sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Umas coisitas sobre o tão alardeado "Não Julgue"



Esse negócio passou a ser tão falado, tão martelado, que quase se tornou uma nova verdade de fé. Quando alguém não quer ser incomodado nos seus erros, ele simplesmente solta um "não julgue". A expressão, tirada do Evangelho, é frequentemente jogada na cara dos cristãos como um modo de desmascarar-lhes a contradição e a hipocrisia: "como pode um seguidor de Jesus viver julgando outra pessoa?" A coisa fica ainda mais eficaz se, à referida apelação, o sujeito une aquela outra: "quem não tiver pecados, que atire a primeira pedra..." Se esta conexão de trechos é feita, consegue-se comumente gerar um efeito romântico e de afetação tal  que, em muitos casos, isto será suficiente para que as coisas voltem à mais pura paz - uma paz meio desajeitada -, sendo que a situação final se inverte: agora, o que pretendia ajudar é quem sai como criminoso.

Mas, meditemos um pouco sobre essa questão do julgamento.

Primeiramente, saibamos que julgar é fazer um juízo, e isto é próprio da inteligência humana. Se eu digo que ser religioso é bom, estou fazendo um julgamento. Se digo que ser ateísta é mau, estou fazendo outro julgamento. Se fôssemos seguir a lógica destes sofredores do "complexo de vitíma", também conhecida como "síndrome do não me toque", ninguém poderia afirmar mais nada. Não poderíamos dizer que nada é bom, nem ruim. Ora, é isto que eles querem fazer crer ser o ensinamento de Jesus?

É óbvio que não. Muito pelo contrário, é bem nosso dever fazer julgamentos sobre o que é certo e o que é errado. Se eu vir uma velhinha sendo espancada na rua, não terei dúvida alguma em julgar aquele ato como um ato ruim. E se o tal espancador me vier com conversinha de "não julgue" ou "quem não tiver pecado...", eu lhe deveria quebrar os dentes.

No mais, se fazer julgamentos fosse errado, coitados dos juízes! Estariam todos condenados!

Contudo, Jesus diz mesmo lá nos Evangelhos: "Não julgueis para não serdes julgados". E agora, José?...

É óbvio que Jesus, sendo Deus, não comete erros; muito menos, cometeria um erro tão primário.

Quando o Cristo proíbe o julgamento, ele está se referido ao julgamento de intenção. E o que é isso? É quando pretendemos dizer a intenção que um sujeito portava enquanto executava uma certa ação.

Se eu disser da ação que é certa ou errada, isto me é permitido e, a depender do caso, será mesmo um dever. Porém, com relação à intenção do sujeito da ação, isto naturalmente me escapa. Verdade que às vezes podem existir indícios mais ou menos fortes que nos fazem supor uma ou outra coisa. Mas convém saber que a certeza absoluta - a menos que a pessoa mesma diga - não é possível de ser constatada. Isto porque a intenção é algo da alma; está no íntimo. Logo, julgar a intenção de uma pessoa é precipitar-se em atribuir-lhe uma maldade intrínseca, quando não o podemos saber.

Um exemplo: um mendigo volta-se para um homem que passeia na rua e pede-lhe um trocado. Este não lho dá. Alguém observa de longe o ocorrido e, a partir do que viu, poderá dizer se a atitude de negar a ajuda foi boa ou má. Ou seja, lhe é permitido, como ser dotado de inteligência e de um senso moral, julgar a ação do outro. Porém, com que intenção aquela pessoa negou a esmola, isto ele não poderá fazer. A intenção nos escapa.

Porém, o mais engraçado está justamente aqui: quando eu digo que outra pessoa está me julgando desse modo, na verdade, eu é que a estou julgando, a menos que ela o revele expressamente. Pois afirmar que outro me julga, quando ele não o demonstrou inequivocamente, é precipitar-me a respeito do seu interior, da sua intenção mesma. Se assim é, os repentistas do "não me julgue" são, eles mesmos, sujeitos da ação que recriminam.

Os cristãos também estão proibidos, pelo próprio Jesus Cristo, de julgarem a intenção. Porém, uma vez que Jesus é a luz que ilumina todo homem e uma vez que nos revelou qual a vontade do Pai, nós podemos saber o que é certo e o que é errado, de modo que não fazer o julgamento objetivo da realidade implica em infidelidade ao dever assumido. Dito de outra forma: os cristãos devem fazer julgamentos sobre a realidade objetiva.

É por isto que um cristão pode ser tolerante com a pessoa que erra, mas absolutamente intolerante com o erro.

Só para terminar: sobre esse papo de "quem não tiver pecado..."

O discurso cristão não tira seu valor da vida dos indivíduos que o pregam - embora estes estejam obrigados sim a levar uma vida coerente -, mas tem seu fundamento no próprio Cristo. Não é porque somos imperfeitos que nos está vedada a defesa e a promoção do ideal da perfeição. E é justamente aí que está a grandeza do cristianismo: ele não se fundamenta em nós. É algo pelo que nós mesmos devemos mudar para alcançar e que não se identifica necessariamente com as nossas inclinações ordinárias.

Enfim... Reflitamos sobre essas coisas e não julguemos os cristãos quando estes dizem, referindo-se a certas situações, que são erros e merecem censura. Se os acusamos logo de hipocrisia, estamos nos precipitando sobre as suas intenções e demonstrando que hipócritas, na verdade, somos nós.

Que Jesus Cristo, o Logos divino, nos conceda compreender.

Ad Iesum Per Mariam

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