sexta-feira, 15 de junho de 2012

Sou o que sou diante de Deus, e nada mais


A sinceridade é o ato pelo qual me coloco a mim mesmo sob o olhar de Deus. Não há sinceridade de outro modo. Pois somente para Deus não há mais espetáculo, não há mais aparência. Ele próprio é a pura presença de tudo o que é. Quando me volto para ele, nada mais conta em mim, a não ser o que eu sou. 

Pois Deus não é apenas o olho sempre aberto ao qual nada posso dissimular do que sei de mim mesmo, ele é a luz que atravessa as trevas e que me revela tal como sou, sem que eu soubesse que era. O amor próprio que me ocultava de mim mesmo é uma roupa que cai de repente. Um outro amor me envolve, tornando minha alma transparente.

Enquanto a vida persiste em nós, conservamos ainda a esperança de mudar o que somos ou de dissimulá-lo. Mas quando nossa vida é ameaçada ou está perto de acabar, somente o que somos importa. Só diante da morte somos perfeitamente sinceros, porque a morte é irrevogável e dá à nossa existência, completando-a, o caráter do absoluto. É o que exprimimos ao imaginar o olhar de um juiz a quem nada escapa e que, logo após a morte, vê a verdade da nossa alma até nos seus meandros mais remotos. E o que significa esse olhar senão a impossibilidade em que estamos de acrescentarmos algo ao que fizemos, de nos evadirmos num novo futuro, de distinguirmos ainda nosso ser real do nosso ser manifesto e, no momento em que a vontade se torna impotente, de não abarcarmos num ato de contemplação pura esse ser agora realizado, ele que até então era apenas um esboço sempre sujeito a retoques?

Não basta à sinceridade evocar a Deus como testemunha, ela deve evocá-lo também como modelo. Pois a sinceridade não é somente ver-se em sua luz, mas realizar-se conforme sua vontade. Que sou eu, senão o que ele me pede para ser? Mas uma distância infinita logo se revela a mim entre o que faço e esse poder que está em mim e que meu único desejo é exercer: é que não cesso de faltar a ele e, na medida mesma em que falto, não sou mais para mim e para outrem senão uma aparência que um sopro dissipa e que a morte abolirá.

Tal é o verdadeiro sentido que devemos dar a estas palavras: "Todo aquele, portanto, que se declarar por mim diante dos homens, também eu me declararei por ele diante de meu Pai que está nos Céus. Aquele, porém, que me renegar diante dos homens, também o renegarei diante de meu Pai que está nos Céus" (Mt 10,32-33).

Louis Lavelle

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