode ser discutido e melhor explicado, mas, por ora, passemos a questão.
Dizíamos que é preciso aderir ao modo correto do amor. É o que S. João da Cruz, recorrente nas minhas citações, diz: "aprende a amar como Deus quer ser amado, e deixa a tua condição". Deus, que é amor, quer ser amado de modo correto. Até chegarmos a este tipo de amor, será preciso renunciar bastante coisa, purificar o nosso conceito e a nossa prática. E este processo de aperfeiçoamento do amor é gradativo.
Vamos, então, ao caminho.
A pobreza, virtude muito alta e muito querida minha, é a que nos disponibiliza para amar corretamente e purifica a nossa visão. Eu já tratei disso aqui e expliquei como a pobreza nos dispõe para a contemplação, conforme Jesus mesmo disse: "Felizes os pobres porque verão a Deus".
Pois bem. Também a pobreza tem seus macacos. Há o pessoal da TL que tenta beatificar o marxismo e tende a identificar a pobreza da qual Jesus falou à simples condição de indigência social, o que não tem nada a ver. Se assim fosse, a miséria social deveria ser buscada como um bem. Mas isso não tem nada a ver.
Outro modo de perverter a pobreza cristã está na concepção errada do Mestre Eckhart. Ele parece pretender que esta virtude deve ser buscada como um fim em si mesmo. Em certos trechos, diz ele que até da presença de Deus a pessoa deve se esvaziar, ou algo semelhante. Isto é bastante equivocado. Esta visão se assemelha a um relato que li, de um biógrafo suspeito de S. Francisco de Assis, o Frei Ignácio Larrañaga, onde ele diz que, a determinada altura, S. Francisco, bastante cioso com a prática da pobreza na sua ordem, sofria demasiado porque os freis abandonavam este ideal. Indo, depois, ter com Clara, Francisco teria manifetado a ela o seu pesar, ao que Clara teria respondido algo assim: "Francisco, estás tão voltado para o ideal da pobreza, que não estás enxergando a única coisa! Que Deus é e que só há isso!"
Seja ou não verdadeiro, o relato serve para elucidar o papel da pobreza como disponibilizadora para o amor. Ao redescobrir o abismo divino acima da própria virtude da pobreza, Francisco tinha redescoberto a verdadeira pobreza espiritual. Portanto, a visão de Eckhart desta virtude como um fim em si mesmo é equivocada.
Continuemos, então.
A pobreza corta os imperativos da soberba que são, basicamente, dois: busca do prazer e fuga da dor. A alma que obedece cegamente a estes princípios egoístas tem, por força, um horizonte muito estreito. Sua visão somente poderá ser alargada pela vivência da filosofia da cruz. A cruz é o avesso da soberba; por isto que ela é um instrumento de liberdade.
A pobreza, então, permite que nós persistamos num determinado projeto, mesmo que aquilo não nos dê um prazer sensível ou, até, seja, a princípio, um pouco desagradável. Além disto, ela também nos permite uma grande liberdade de negar aquilo que, não obstante nos desse prazer, constituísse algo ilícito. "Faz as coisas somente pela razão de fazê-las" escreveu o doutor da Igreja que citei acima, isto é, realiza os teus trabalhos independentemente do gosto que neles encontras.
Continuo depois.