segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Que terrível é este lugar!


Há cerca de 2000 anos, o povo judeu costumava, anualmente, subir a Jerusalém; esta viagem era motivo de grande alegria, pois estas pessoas sabiam que Jerusalém era a cidade de Deus, onde havia o Templo. Para lá chegar, eles não notavam as dificuldades ou a distância; ainda ao longe, quando somente avistavam a Cidade Santa, rompiam em cânticos e lágrimas pela graça de, mais uma vez, visitarem o lugar onde Deus estava.

Como expressão desta singular experiência, lemos nos Salmos: "Que alegria quando ouvi que me disseram: vamos subir à casa do Senhor! Eis que nossos pés já se detêm em vossas portas, ó Jerusalém! Jerusalém, cidade tão bem edificada, que forma um tão belo conjunto! Para lá sobem as tribos, as tribos do Senhor, segundo a lei de Israel, para celebrar o nome do Senhor. Lá se acham os tronos de Justiça, os assentos da casa de Davi. Pedi, vós todos, a paz de Jerusalém, e vivam em segurança os que te amam. Reine a paz em teus muros, e a tranquilidade em teus palácios. Por amor de meus irmãos e de meus amigos, pedirei a paz para ti. Por amor da casa do Senhor, nosso Deus, pedirei para ti a felicidade" (Sl 121,1-9).

Quando se sabe que Deus está, de forma particular, num determinado lugar, é grande a alegria de um servo Seu ao se perceber na Presença dELe. É o que acontece com Jacó que, ao acordar, vê que está em sólo sagrado. Dele diz a Escritura: "Jacó, despertando de seu sono, exclamou: 'Em verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia!' E cheio de pavor, ajuntou: 'Quão terrível é este lugar! É nada menos que a casa de Deus; é aqui, a porta do Céu!'" (Gn 28,16-18)

Algo similar, mas ainda mais grandioso, acontece conosco hoje. Não obstante a sua terrível grandiosidade, aparece-nos como algo simples, discreto, como é característico do Filho de Deus em Sua adorável delicadeza. Esta experiência realiza-se de forma semelhante à de Elias que reconheceu a presença do Eterno na brisa suave, aparentemente tão comum (I Rs 19,11-13). Sim, diariamente podemos ir à casa de Deus e pormo-nos em Sua Presença; não somente como Moisés diante da Sarça Ardente, nem somente como Elias diante da brisa ligeira, nem ainda como Jacó. Nos é permitido muito mais! De fato, conosco se realiza o que Nosso Senhor dissera: "Ditosos os olhos que vêem o que vós vedes, pois eu vos digo que muitos profetas e reis desejaram ver o que vós vedes, e não viram; e ouvir o que vós ouvis, e não ouviram" (Lc 10,23-24).

A nós é dado estar diante dEle como os Apóstolos estiveram.. como esteve João, reclinado em Seu coração. E, como agimos diante disto? Como Elias, que cobre o rosto? Como Moisés que tira as sandálias? Como os peregrinos de Jerusalém que ansiavam o ano inteiro para poder contemplar os muros do Templo? Como Jacó, tomado de pavor diante de Deus?

Quanta indiferença de nossa parte! Quanta frieza.. Quanto gelo!
Agimos, às vezes, como cegos que se obstinam na cegueira. Tratamos Nosso Senhor como uma coisa qualquer. Evitamos devotar-lhe o nosso tempo e, hipocritamente, ousamos cantar-lhe as maiores declarações de amor. Mas, "de Deus não se zomba!" (Gl 6,7).

Rezo pra que Nosso Senhor nos mostre que grandioso é estar com Ele e, ao mesmo tempo, como é profundo o seu amor e sua simplicidade de permitir-nos achegar ao seu seio.

"Buscai o Senhor, já que Ele se deixa encontrar; invocai-o, já que está perto" (Is 55,6)

Quando se abrirem os nossos olhos, então, alegres, poderemos dizer: "Encontrei Aquele que meu coração ama. Segurei-o, e não o largarei" (Ct 3,4)

Fábio Luciano

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Primavera chegou!


Eis que chega a primavera, e com ela, nova luz, nova cor, novo calor.. a beleza produzida no inverno e, de certa forma, latente no outono, se mostra de forma pura e santa. Ah, que ordem admirável de coisas!

A primavera vem após o outono; a alegria vem depois do parto; o dia vem depois da noite; a vida vem depois da morte...

Ah, nestes tempos em que as sombras se recolhem, em que o frio dá lugar aos cálidos raios do sol, também o meu coração se ergue, e voa... e a primavera é como que prelúdio e abertura da maior doçura: o nascimento do Senhor que celebraremos daqui a pouco. Sim, a primavera é o pé desta adorável montanha que iniciamos a subir...

Que amor, Senhor, em tudo o que fazes! E que cegueira a de não podermos enxegar teus gracejos, teus carinhos, teus desenhos... como gostas do verde, do azul, do amarelo... Será isto que significa voltar a ser criança? Tudo destila amor, meu Deus... tudo! Compreendo, Senhor... na nossa sede de juntar admiradores, e de construir nós mesmos a imagem da qual nos revestimos, nos ocultamos de vossa brisa suave sob a capa impermeável de nossas pretensões e soberba.

Concede-me, Senhor, nesta primavera, despir-me de mim mesmo e, nu, sob a chuva terna de vosso amor, sob o raios do vosso coração, contemplar o arco-íris de vossa ternura infinita. Quero retirar os véus e esses pesos que, por vezes, trago comigo... Quero, suave, cantar tuas misericórdias.... Quero conhecer a liberdade dos filhos, aos quais é dado o Espírito Santo... celebrarei teus amores, oh Amor meu e, quando do Teu nascimento, quero estar, eu também, pobre e nu, contemplando a tua adorável pobreza e nudez.

Fábio Luciano.

Aos seguidores deste blog...

Amigos, ontem inventei de pesquisar alguns templates e experimentei mudar por um momento a aparência deste blog. Uma vez que o fiz, a lista de seguidores sumiu e, embora no painel, após o login, a quantidade de seguidores se mantenha, na página do blog isto não é visível.

Quero apenas comunicar que não exclui ninguém ( :) )... Vou dar uma fuçada aqui...

Fábio.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Todos defendem a democracia... mas quantos refletem sobre isso?

A democracia, como todos sabem, surgiu na Grécia num sistema nem tão democrático assim. Mas, desde então, fazem-nos decorar o que este sistema significa: "governo do povo para o povo" e fazem-nos crer, enquanto nos mostram como participantes deste grupo supostamente beneficiado, que isto deve ser o ideal para o qual a vida deve se orientar. Porém, este tipo de conversa é muito frágil. Notamos bem que, pelo menos, há algo de estranho nesta ordem de coisas, pois a atitude democrática por excelência, o voto, não tem resolvido nada... Ao contrário, deveríamos nos perguntar: é mesmo conveniente tomarmos uma decisão tão séria utilizando irrefletidamente o critério da quantidade? Quer dizer que, se democraticamente escolhêssemos um bandido declarado, a sua tomada de poder seria legítima só porque a maioria decidiu, alíás quase como sempre, pelo erro?

Nosso querido sistema democrático, fundado sobre o sempre frágil critério da quantidade, tenta legitimar o pecado, só porque a maioria dos homens são medíocres e vivem para os próprios desejos; muito bem! A mediocridade será, então, o valor propagado.. e não é isto o que vemos nas televisões, nas escolas, nas conversas?

Estes dias eu conversava com um amigo; contava-me ele do caso de alguns "atletas" de academia que, numa verdadeira idolatria pelos músculos, inventaram de tomar vitaminas para cavalos. Daí eu pergunto: será realmente algo interessante pôr nas mãos de cavalheiros como esses (quase cavalos) a decisão de algo importante? E estes são os legítimos representantes da maioria! Observemos bem: a maioria dos jovenzinhos hoje tenta reproduzir em vida aquilo que assiste em telenovelas e outros programas jovens imbecis. Se não idolatram os músculos propriamente, idolatram as próprias paixões e as toscas aventuras amorosas que aprendem a desejar como um bem...

Nunca vi ninguém pôr nas mãos de desocupados o compromisso de uma grande empresa; nunca tive a oportunidade de ver, por exemplo, ser dado a um bêbado o trabalho de discursar num ambiente de intelectuais ou de ser confiada a uma criança a construção de um edifício. Estes trabalhos sempre são confiados a pessoas que tenham a possibilidade de fazê-los. Os moradores de uma residência não ficam com raiva porque não participaram diretamente da sua construção; antes, ficam agradecidos pelo trabalho do construtor de que agora podem gozar. Todos estes feitos bem ordenados não são nada democráticos, porque se confiam a alguém que os possa fazer, que para isto tenham especial treino.

A quantidade só vale de algo quando ninguém tem idéia do que se deva fazer, que rumo tomar. Quando todos estão perdidos, podemos decidir até no cara e coroa. Mas quando podemos refletir e decidir pelo  bem objetivo, considerar todas as opiniões como igualmente válidas é insistir na burrice. Mas este igualitarismo medonho que tentam impor nos tempos de hoje faz com que todos se sintam estrelas e, no meio da ludibriação geral, a maioria desavisada sempre terminará por fazer mais uma burrada. E aqui não se trata de ser preconceituoso, mas de realista. Desde antigamente, os sábios sempre foram minoria. Os especialistas de qualquer área sempre serão um contingente pequeno da população. Isto é assim pela própria ordem das coisas.

Agora, então, vemos o cúmulo: a democracia na religião. A liturgia já não é vista como algo que nos veio de cima, mas como algo inventado; algo que tem o direito de ser múltiplo visto que reflete a multiplicidade de conceitos e modos. Aqui, mais uma vez, o que vale é a quantidade, o lugar, os gostos pessoais. Cai-se num total relativismo que não é, senão, a destruição da própria religião em si. E pelo igualitarismo protestante que daí se forma, o padre passa a comportar-se como leigo e o leigo, por sua vez, vê-se no direito de quase celebrar. Os membros de outras denominações passam a ser irrefletidamente elogiados e aceitos juntamente com todos os seus erros, porque se excluiu da vista o objeto real da Fé; passa-se a encará-la como resultado de um processo subjetivo. Não me espanta, por isso, que muitos católicos de hoje, inclusive clérigos e bispos, sejam tão gelados e insensíveis com relação a Deus e, ao mesmo tempo, tão avessos à verdadeira Fé, que se funda, não no critério da quantidade, mas no da autoridade, em vista de uma Verdade que existe por si, independentemente do que dela pensem os vários indivíduos.

A democracia, de fato, me parece muito estranha...

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

E vós, quem dizeis que eu sou?


A resposta a esta pergunta feita por Nosso Senhor é crucial. De fato, quem é Jesus pra nós? É claro que, talvez, responderemos a isto facilmente: "É Deus... a razão da nossa vida". No entanto, penso que a resposta vai muito além do que uma mera afirmação vocal. Quando Pedro fez sua declaração de Fé, dizendo que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus vivo, ele não falava isso tranquilamente, como se esta resposta não o comprometesse terrivelmente; não era uma frase qualquer que Pedro dizia, como quando nos perguntam o que faremos depois do trabalho. Não! Juntamente com a voz, Pedro transpirava o conteúdo daquelas palavras; ele as vivia e saboreava.

Vejo ainda que algo semelhante quer dizer o Apóstolo ao escrever: "ninguém pode dizer que Jesus é o Senhor se não tiver o Espírito Santo". A gente até poderia brincar: "João escreveu isso porque não conhecia a igreja universal do reino de deus".. Não... O que João propõe é muito maior: dizer, aqui, não se resume a uma questão fonética, está para além disto; implica em dizer com a vida, em permitir que os outros leiam Jesus em nós, pra usar a expressão de S. Josemaria. E isto é grandioso...

A resposta a esta pergunta pode ser dada por qualquer um. Ouvimos ou vemos o que muitos respondem: é Elias, É João Batista, é um precursor de Marx, é um revolucionário, é um sonhador, é um hippie, é um mestre espiritual, é um buda...". No entanto, a resposta verdadeira somente pode ser dada por quem O conhece e isto implica necessariamente em deter-se com Ele, em passar tempo, em observá-Lo, em estar sentado aos Seus pés e aprender... Por este conhecimento, passamos a amá-Lo e, então, percebemos, como o discípulo amado, quem, de fato, Ele é (Jo 21,7).

Que isto não sirva para dar margem, por favor, a qualquer tipo de individualismo... Nunca, jamais pretendo escrever algo que esteja fora do contexto da Santa Igreja. A vida de santidade somente é possível dentro dos seus muros espirituais, sob o primado de Pedro. Esclarecido isto, continuemos...

Dizer corretamente quem Jesus é só é possível se O conhecemos e amamos; isto faz de nós seus seguidores. A proclamação de que Jesus é o Senhor, o Filho do Deus vivo, se faz com a vida, com o testemunho da Fé, da Esperança e da Caridade. E Aquele que O ama, com a alma, descobriu a felicidade e iniciou a vida eterna.

Ricardo de S. Vítor faz uma interessante observação: Nosso Senhor parece diferenciar os seus Apóstolos, aqueles que lhe estão próximos, dos demais, como se eles, os Apóstolos, estivessem acima dos homens. "Quem dizem os homens que eu sou? E vós?..." Com isto, o escritor termina por demonstrar que os que conhecem a Cristo e que vivem na Sua intimidade, não são meros homens, mas estão acima disto; na sua aparente ordinariedade, na sua vida comum, eles vivem de Deus e, dessa forma, se deificam, ou melhor, são deificados; são os que são chamados a transcender o nível do homem animal e alcançar o de homem espiritual. Só estes podem, de fato, dizer que Jesus é o Senhor, pois é o próprio Espírito Santo que os inspira e ensina os segredos do Esposo.

Por fim, vejo que, nesta pergunta, Nosso Senhor nos dá uma preciosa pista; a mesma que outras vezes usou e que foi motivo de raiva para seus adversários: - E vós, quem dizeis que "EU SOU"? Isto é apenas uma observação pessoal, mas, neste "EU SOU", proferido pela primeira vez no monte Horeb a Moisés pelo próprio Deus, reside o segredo da identidade de Jesus. De fato, Ele é! E isso é grandiosíssimo! Dizer que só Ele é, é dizer que Ele é a causa e o fundamento de tudo quanto existe; É o mesmo que se quer dizer com aquelas palavras: "Eu sou a Videira,e vós sois os ramos", "Sem Mim, nada podeis fazer" e, de uma forma ainda mais clara, "Eu sou a Vida".

Como não tremer diante dEle? O conhecer a Jesus não se faz de uma forma fria, como se fosse qualquer coisa. É como dizia Pascal, mais ou menos nestes termos: "quando O conhecemos, imediatamente nos prostramos, eternamente escravos de amor".

Diante disto, só podemos pedir: Revela-nos Tua Face, oh Senhor, e o nosso coração será teu para sempre.

"E vós, quem dizeis que Eu Sou"? Que a nossa resposta a esta pergunta faça abalar os alicerces deste mundo tenebroso e que a violência do Nosso Amor pelo Senhor arranque as almas do erro afim de arremessá-las no abismo do amor divino.

Fábio Luciano

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Sobre a vida perfeita - S. Gregório de Nissa



Na postagem anterior, tratei da visão de S. Gregório sobre a perfeição evangélica. Disponibilizo aqui o texto em que ele escreve sobre este tema.

Pediste-me, meu querido, que te trace um esboço de qual é a vida perfeita, com a intenção evidente de aplicar a tua própria vida – se o que procuras se encontra em minha resposta – a graça indicada por minhas palavras. Sinto-me igualmente incapaz destas coisas: confesso que se encontra acima de minhas forças tanto o definir com palavras em que consiste a perfeição, como o mostrar em minha vida o que o espirito entende dela. Talvez não só eu, mas também muitos dos grandes e avançados na virtude confessarão que uma coisa assim também não é alcançável para eles. Explicarei com a maior clareza o que estou tentando dizer, para não parecer, dizendo-o com as palavras do Salmo, que tenho temor onde não deve haver temor (Sal 13, 5).

Em todas as coisas pertencentes à ordem sensível, a perfeição está circunscrita por alguns limites, como sucede com a quantidade contínua ou descontínua. Com efeito, tudo aquilo que se pode medir quantitativamente se encontra em limites bem definidos, e alguém que considere um pedaço ou o número dez sabe bem que, para essas coisas, a perfeição consiste em ter um começo e um fim. Por outro lado, com relação à virtude, aprendemos com o Apóstolo que o único limite de perfeição consiste em não ter limite.

Aquele divino Apóstolo, grande e elevado de pensamento, correndo sempre pelo caminho da virtude, jamais cessou de se lançar para a frente, pois lhe parecia perigoso deter-se na corrida. Por que? Porque todo o bem, pela própria natureza, carece de limites, e só é limitado pela presença de seu contrário, como a vida é limitada pela morte e a luz pelas trevas; em geral, tudo aquilo que é bem tem seu fim naquilo que é considerado o oposto do bem. Assim como o fim da vida é o começo da morte, assim também o deter-se na corrida pela virtude é o princípio da corrida ao vício.

Por este motivo, não nos enganava nosso raciocínio ao dizer que, no que diz respeito à virtude, é impossível uma definição da perfeição, já que demonstramos que tudo que se encontra demarcado por alguns limites não é virtude. E como eu disse que para aqueles que vão atras da virtude é impossível alcançar a perfeição, esclarecerei meu pensamento com relação a esta questão.

O Bem em sentido primeiro e próprio, aquele cuja essência é a Bondade, esse mesmo é a Divindade. Esta é chamada com propriedade – e é realmente – tudo aquilo que implica sua essência. Como já foi demonstrado que a virtude não tem mais limite alem do vício, e foi demonstrado também que na Divindade não cabe o que é contrário, conclui-se consequentemente que a natureza divina é infinita e ilimitada. Portanto, quem busca a verdadeira virtude não busca outra coisa senão Deus, já que Ele é a virtude perfeita. Com efeito, a participação do Bem por natureza é completamente desejável para quem o conhece, e, alem disso, o Bem é ilimitado; segue-se, pois, necessariamente que o desejo de quem busca participar dele é coextensivo com aquilo que é ilimitado, e não se detém jamais.

Portanto, é impossível alcançar a perfeição, pois, como já dissemos, a perfeição não está circunscrita por nenhum limite; o único limite da virtude é o ilimitado. E como poderá alguém chegar ao limite prefixado, se este limite não existe? Porem o fato de havermos demonstrado que o que buscamos é totalmente inatingível, não justifica que se possa descuidar do preceito do Senhor, que diz: Sede perfeitos, como é perfeito vosso Pai celeste. (...) Deve-se portanto, pôr todo ardor em não estar privado da perfeição possível e, em conseqüência, em alcançar dela tanto quanto sejamos capazes de receber em nosso interior. Talvez a perfeição da natureza humana consista em estar sempre dispostos a conseguir um maior bem.

S. Gregório de Nissa, Vida de Moisés

Algumas questões muito interessantes.

Ontem à noite, após a Santa Missa, fui a uma praça, onde frequentemente levo alguns livros ou apostilas para fazer algumas leituras e/ou anotações. Gosto de ir lá, pois, além de estar de frente a uma capela e poder avistar a imagem da Virgem de Fátima, o ambiente costuma ser bem ventilado, e as crianças geralmente estão a brincar... Num dia destes eu as ouvi conversar sobre astronomia (kkk...), claro que dentro da simplicidade que lhes é própria.

Ontem levei um livro que há tempo não abria. Trata-se dos escritos de um rapaz chamado Bruce Jun Fan Lee (o famoso Bruce Lee) que, embora poucos saibam, era formado em filosofia chinesa. O livro é entitulado "Tao of Jeet Kune Do" e, além de tratar de artes marciais, é permeado de Filosofia. Eu diria, mesmo, que há muito mais filosofia nele do que, propriamente, técnica marcial. Sua orientação é assumidamente zen-budista, pelo que, realmente, algumas coisas não se aproveitam. Fiquei feliz e um tanto surpreso em notar que, na leitura, identificava com facilidade alguns falsos pressupostos e, consequentemente, o caráter irremediável de certas afirmações dele, enquanto que, antigamente (na adolescência), eu costumava lê-lo quase com devoção e tudo me aparecia como que revestido de uma grande autoridade.

No entanto, muito do que ele escreve, realmente, visto sob a ótica do Evangelho, é muito verdadeiro. Claro que eu estou fazendo como que um deslocamento de sua teoria. É como se eu conservasse-lhe certos acidentes, mudando porém a substância ou a base em que se firmam.

Numa de suas assertivas, ele escreve mais ou menos o seguinte: "Seja simples. Não estabeleça objetivos. Quando o homem estabelece um objetivo, ele está se condicionando a um limite, ele se fragmenta".

Considerei isto muito profundo.Claro que, alguém que me queira importunar, pode ler isto e identificar aí alguma heresia... esta constatação, porém, deve-se mais à lente com que se olha. Esvaziemo-nos um pouco, eu peço.

A princípio, isto parece identificar-se com um preceito dos padres do deserto, em que se afirma mais ou menos o que segue: "o santo não estabelece metas; ele não se atém à própria vontade". Cito estas coisas de memória, e, portanto, me atenho mais ao sentido que à exatidão dos termos. O estabelecer um objetivo muito bem definido, de fato, pode significar um estreitamento de potencialidades. Além disto, considerar as coisas segundo a nossa vontade, ou o gosto que delas temos, significa ver a realidade de forma fragmentada, o que impede-nos de observá-la em sua totalidade. Daí S. João da Cruz afirmar que o processo de santificação do homem faz com que ele deixe de amar e de querer segundo o modo que lhe é próprio; ele deve esvaziar-se disto; é o que ele chama de "pássaro sem cor definida".

Também S. Gregório de Nissa, grande místico, escreve a um discípulo sobre o preceito de ser perfeito, dado por Nosso Senhor. Sabemos que, na filosofia, o conceito de perfeição supõe o de limite e acabamento. É perfeito algo que é acabado em si mesmo. Portanto, S. Gregório afirma que "alcançar a perfeição", no sentido evangélico, é quase que uma contradição. Isto não implica nenhuma falsidade ou erro na ordem dada por Nosso Senhor, mas é conveniente que compreendamos bem isto, para não darmos à santidade um limite que ela não tem.

Para S. Gregório, a perfeição, no sentido evangélico, não tem limites, pois é própria de Deus. Mesmo assim, o homem pode e deve aspirá-la, pois foi-lhe dito: "sede perfeito como Deus é perfeito". Quando dizemos que alguém alcançou a perfeição, é como se disséssemos que alguém chegou ao termo do ilimitado, o que é uma contradição em si mesmo. A perfeição, neste sentido, só é limitada pela sua falta ou ausência. Assim, a vida é limitada pela morte, a santidade pelo pecado, a virtude pelo vício. Mas é próprio da perfeição, no sentido evangélico, estar aberta ao infinito. Alcançar a perfeição não se faz nesta vida, embora desde já devamos iniciar o processo de aperfeiçoamento que se consumará na eternidade. Esta consumação, embora nos evoque ainda o sentido de um termo, abre-nos a uma liberdade que não é tolhida, pois a eternidade é a participação na própria vida de Deus.

Enfim, lendo o rapaz Bruce Lee, a quem tanto estimei em outros tempos, de fato, pude retirar certos preconceitos erigidos por mim mesmo, na compreensão de muitas coisas. E isto não foi, senão, como que um dedo apontando para a seriedade e profundidade da teologia negativa ou apofática, que tanto admiro, e que tem esta capacidade única de nos abrir à eterna novidade de Cristo, de nos desprender de nosso pequeno leque de experiências e conceitos, de nos corrigir as pretensões, de mostrar que Deus está sempre além. Quando aprendemos a ser simples, com aquela simplicidade das crianças que Nosso Senhor recomendou, então enxergamos a realidade também sem rodeios, de forma direta, e não segundo um grupo condicionado de respostas que, não obstante possam ser verdadeiras em si, não impedem que as usemos de forma superficial e que nos limitemos às suas imagens. É então, na simplicidade, que conhecemos a liberdade.

E, antes que estranhem, talvez, estas afirmações, advirto que o seu sentido se encontra nas páginas do grande místico S. João da Cruz, doutor da Igreja que, como escreveu o Papa João Paulo II, é claríssimo dardo de luz, erguido até o fim dos tempos, a fim de guardar contra as heresias, e mostrar um caminho seguro.

Fábio Luciano

Obs.. Não simpatizo com o budismo, não gosto do sincretismo feito pelo Thomas Merton na última fase de sua vida...

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Rever a Deus



O filósofo francês e católico Léon Bloy testemunha, num de seus escritos, que algo que o emociona profundamente é a idéia de que um dia irá rever a Deus. Oh.. que esperança benfazeja! Se é a sede o que nos faz caminhar neste deserto, a promessa da Água que nos saciará move-nos violentamente e, num misterioso paradoxo, ao mesmo tempo em que dá-nos como que um antegozo daquele dia, também nos aviva a ferida da saudade.

No entanto, nosso bondoso Deus não quis esperar tanto para nos rever. Claro que, naquela futura ocasião, a visão será face a face e a saciedade será completa. Desde já, porém, dá-nos a graça de revê-Lo. "Eis que estou todos os dias convosco; podes rever-me quando quiseres"... "Buscai a Deus enquanto Ele se deixa encontrar"... Nosso Senhor se deixa ver e rever... Ah, se soubéssemos que dom maravilhoso é poder olhá-Lo enquanto reis e profetas ansiaram por esta experiência.

Daqui a pouco estarei indo à Santa Missa, e então, pela graça de Deus, me será dado rever, com os olhos da Fé, o amabilíssimo Jesus. Então, serei como que aceito aos pés da Sua cruz onde, quieto e recolhido, O olharei.

A Santa Missa é, já, o antegozo do Céu; é o Céu na terra... É, de fato, onde podemos rever a Deus, embora ainda pela Fé. Isto, no entanto, não diminui a Presença. Aprendamos a olhá-Lo, a amá-Lo, a estar com Ele.

S. João, no seu Evangelho, nos diz que o Filho repousava no seio do Pai; por esse motivo, o Filho, conhecendo o segredo do Pai, deu-Lhe a conhecer. Também o Apóstolo, na última Ceia, reclinava-se no peito de Jesus; não à toa o seu Evangelho é considerado o mais perfeito. É dessa intimidade com o Esposo que João dá a conhecer o mistério do Amado Senhor. Da mesma forma, além de revê-Lo, na Santa Missa podemos reclinar no Seu peito e, não apenas isso, podemos adentrar no Seu coração e adentrá-Lo no nosso.

Este "rever" a Jesus, estando muito além de uma experiência ótica, é a causa da verdadeira alegria, da verdadeira vida do Cristão. É neste abraço inefável que Cristo nos ressoa ao ouvido: "Que a minha alegria esteja em vós, e que a vossa alegria seja plena".

Fábio Luciano

sábado, 5 de setembro de 2009

Igual a sushi!



“O amigo fala do amigo”. Isso, ou quase isso, escreve S. Josemaria no seu livro “O Caminho”. Diz o santo que, ao se encontrarem, os cristãos enamorados do Senhor quase que só sabem falar de um assunto: Jesus.

Muito embora cheio de misérias, eu posso dizer que faço esta experiência. Arriscando-me a ser enfadonho, trago sempre nos lábios o incômodo, mas sumamente doce nome de Jesus. Há quem me evite, e há quem deseje ser mais politicamente correto. Mas, que bom que não faço esta experiência sozinho. Comigo, há também outros que não se cansam de tratar de tão delicioso tema. E isto não nos é pesado, embora, misteriosamente, desagrade a muitos.

Considero que juntar os amigos para conversar, sem, no entanto, tratar de Jesus e daquilo que se Lhe relaciona, seria como comer sushi, peixe cru... seria algo sem gosto e sem graça. Sei que há quem se agrade destas coisas, mas eu penso que seria mais natural comer peixe cru antes de se ter descoberto o fogo. E, que bom, descobrimos o fogo! “Eu vim trazer fogo à terra, e como desejo que esteja aceso!”.

Pois bem! Depois de conhecer o ardor do fogo divino, como contentar-se a comer peixe cru? Não! Saboreemo-Lo e nos queimemos! Experimentemos que delícia é tratar de tão doce Esposo! Quando Lhe pronunciamos o nome, é como se os lábios se untassem de mel, e, coisa admirável, tal alimento não sacia, antes aumenta a fome até devorar-nos a alma. É chama saborosa!

Desculpem-me os colegas que desejam férias da religião.. desculpem-me os outros que desejam tratar das coisas do espírito somente em momentos definidos do dia, e em ambientes muito específicos... Só sei falar dEle, em qualquer lugar e em toda a hora. Ele é o Sol em torno do qual gravitam todos os meus pensamentos e sentimentos. Mesmo as minhas maiores torpezas, só o são em relação a Ele.

Ah, Senhor, teus amores são mais deliciosos que o vinho! Inebriarei-me de Ti. Sem o fogo do teu amor, já tudo perde o sabor e se torna sem graça. Não te escondas, Senhor, pois és a delícia dos meus dias...

Fábio Luciano

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O senhorio de si mesmo - Tomás de Kempis



Abro aqui espaço para este texto tirado do livro "Imitação de Cristo", que, embora curto, é profundíssimo...

Jesus Cristo - Filho, deves procurar, com diligência, em qualquer lugar que estejas, em qualquer coisa que faças, em qualquer ocupação que te encontres, conservar-te interiormente livre e senhor de ti mesmo, de maneira que todas as coisas sejam dominadas por ti e não tu por elas. Deves ser senhor e guia das tuas ações e não servo ou escravo delas.

Como um verdadeiro israelita, liberto de toda a escravidão, entra na herança e na liberdade dos filhos de Deus, os quais, elevados acima das coisas presentes, contemplam as eternas; olham desdenhosamente as coisas transitórias e com deleite as eternas.

Não se deixam prender pelas coisas temporais; antes, servem-se delas para o fim para que foram criadas por Deus e instituídas pelo supremo Artífice que não fez nenhuma das Suas obras desordenadamente.

Tomás de Kempis, Imitação de Cristo.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Silêncio amoroso



É triste ver como o ativismo adentrou mesmo dentro das igrejas, como o pragmatismo toma espaço e como os homens simplesmente fogem do silêncio e da quietude. A solidão virou sinônimo de mal nos tempos hodiernos. Tudo isto representa, de fato, uma grande inversão dos retos valores do espírito.

Por vezes, temos o Santíssimo exposto e basta que haja um microfone ou alguns livros devocionais para que se tenham garantidas duas horas de barulho ininterrupto. Aquilo a que chamam oração, por vezes, não passa de mera fuga, de esquiva. Simplesmente não há verdadeira entrega, porque nos mantemos apegados ao nosso jeito, às nossas opiniões, às nossas preferências. É preciso libertar-se disto!

"Retira as sandália", fica nu! "Não sabemos rezar nem pedir como convém" porque nos fiamos em nós mesmos, na nossa limitada compreensão das coisas. É preciso desnudarmo-nos e, na nossa pobreza, podermos sentar aos pés dEle, silenciosos, enquanto Ele, também silente, nos olha e nos sonda. "A linguagem que Deus mais entende é a do silêncio de amor" escreve o doutor da noite. E este silêncio se faz presente não simplesmente quando nos abrimos à vontade dEle, o que caracteriza a atitude amorosa; mas, também, quando, desejosos de O louvar e adorar, reconhecemos a baixeza dos nossos termos e compreendemos que, se o quiséssemos louvar com nossas palavras, antes teríamos de reduzi-Lo ao nível pobre dos nossos conceitos. Diante do inefável, calamos e o nosso silêncio se torna a mais linda canção de amor. É o que os místicos chamam canção silenciosa ou solidão sonora.

Não se trata aqui de negar a eficácia da oração vocal. Ao contrário, reconheço mesmo a sua necessidade. Mas é preciso aprofundar as coisas. Sempre que louvamos a Deus de forma conceitual, nos utilizamos de termos que a Ele se atribuem apenas de forma analógica. Deus está para além deles. E não apenas nisto, mas também nas supostas experiências espirituais pelas quais pode um cristão passar. Estaria enganado quem, ao sentir um raio solar sobre a pele, supusesse já conhecer o ardor do sol.

É preciso pobreza e amor! Quando somos pobres, percebemos o abismo que é Deus e, diante disto, calamos! Quando amamos, percebemos que isto está além das palavras e, então, calamos. Sobretudo, quem ama quer imitar, como escreveu S. Pedro Julião Eymard. Ao contemplá-Lo no Santíssimo Sacramento, percebemo-Lo quieto e escondido. É então que, amando-O, O imitamos e descobrimos estas verdades veladas, estas pérolas escondidas.. Deus é simples e grande amigo do escondimento, do silêncio e da solidão. No momento em que encontramos algo escondido, nos tornamos, também, neste momento, escondidos. É então que Ele nos leva aos Seus aposentos e nos dá de beber da sua adega.

"Levarei a alma ao deserto e, lá, a desposarei" (Os 2, 16)

Fábio Luciano

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

As lentes da Fé



Anteontem, por um período curto, meus óculos soltaram uma das “pernas”. O parafuso caiu de modo que não dava pra usá-lo. Para o caso de ler e escrever, tornava-se algo um tanto cansativo, embora bem possível.

Fiquei a pensar. A Fé é como uma lente que nos permite ver as coisas como realmente são. Sem ela, tudo se embaça e fica irreconhecível. Por isto, se pode dizer que ela resguarda a verdade e, uma vez que se lhe negue acolhida no coração, forçosamente se rejeita o conhecimento integral desta mesma verdade. Algumas vezes, o objeto desta fé, Deus, já foi comparado ao sol. É difícil focá-lo em si... a luz ofusca-nos e excede o limite suportado pela retina. Mas, embora não o possamos olhar diretamente, é por sua luz que vemos tudo o mais. Na noite, ao contrário, as coisas perdem o contorno e os horizontes tornam-se indefinidos.

A Fé é, pois, como uma lente que, uma vez que se põe, permite acolher a verdade. Esta luz ilumina e dá significado a tudo. E, embora esteja para além de nossa possibilidade empírica, além da constatação dos nossos sentidos, a Fé nos ilumina o conhecimento sobre tudo aquilo que é fundamental ao homem: a sua origem, a causa da sua existência, a causa da existência de tudo o que existe, a explicação da natureza e razão das coisas, o termo para o qual nos dirigimos.

Se temos a Fé, vivamos como quem enxerga. Os que, ao contrário, mantêm-se cegos e deixam-se conduzir por outros cegos, coitados, cairão ambos no mesmo buraco.

Bendito seja Deus que nos deu o dom da Fé pelo qual vemos, ainda que obscuramente. Virá o dia de indizível alegria em que veremos face a face.

Fábio Luciano