sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A fidelidade a Nárnia contra a retórica do submundo



Para entender o que vai abaixo, saiba o leitor que a cena se dá dentro de um mundo subterrâneo, tão abaixo da superfície que lhes é estranho e distante tudo o que se passa aqui em cima. Note ainda como a argumentação sofística da bruxa se assemelha, em vários pontos, à retórica ateísta.

***

A bruxa nada disse, mas andou vagarosamente pela sala, conservando os olhos fixos no príncipe. Ao chegar a uma arca não longe da lareira, abriu-a, apanhando lá dentro um punhado de pó verde, que atirou ao fogo. Não fez o fogo arder muito, mas um aroma muito doce e inebriante encheu a sala. Durante a conversa que se seguiu o cheiro foi ficando mais intenso, dificultando o ato de pensar. Em seguida, ela pegou um instrumento meio parecido com um bandolim e começou a tocar um repenicado monótono que se fez despercebido depois de poucos minutos. Também isso atrapalhava o raciocínio. Depois de ter tocado por algum tempo, com o aroma doce cada vez mais forte, começou a dizer numa voz macia:

- Nárnia? Nárnia? Ouvi Vossa Alteza pronunciar esse nome durante os delírios. Querido príncipe, você está muito doente. Não há nenhuma terra chamada Nárnia.

- Há sim, madame - interrompeu Brejeiro. - Eu mesmo passei lá minha vida inteira.

- Que interessante! - disse a bruxa. - Mas diga-me por favor uma coisa: onde é essa terra?

- Lá em cima - respondeu Brejeiro, decidido, apontando para o teto. - Mas onde fica exatamente, não sei.

- Como assim? - perguntou a rainha, com uma risadinha musical. - Existe então um país lá em cima, no meio das pedras e do reboco do teto?

- Não - respondeu Brejeiro, respirando com certa dificuldade. - O país fica por cima. É o Mundo de Cima.

- E onde fica... como é o nome... esse Mundo de Cima?

- Oh, deixe de bancar a boba - disse Eustáquio, que lutava contra o encantamento produzido pelo doce aroma e o repenicar do bandolim. - Como se não estivesse cansada de saber! É lá em cima, lá onde você pode ver o céu, o Sol e as estrelas. Esta é boa! Você já esteve lá! Nós nos encontramos lá!

- Peço perdão, irmãozinho - riu-se a bruxa, uma delícia de riso. - Não me lembro desse encontro. Quando sonhamos é que costumamos encontrar os nossos amigos em lugares estranhos. Mas, a não ser que sonhemos o mesmo sonho, não é razoável pedir que se lembrem.

- Senhora - disse o príncipe gravemente -, já lhe disse que sou filho do rei de Nárnia.

- E será, meu amigo - disse a rainha numa voz ciciante, como se estivesse acalmando uma criança -, será rei de muitas terras imaginárias.

- Também estivemos lá - falou Jill com impertinência. Estava furiosa por perceber que o feitiço ia tomando conta dela.

- E você também é rainha de Nárnia, não é, minha belezinha? - disse a feiticeira, na mesma voz insinuante, mas meio zombeteira.

- Negativo - respondeu Jill, batendo com o pé. - Nós somos de outro mundo.

- Ah, que maravilha! Diga-me, senhorita, onde fica esse outro mundo? Quais os navios e carruagens que fazem o transporte para cá?

Uma cachoeira de lembranças caiu sobre Jill: o Colégio Experimental, sua casa, aparelhos de rádio, automóveis, aviões, engarrafamento, filas. Mas pareciam imagens apagadas e distantes. (Drim-drim-drim, repenicava o bandolim) Jill não conseguia lembrar-se das coisas de nosso mundo. E dessa vez não lhe ocorreu que estava sendo enfeitiçada, pois a magia atingira o auge. Surpreendeu-se dizendo (e era um alívio dizê-lo) o seguinte:

- Acho que o outro mundo deve ser um sonho.

- Claro. O outro mundo é um sonho - disse a bruxa, sempre repenicando.

- Um sonho - repetiu Jill.

- Nunca existiu esse mundo - disse a feiticeira.

Jill e Eustáquio falaram ao mesmo tempo:

- Nunca existiu esse mundo.

- Só existe um mundo - continuou a bruxa -, o meu.

- Só existe o seu mundo - disseram eles.

Brejeiro ainda tentava resistir:

- Não sei direito o que você entende por um mundo - disse, como alguém que não respira ar suficiente. - Mas pode tocar essa rabeca até que seus dedos caiam no chão; mesmo assim nunca vou me esquecer de Nárnia. E nem do Mundo de Cima. Imagino que nunca mais o veremos, pois é bem provável que o tenha obscurecido como fez a este mundo. Mas vou saber sempre que estive lá. Já vi o céu cheio de estrelas. Já vi o Sol nascente no mar e sumindo atrás das montanhas ao cair da noite. E vi também o Sol ao meio dia, cujo brilho nos fere a vista.

As palavras de Brejeiro tiveram um efeito estimulante. Os outros três respiraram de novo e se olharam como pessoas que despertam.

- Que Aslam abençoe o nosso bom paulama - disse o príncipe. - Estivemos sonhando. Como iríamos esquecer? Todos nós já vimos o Sol.

- É claro que sim! - gritou Eustáquio. - Muito bem, Brejeiro. Você é o único aqui que não perdeu o juízo.

E mais uma vez se ouviu a voz da feiticeira arrulhando como uma pombarola no alto da árvore de um velho quintal, às três horas de uma sonolenta tarde de verão:

-  De que sol vocês estão falando? Essa palavra significa alguma coisa?

- Significa muito! - respondeu Eustáquio.

- Poderiam contar-me como é o sol? (Drum-drim-drim)

- Por obséquio, Majestade - disse o príncipe, com fria polidez. - Vê aquela lâmpada redonda e amarela iluminando a sala? O que chamamos Sol é parecido, só que é muito maior e muito mais brilhante e ilumina todo o Mundo de Cima. E em vez de estar preso no teto, está solto no céu.

- Solto onde? - E enquanto pensavam na resposta, ela prosseguiu, com uma de suas risadinhas melodiosas: - Estão vendo? Quando vocês procuram saber o que deve ser realmente o tal de sol, não conseguem. Só sabem dizer que parece uma lâmpada. O sol de vocês é um sonho, e não há nesse sonho nada que não tenha sido copiado de uma lâmpada. A lâmpada é real; o sol não passa de uma invenção, uma história para crianças.

- Ah, sim, é verdade - disse Jill com uma voz pesada e sem esperança. - Deve ser isso mesmo. - E acreditava que estava sendo muito sensata.

Lenta, gravemente, a feiticeira repetia: "Não há Sol." E eles nada mais diziam. "Não há Sol" - ela repetia, com a voz mais branda e profunda. Depois de uma pausa e de um conflito em seus espíritos, todos os quatro disseram: "Certo. Não há Sol". Era um alívio desistir e reconhecer que o Sol nunca existira.

Nos últimos minutinhos Jill sentira que havia alguma coisa da qual, a todo custo, tinha de se lembrar. E agora conseguia. Era entretanto tremendamente difícil dizê-la. Sentia como se enormes fardos pesassem em sua boca. Por fim, com um esforço que pareceu axauri-la, disse:

- Aslam existe.

- Aslam? - disse a feiticeira, apressando ligeiramente o repenicado de seu instrumento. - Que lindo nome! Que significa Aslam?

- Aslam é o grande Leão que nos chamou de nosso mundo - disse Eustáquio - e aqui nos enviou em busca do príncipe Rilian.

- Leão, o que é um leão? - perguntou a bruxa;

- Ora, não amole - respondeu Eustáquio. - Não sabe? Como é que eu vou descrever um leão? Já viu um gato?

- Claro, adoro gatos - respondeu a feiticeira.

- Bem, um leão é um pouquinho... só um pouquinho, hein... parecido com um gato enorme com uma juba. E é amarelo. E é incrivelmente forte.

A feiticeira balançou a cabeça:

- Acho que o leão de vocês vale tanto quanto o sol. Viram lâmpadas, e acabaram imaginando uma lâmpada maior e melhor, a que deram o nome de sol. Viram gatos, e agora querem um gato maior e melhor, chamado leão. É puro faz-de-conta, mas, francamente, já estão meio crescidos demais para isso. Já repararam que esse faz-de-conta é copiado do mundo real, do meu mundo, que é o único mundo? Já estão grandes demais para isso, jovens. Quanto ao meu príncipe, um homem feito, que vergonha! Brincando depois de grande! Venham. Esqueçam essas fantasias infantis. Tenho trabalho para vocês no mundo real. Não há Nárnia, não há Mundo de Cima, não há céu, nem Sol, nem Aslam. Agora, cama. E vamos começar vida nova amanhã. Primeiro, cama. Dormir. Dormir bem, um travesseirinho macio, um sono sem sonhos bobos.

O príncipe e as duas crianças estavam de cabeça caída, as faces coradas, os olhos semicerrados; fugira-lhes toda a energia, o sortilégio era quase total. Mas Brejeiro, juntando desesperadamente o resto de suas forças, caminhou até a lareira. E praticou então uma proeza de rara coragem. Sabia que não doeria tanto quanto em um ser humano, pois seus pés (sempre nus) eram membranosos, duros e frios como pés de pato. Mas sabia que iria doer bastante; mesmo assim o fez: espezinhou as brasas, apagando um pouco o fogo. Três coisas aconteceram.

Primeiro: o doce e pesado aroma diminuiu muito. O cheiro de paulama assado, que não é inebriante, predominou na sala. O cérebro de todos ficou mais limpo. O príncipe e as crianças ergueram as cabeças e abriram os olhos.

Segundo: a feiticeira, num tom terrível, completamente diferente da voz doce que havia usado até então, de um berro:

- O que está fazendo? Se ousar tocar no meu fogo outra vez, porcalhão imundo, vou transformar em fogo o sangue de suas veias!

Terceiro: a própria dor esclareceu completamente a cabeça de Brejeiro, pois não há nada como um impacto doloroso para desfazer certas espécies de magia.

- Uma palavrinha, dona - disse ele, mancando de dor -, uma palavrinha: tudo o que disse é verdade. Sou um sujeito que gosta logo de saber tudo para enfrentar o pior com a melhor cara possível. Não vou negar nada do que a senhora disse. Mas mesmo assim uma coisa ainda não foi falada. Vamos supor que nós sonhamos, ou inventamos, aquilo tudo - árvores, relva, sol, lua, estrelas e até Aslam. Vamos supor então que esta fossa, este seu reino, seja o único mundo existente. Pois, para mim, o seu mundo não basta. E vale muito pouco. E o que estou dizendo é engraçado, se a gente pensar bem. Somos apenas uns bebezinhos brincando, se é que a senhora tem razão, dona. Mas quatro crianças brincando podem construir um mundo de brinquedo que dá de dez a zero no seu mundo real.

C.S. Lewis, As Crônicas de Nárnia, A Cadeira de Prata, Cap. 12.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Metanóia e a Natureza da Conversão - O tão necessário "sair de si"



"Lembra-te sempre de que não realizas nada de virtuoso, esforçando-te para te dominares. De fato, que virtude há em tomar pá e picareta para tentar sair de uma galeria subterrânea, onde se tenha caído por falta de atenção? Não é natural, pois, utilizar as ferramentas entregues por alguém de fora, para escapar dessa atmosfera sufocante e tenebrosa? O contrário não seria pura estupidez? Essa parábola te pode ensinar a sabedoria. As ferramentas são os instrumentos da salvação, os mandamentos do Evangelho, os santos sacramentos da Igreja, que foram postos à disposição de cada cristão por ocasião do santo batismo. Sem uso, não terão nenhum proveito. Porém, utilizados com discernimento, permitirão que abras o caminho para a liberdade e para a luz. " (Tito Colliander, Caminho dos Ascetas, Iniciação à Vida Espiritual)


***

A conversão ao cristianismo é um processo bastante completo e profundo. O escritor C. S. Lewis, comentando a ordem de Cristo para que sejamos perfeitos, afirma: "Ele quis dizer isso mesmo. A cura tem de ser completa". Se é completa, ela deve envolver o homem inteiro.

No entanto, a partir do momento em que certos líderes cristãos quiseram adaptar o cristianismo às massas, obviamente na tentativa infeliz de facilitar o caminho, reduziu-se profundamente o seu significado. Tivemos uma religião meio que à medida do homem, o que implicou muitas vezes na morte da transcendência, coração do cristianismo.

Sobre isto, escreveu certa vez S. João da Cruz: "Se alguém, em qualquer época, fizer do cristianismo um caminho fácil e cômodo, não lhe dês ouvido". Mas, infelizmente, esta forma dissimulada e equivocada de religiosidade ganhou o mundo, e o que geralmente se tem é antes uma antropomorfização de Deus no sentido de que os homens projetam n'Ele seus gostos, preferências e opiniões. Surge uma religião imanentista, incapaz de libertar o homem de si mesmo.

Neste contexto, fica impossibilitada a efetivação da metanóia, que seria a mudança não só de comportamento, mas também da mente, necessária ao cristão. O problema é que, por termos nascido egocentrados, somos muito apegados a nós mesmos, ao nosso modo de ver, às opiniões próprias. Qualquer legítima conversão deve fazer que o homem supere esta condição. Daí Jesus dizer: "o que não odeia a própria vida, não é digno de mim". Quem não "se odeia", não está disposto a mudar. Este "ódio" é o que possibilita aquele sadio desprezo ou desapego por si mesmo. 

A Santa Igreja nos diz que, para vivermos segundo a Fé, precisamos ter a inteligência e a vontade submetidas a Deus. Isto, longe de nos escravizar, nos liberta. "Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".

No livro de Isaías, lemos que, antes de Cristo vir a nós, andávamos todos perdidos, cada um em seu próprio caminho. Uma vez que Ele nos veio, pudemos reconhecê-Lo como "o Caminho, a Verdade e a Vida" de todos nós. S. Paulo, por sua vez, nos diz que não devemos viver mais para nós mesmos; uma vez que Cristo veio e se entregou por nós, devemos agora viver por Ele. É só então que somos "encontrados", como o filho pródigo.

Pois bem, por "vida" não devemos entender meramente o conjunto das atitudes exteriores, mas a totalidade da pessoa humana, desde o mais profundo da sua alma. Todo o ser deve ser submetido a Cristo. Não esqueçamos que o ser age segundo a sua natureza. Para que sejamos cristãos - outros Cristos - e vivamos como Ele viveu, como nos recomenda S. João, deveríamos adquirir uma natureza interior semelhante à de Cristo. Não à toa Nosso Senhor nos disse que "é preciso nascer de novo".

Se a conversão deve ser metanóia, é preciso que a pessoa compreenda bem a natureza deste caminho com Cristo, que vai muito longe da adesão a ideologias sociais ou da recorrência a cócegas emotivas. Todos estes movimentos não passam de construções imanentistas e, na verdade, antes impedem que o sujeito entenda a essência do Cristianismo. 

Para ajudar o homem a sair de si, foi preciso que Algo de fora lhe viesse ao encontro, e esse algo foi o próprio Deus. Cristo entrou em nosso mundo e nos ofereceu a cura para a queda. Portanto, é preciso empreender seriamente este caminho, numa atitude de auto-desapego e abertura a este "Santo Intruso". É Ele que nos livrará do nosso mundinho. 

A vida cristã deve envolver a totalidade do ser humano.

A partir do momento, porém, em que quisermos adaptar o cristianismo ao nosso modo, ou dele adotar somente o que de antemão nos agrada, apenas estaremos perpetuando a nossa pobre condição, agindo segundo critérios subjetivistas, segundo a ótica de quem ainda não conhece a liberdade. Já a Fé, ou é completa, ou inexiste; ou a assumimos de todo, ou estaremos juntando pedaços para construir um novo bezerro de ouro com o qual nos distrairemos e ao qual adoraremos como imagem de nós mesmos. Escolher o que nos agrada é manter a primazia do próprio ego. S. Paulo, que aceitou sair de si, pôde depois dizer: "não sou 'eu' quem vivo; é o Cristo que vive em mim". E esta é uma declaração profundamente feliz.

O processo de conversão é algo tão imenso, tão profundo, tão amplo que é preciso uma mudança, não apenas de costumes, mas verdadeiramente substancial da alma. Isso obviamente somente pode ocorrer muito depois de iniciado o caminho. Se houver perseverança e fidelidade, pode-se chegar a um estágio chamado de "inocência readquirida", que é como um retorno à inocência de Adão, o que implica a total cura do egoísmo. Neste estágio, dá-se de maneira rigorosa o que diz S. Paulo: "tudo é puro para os que são puros". S. João da Cruz, falando deste grau de santidade, diz que, ainda que a pessoa seja exposta a situações de pecado, ela não compreende a maldade no que vê.

Vislumbra-se que a santidade é algo de muito maior do que geralmente se supõe. Mas enquanto estivermos apegados aos modos românticos de ver, estaremos impedidos da verdadeira mística, da verdadeira metanóia, da verdade "deificação". Se é preciso sair de si, o que vale apegar-se às próprias opiniões? É somente perpetuar a própria estreiteza.

Fábio

Não vale a pena ter medo do amor...


Não vale a pena ter medo, ainda que amar seja pouco seguro. Uma história de amor é necessariamente uma viagem imprevisível e sem cautelas. Acolher o outro e ligarmo-nos definitivamente a ele é rumar ao desconhecido, embarcar numa aventura sem plano. Em certo sentido, é uma loucura. Digo isto sobretudo por Nosso Senhor, porque Ele é demasiado imprudente. Alguma vez estive a ponto de O avisar lealmente, na oração. Desisti, porque não é por falta de informação que Deus Se comporta assim connosco, mas confesso uma imensa admiração pela sua Coragem.

Também admiro a ousadia dos Santos, que todos os cristãos se esforçam por imitar, porque aproximar-se do Amor tem os seus perigos. «(...) viver com Deus: esta é a arriscada segurança do cristão. (...) Deus ouve-nos, está pendente de nós (...). Mas viver com Deus é indubitavelmente correr um risco, porque o Senhor não se contenta com partilhar: quer tudo. E acercar-se um pouco mais a Ele é estar dispostos a uma nova conversão, a uma nova rectificação, a escutar mais atentamente as suas inspirações, os santos desejos que faz brotar na nossa alma, e a pô-los em prática» (20). Mas vale a pena. 

Prof. José Maria C. S. André

Fonte: Logos

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Urgentíssimo: Aborto poderá ser legalizado em toda a América Latina



Quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A TODOS OS QUE COMPREENDEM O VALOR DA VIDA HUMANA:

A SITUAÇÃO É GRAVÍSSIMA: ESTAMOS NA
IMINÊNCIA DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO EM
TODO O NOSSO CONTINENTE.

Esta mensagem é grande, mas, por favor, não se importe com isto. Estude com paciência a mensagem, comente-a e divulgue-a para toda a sua lista de contatos. Insista para que seus amigos façam também o mesmo.

A Cultura da Morte que pretende instalar-se em nosso continente, como base de UMA NOVA FORMA DE DITADURA, NÃO USA A FORÇA PARA IMPOR-SE, MAS A IDEOLOGIA E O CONTROLE DA INFORMAÇÃO.

Para vencer esta batalha contra a vida não precisamos do seu sangue, nem de seu dinheiro. Precisamos apenas de seu conhecimento e de sua iniciativa para difundí-lo. Não há outra maneira de defender a democracia moderna.

Sua contribuição, em termos de conhecimento e de sua difusão, é absolutamente indispensável para impedir este genocídio.

Foi exatamente assim que foram vencidas, nos últimos anos, diversas outras batalhas pela vida. E, toda vez que isto ocorre, todos compreendem melhor o que está acontecendo e a democracia é fortalecida.

PROCURAREI NAS PRÓXIMAS SEMANAS MANTER A TODOS DESTA LISTA INFORMADOS A RESPEITO DO DESENVOLVIMENTO DOS ACONTECIMENTOS.

Agradeço a todos pelo imenso bem e pelo que estão ajudando a promover. O problema transcende as fronteiras de qualquer país, já que faz parte de um plano conjunto pesadamente financiado por organizações internacionais que investem na promoção do aborto em todo o mundo. Tenham a certeza de que a participação de cada um é insubstituível e, juntos, iremos fazer a diferença.

ALBERTO R. S. MONTEIRO

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

A multiplicidade de denominações aplicadas a Deus não repugna a sua simplicidade


Ocupemo-nos da razão, dessa multiplicidade de denominações que se aplicam a Deus, ainda quando ele seja em si mesmo completa e absolutamente simples. Como nossa inteligência não pode abarcar a essência de Deus, ela se eleva a seu conhecimento por meio das coisas que estão ao nosso alcance, e nas que encontramos certas perfeições, cuja raiz e origem comum está em Deus: e não podemos denominar uma coisa senão em razão da inteligência ou conhecimento que dela temos, porque os nomes são os signos da inteligência; se segue que não podemos aplicar a Deus denominação alguma senão por meio das perfeições que percebemos nos demais seres, e cuja origem está em Deus; e como as perfeições são múltiplas nos seres, indispensável é aplicar a Deus muitas denominações. Pelo contrário; se nós pudéssemos ver a essência de Deus em si mesma, não teríamos necessidade de nos valermos desta multiplicidade de denominações, porque o conhecimento que teríamos de Deus seria simples, e tão simples como o é a sua essência. Este conhecimento, objeto de nossas esperanças, nos está reservado para o dia de nossa glorificação, segundo as palavras de Zacarias: "Naquele dia o Senhor não terá mais que um só nome".

Sto Tomás de Aquino, Compêndio de Teologia, Cap. XXIV.

VISION - FROM THE LIFE OF HILDEGARD VON BINGEN

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Conversa entre Jill e Aslam


Ao parar, Jill sentiu uma sede enorme. Havia chorado de cara contra o chão, mas agora estava sentada. As aves não cantavam mais. O silêncio seria total, não fosse um barulhinho insistente que parecia vir de longe. Ouviu com atenção e teve quase certeza de que se tratava de água corrente.

Levantou-se e olhou em torno, atenta. Nenhum sinal do Leão [1], mas, com tantas árvores por ali, podia ser que ele estivesse por perto. A sede era intolerável e ela juntou coragem para localizar a água. Na ponta dos pés, escondendo-se de árvore em árvore, espreitando por todos os cantos, avançou. A floresta estava tão quieta que não era difícil descobrir de onde vinha o ruído. Numa clareira corria o riacho, brilhante como um espelho. Apesar da visão da água multiplicar sua sede, não correu logo para beber. Ficou paradinha, como se fosse de pedra, boquiaberta. Motivo: o Leão estava postado exatamente à beira do riacho, cabeça erguida, patas dianteiras esticadas. Não havia dúvida de que a vira, pois olhou dentro dos olhos dela por um instante e virou-se para o lado, como se a conhecesse há muito tempo e não precisasse dar-lhe muita atenção.

Ela pensou: "Se eu correr, ele me pega; se eu ficar, ele me come." [2]

De qualquer forma, mesmo que tivesse tentado, não teria saído do lugar. Não tirava os olhos de cima do Leão. Quanto tempo durou isso não saberia dizer. Pareciam horas. A sede era tão forte que chegou a pensar que pouco se importaria em ser comida pelo animal, desde que desse tempo de beber um bom gole.

- Se está com sede, beba. [3]

Eram as primeiras palavras que ouvia desde que Eustáquio falara com ela à beira do abismo. Por um segundo procurou descobrir quem falara.

A voz voltou:

- Se está com sede, venha e beba.

Lembrou-se naturalmente do que dissera Eustáquio sobre os animais falantes daquele outro mundo e percebeu que era a voz do Leão. Não se parecia com a voz humana: era mais profunda, mais selvagem, mais forte. Não ficou mais amedrontada do que antes, mas ficou amedrontada de um modo diferente.

- Não está com sede? - perguntou o Leão.

- Estou morrendo de sede.

- Então, beba.

- Será que eu posso... você podia... podia arredar um pouquinho para lá enquanto eu mato a sede?

A resposta do Leão não passou de um olhar e um rosnado baixo. Era (Jill se deu conta disso ao defrontar o corpanzil) como pedir a uma montanha que saísse do seu caminho.

O delicioso murmúrio do riacho era de enlouquecer.

- Você promete não fazer... nada comigo... se eu for?

- Não prometo nada - respondeu o Leão. [4]

A sede era tão cruel que Jill deu um passo sem querer.

- Você come meninas? - perguntou ela.

- Já devorei meninos e meninas, homens e mulheres, reis e imperadores, cidades e reinos - respondeu o Leão, sem orgulho, sem remorso, sem raiva, com a maior naturalidade.

- Perdi a coragem - suspirou Jill.

- Então vai morrer de sede.

- Oh, que coisa mais horrível! - disse Jill dando um passo à frente. - Acho que vou ver se encontro outro riacho.

- Não há outro - disse o Leão. [5]

Jamais passou pela cabeça de Jill duvidar do Leão [6]; bastava olhar para a gravidade de sua expressão. De repente, tomou uma resolução. Foi a coisa mais difícil que fez na vida, mas caminhou até o riacho, ajoelhou-se  [7] e começou a apanhar água na concha da mão. A água mais fresca e pura que já havia bebido. E não era preciso beber muito para matar a sede. Antes de beber, havia imaginado sair em disparada logo depois de saciada. Percebia agora que seria a coisa mais perigosa. Ergueu-se de lábios ainda molhados.

- Venha cá - disse o Leão.

E ela foi. Estava agora quase entre as patas dianteiras do Leão, olhando-o diretamente nos olhos. Mas não aguentou isso por muito tempo e desviou o olhar. [8]

- Criança humana - disse o Leão -, onde está o menino?

- Caiu no abismo - respondeu Jill, acrescentando: - ... Senhor. [9] - Não sabia como tratá-lo e seria uma desfeita não lhe dar tratamento algum.

- Como foi isso?

- Ele estava querendo me segurar, para eu não cair.

- Por que você chegou tão perto do abismo, criança humana?

- Eu queria fazer bonito, senhor.

- Gostei da resposta, criança [10]. Não faça mais isso. - Pela primeira vez a face do Leão mostrou-se um pouco menos severa. - O menino está bem. Foi soprado para Nárnia. A sua missão é que ficou mais difícil.

- Qual missão, por favor?

- A missão que me fez chamá-los aqui, fora do mundo de vocês.

Jill ficou intrigadíssima, achando que o Leão a tomava por outra pessoa. Não tinha coragem de revelar isso, apesar de sentir que podia dar uma confusão medonha.

- Diga o que está pensando, criança. [11]

- Eu estava imaginando... quer dizer... não está havendo um engano? Acontece que ninguém chamou a gente aqui. Nós é que pedimos para vir. Eustáquio disse que devíamos chamar... alguém... não me lembro do nome... e que esse alguém talvez nos deixasse entrar. Foi o que fizemos, e então encontramos a porta aberta.

- Não teriam chamado por mim se eu não houvesse chamado por vocês. [12]

- Então o senhor é o Alguém? - perguntou Jill.

- Sim."

C.S. Lewis, As Crônicas de Nárnia, A Cadeira de Prata, Cap. 2.

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A numeração no texto foi feita por mim. Quero somente comentar brevemente a respeito destes pontos.

1- Penso ser sabido que as Crônicas de Nárnia são uma estória de fundo cristão. Aslam é naturalmente um símbolo de Jesus. Interessante ser o Cristo representado por um Leão, pois: 1- O leão comumente simboliza a majestade; 2- "Leão de Judá" é um dos nomes dados a Jesus na Sagrada Escritura.
2- Uma suposição errada fundamentada no medo e que só faz perder tempo. Muito comum.
3- Assemelha-se ao que Jesus diz: "Quem estiver com sede, venha a Mim, e beba". Deste modo, o riacho pode querer representar o próprio Aslam, ou o Cristo.
4- Só compreendendo como o Aslam é bondoso para apreciar o gracejo. Além disto, é óbvio que Ele não poderia prometer não influenciar de nenhum modo; isso seria impossível. Mas o fato de não explicar a expressão, revela um bom humor delicioso que Lewis atribui a Deus.
5- Aqui parece haver uma referência à absoluta exclusividade do Cristo. De fato, não há outro em quem podemos nos saciar, ou, nos dizeres de S. Pedro: "A quem iremos se só Tu tens a vida?"
6- Sendo o Cristo a própria verdade, não é possível duvidar d'Ele quando estamos na Sua presença, a menos que sejamos totalmente corruptos interiormente.
7- O fato de ajoelhar-se antes de beber da fonte é muito significativo.
8- Aqui há uma coisa interessante. S. João da Cruz, expressando o olhar de Cristo, escreve: "Aparta-os, Amado, que eu alço vôo". Sta Teresa diz o mesmo, completando que, embora o olhar enamorado do Cristo seja o que a pessoa mais deseja, no entanto, ela como que não o suporta e termina por pedir que Ele os afaste. Estas referências místicas parecem se fundamentar no livro dos Cânticos, onde se diz algo similar.
9- O fato de Jill querer usar algum tipo de tratamento, demonstra que ela reconhecia estar diante de uma autoridade. Jesus, embora despido de suas vestes reais, é Rei pela própria natureza. Sta Teresa D'Avila dizia justamente isto: "a Realeza é algo que Lhe pertence". Na primeira das Crônicas de Nárnia, o castor, referindo-se a Aslam, diz: "Ele é Rei, digo e repito". Quando estamos diante d'Ele, é natural que assumamos uma atitude de máximo respeito. Observar a atitude dos reis Magos quando, ultrapassando o véu das aparências, deram-se conta de Quem estava diante deles. Comentando sobre este episódio, S. Pedro Julião Eymard escreve: "curvar-se-iam até as entranhas da terra, se pudessem".
10- Jesus é grande amigo da sinceridade. Lembremos da parábola da festa, onde alguém surge sem as vestes apropriadas. Interrogado sobre a causa de estar ali sem a roupa devida, o rapaz não responde nada. Não disse nada porque não é possível dissimular ou inventar desculpas diante do Cristo. Nosso Senhor ama a verdade. Diante d'Ele, é preciso uma total sinceridade e transparência.
11- Aqui, mais uma vez, Jill pretendia ocultar algo que pensava. Mas Aslam lhe pede mantenha a transparência.
12- Lembrar aqui do que Jesus fala: "Ninguém vem a Mim se antes o Pai não o atrair".

Filme Cristiada - Trailer


Viva Cristo Rei!

Cante, minh'alma, a bondade do Senhor...


"A minha alma como um pássaro escapou do laço que lhe armara o caçador..." (Sl 123,7)

"Ainda se formos infiéis, Ele permanece fiel..." (2 Tim 2,13)

domingo, 15 de janeiro de 2012

Sofrimento, Desejo, "Eu", Verdadeira Natureza, Deus, budismo


Existe o sofrimento? 

Sim, existe e é universal.

O que é o sofrimento?

É a atitude interior diante de uma experiência contrária a uma outra tida como ideal. Neste sentido, o sofrimento difere da dor, sendo esta tão somente o fator experimentado pelos sentidos.

Por que existe o sofrimento?

Justamente por causa da idealização. O sofrimento surge a partir do desejo de que uma situação ideal aconteça.

Por que a pessoa deseja isso?

Porque ela se dá conta de uma dualidade. Essa dualidade pode se converter em disparidade, isto é, em desarmonia. Os objetos desta dualidade são: 1- o eu; 2- o não eu, isto é, tudo quanto existe fora do sujeito: o mundo. Ao perceber a disparidade entre "eu" e "mundo", ela deseja a sua harmonia. No entanto, apegada ao próprio eu, ela passa a querer que o mundo se adéque ao seu subjetivo. É o equivalente à soberba, no cristianismo. É desse desejo que surge o sofrimento.

O que se deve, então, fazer? 

O cristianismo pregará que o "eu" é que deve se adequar ao mundo objetivo, e não o contrário. Nesta linha que estamos expondo, porém, cumprirá dizer que a identificação entre o sujeito e o que ele chama de "eu" é equivocada.

Como assim?

Vimos que ele sofre porque deseja que o mundo se conforme ao seu "eu". Portanto, o sofrimento vem do desejo. Este desejo se manifesta como apego ao "eu". Porém, o que é este "eu"? Quem é "eu"? Percebemos que, se o quisermos definir, sempre o faremos a partir de relações. "Eu" sou aquele que nasceu de tal e tal pessoa; sou aquele que estudou em tal escola; que acordou hoje mal humorado; que ganhou uma promoção no trabalho, etc. Ora, se sempre definimos o "eu" a partir de relações, isto significa que a existência do "eu" está sempre condicionada a outras coisas. Se as coisas são necessárias para formar esta relação e para termos a explicação do nosso eu, não faz sentido fazer uma distinção entre "eu" e "não-eu", já que o "eu" só existe a partir das relações com o mundo, isto é, com o "não-eu". Portanto, o "eu" enquanto substância independente parece não existir. Se não existe, não convém se lhe apegar; se não se lhe apega, não há desejo; se não há desejo, não há sofrimento.

Mas, se não existe o "eu", o que somos? Não existimos individualmente? Isto não é, pelo menos, absolutamente contra-intuitivo?

No cristianismo, encontraremos diversos escritores que falarão da descoberta de um "verdadeiro eu" que somente surgirá quando nos despirmos do nosso "falso eu". Na linha que estamos seguindo neste texto, o sujeito reconhecerá que, se o "eu" só existe a partir das relações, há, no entanto, algo anterior ao "eu" e que é testemunha de todas as relações deste "eu", estando, portanto, fora de toda relação e independente delas. Tomar consciência deste algo e contemplá-lo é conhecer a sua própria verdadeira natureza, superando a prisão do desejo e encontrando aquilo que é o fundamento de toda a realidade. A meu ver, há aqui uma tripla possibilidade de interpretação: 

1- ou o sujeito cai numa visão panteísta, monista, segundo a qual tudo é uma coisa só, e as suas diferenças seriam, na verdade, apenas aparências. A consequência disto é que o sujeito tem de atribuir consciência às coisas, já que a característica essencial deste "algo-testemunha" é o ter consciência das relações. Porém,  se se resguarda alguma diferença nos seres, como num contexto evolutivo, haveria ainda de se incluir a conjunção entre este "algo" e o que se costuma chamar "organismo psico-físico", junção que caracterizaria o ser humano.

2- ou simplesmente ele reconhece que existe apenas algo que subjaz às coisas e a partir do qual elas existem e se mantêm na existência; no entanto, se é precisamente este algo auto-consciente das relações o que há de comum nas coisas, voltamos à alternativa acima.

3- ou o que aí é contemplado seria o "Deus no íntimo" de Sto Agostinho, S. Boaventura, S. João da Cruz, Sta Teresa D'Avila e infinitos outros. Mas também aqui há problema, pois esta interpretação implicaria na divinização da "verdadeira natureza" da pessoa, o que levaria a uma posição gnóstica. O conhecimento de Deus na alma, na perspectiva cristã, sempre mantém a diferença essencial entre Deus e a alma. Logo, esta tem uma natureza própria, não identificada a Deus. Se há uma natureza própria, há algo que lhe é absolutamente peculiar, isto é, que não é partilhado pelos outros seres.

Antes que me chamem de herege (kkkkkkk), quero apenas esclarecer que este é meio que o percurso empobrecido da meditação do Siddhartha Gautama, o primeiro Buda (com exceção destas três possibilidades interpretativas), e aqui estou fazendo somente uma mera e sucinta exposição, embora esta fique, eu o reafirmo, imensamente abaixo da riqueza teórica da coisa. Mas, aos que pensam ser o budismo qualquer coisa de irracional, a argumentação acima não parece no mínimo inteligente? Tomistas de plantão encontrarão problemas; é possível, como eu mesmo penso ter encontrado. Mas há sacadas de gênio nisso aí, e há muitíssimos equivalentes com o Cristianismo. Quis fazer no modo "Perguntas e Respostas" para ficar mais didático.

Em tempo: 
1- Sou Católico Apostólico Romano e, como tal, totalmente submisso à Santa Igreja.
2- No entanto, percebo que há muito simplismo por parte de alguns, às vezes. Sto Tomás, o Doutor Comum da Igreja, dizia que a verdade deve ser reconhecida, independentemente de quem a diga.
3- Sobre o texto, sim, há algo em comum em tudo quanto existe. Primeiramente, todo ente partilha o caráter da existência. Segundo, todos são, enquanto existentes, sustentados. Se são sustentados, o são por Alguém. Em meu humilde parecer, o que Buda teve foi como uma contemplação da espiritualidade da alma e um vislumbre de Deus na própria alma (enquanto esta é imagem de Deus) e este vislumbre lhe levava a reconhecer que tudo quanto existe traz a marca deste Escondido que, no entanto, se deixa alcançar. O fato de eu pensar isto não é produto de um mero desejo ou preferência; é, antes, algo que eu vejo como uma possibilidade coerente.
4- O traço mais problemático do budismo é que ele prega a iluminação de um modo auto-suficiente.
5- Penso que os problemas do budismo são de excesso ou de falta. Estando isento da Graça, o maior bem que ele pode provocar está restrito ao âmbito moral que, no entanto, não convém subestimar. Pode provocar um mal, enquanto caminho alternativo a Cristo. Porém, o que convém considerar é que, independentemente do lugar e do tempo, toda verdade é verdade e, por isso, no dizer de Sto Agostinho, é, por natureza, cristã. Se há algo de verdadeiro no budismo, este algo, separado dos erros, é essencialmente cristão. Não à toa, vários místicos católicos são constantemente citados em textos sobre o assunto. Uma certa raiz comum subjacente aos ramos religiosos mais respeitados é inegável.
6- Não estou relativizando nada. kkkkk. Buda foi um sujeito muito inteligente. Jesus é nada menos que Deus. (tudo tem de ser bem explicado, rsrs.. Oh God!)

"Examinai tudo; ficai com o que é bom". São Paulo.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Pecado, Culpa, Humildade, Amor


Numa de suas meditações, Santa Julian de Norwich afirma que, quando pecamos, a angústia que experimentamos já é parte da punição, isto é, da pena. Para nós, que temos vasta experiência com o pecado, fica claro, porém, que há um lance bastante pessoal no que sentimos e é aí que justamente podemos levar uma rasteira. Quer dizer, o que quer que experimentemos, não significa exatamente que foi enviado por Deus, mas pode ser tão somente uma resposta subjetiva nossa com relação à nossa traição. Este é um assunto delicado.

O ponto do remorso, por exemplo, parece assemelhar-se ao arrependimento, mas é comum que a culpa  subjetiva - digo 'subjetiva' para diferenciá-la daquela outra que é uma consequência 'objetiva' do pecado e que se ordena à dimensão espiritual, estando a pena, ao contrário, restrita ao âmbito físico - exista desacompanhada de qualquer projeto de emenda. Neste caso, ela é nociva. Aliás, como o remorso costuma ser alimentado por nós mesmos, é comum que adotemos outras práticas pecaminosas como modo de distração do próprio remorso, o que gera um ciclo contínuo: 1- Peco. 2- Sinto remorso. 3- Peco de novo para me distrair do remorso. 4- Sinto remorso pelo novo pecado... etc... etc... Neste processo, é comum que o sujeito vá desacreditando de que a virtude lhe esteja acessível, ou da própria existência da virtude.

Por vezes, contudo, nós é quem não nos perdoamos e, por causa do pecado, não aceitamos retomar a intimidade que tínhamos antes com Deus. Sta Teresa D'Avila passou longos anos neste engodo, nesta falsa humildade que, mais tarde, reconheceu ser de inspiração demoníaca.

O monge Tadej dizia que o fato de repetirmos certos pecados pode ser um indício de que nós não nos perdoamos deles. Isto é bastante interessante e coerente se percebermos que, muito frequentemente, o que nos incomoda no fato de pecarmos não é que tenhamos ofendido a Deus, mas que nos tenhamos descoberto imperfeitos. Ora, uma pessoa que faça da santidade qualquer coisa de cosmético, obviamente terá de levar inúmeras quedas, para que aprenda. Uma ilusão não apenas engana, mas também impede a continuidade da busca. Para que a verdade seja encontrada, ela precisa ser buscada. Por isto, a ilusão deve ser destruída. Neste sentido, as quedas podem ter um importante papel pedagógico, perfeitamente expresso na frase dos Padres do Deserto: "Que teu entulho seja teu pedagogo". Elas podem nos dar uma compreensão mais profunda da nossa pequenez, do nosso nada e isto é fundamental para que exista humildade, sendo esta, na expressão de Sto Antônio, a gênese de toda virtude assim como o botão é o início da flor.

Temos de desenvolver no íntimo da alma a convicção aguda do que Jesus diz: "Sem mim nada podeis fazer". Enquanto esta verdade não estiver circulando no nosso sangue e impregnando a medula dos nossos ossos, estaremos fadados às quedas. Enquanto estivermos pretendendo ser alguma coisa de independente e alternativo a Jesus, estaremos pagando mico e perdendo tempo.

No entanto, a Julian de Norwich afirma que Deus assiste a nossa dor pelo fato de termos pecado e, não somente assiste - o que já sabemos -, mas também haverá de recompensá-la. Aqui está um traço muito inovador e do qual nunca encontrei nenhum equivalente em ninguém mais. Segundo ela, o sofrimento provindo do pecado seria, depois, gratificado pelo próprio Deus.

A Julian escreve seus textos com base em algumas revelações místicas que ela afirmou ter recebido.

Lembro-me que, no final destas comunicações, a Pessoa com Quem havia interagido manteve com ela este pequeno diálogo:

- O que vistes nessas revelações?
Julian - O amor.
- Quem te mostrou?
Julian - O amor.
- Por quê?
Julian - Por amor.

Havia ainda outra coisa que Deus dizia de muito motivador:

"Eu sei como fazer bem a todas as coisas,e tu verás, no final, como tudo terminará bem"

Que assim seja, por favor...

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Despedida de Nárnia - Aslam também está em nosso mundo


"Quando o sol nasceu, desvaneceu-se a visão das montanhas. As crianças saíram do bote e começaram a patinhar para o sul, com a parede de água à esquerda. Não sabiam por que fizeram assim; era o destino. Apesar de a bordo do Peregrino se sentirem muito crescidos, agora tinham a sensação contrária e davam-se as mãos entre os lírios.

Nunca se sentiram tão cansados. A água estava morna e era cada vez menos funda. Por fim, caminhavam na areia e depois na relva - por uma extensa planície de relva rasteira e bela, que se estendia em todas as direções, quase no mesmo nível do Mar de Prata.

Como sempre acontece em uma planura sem árvores, parecia que o céu se juntava com a relva, lá longe. Quando avançaram mais, tiveram a estranha sensação de que, pelo menos ali, o céu descia de fato e unia-se à terra - em uma parede muito azul, muito brilhante, mas real e concreta, parecendo vidro. Depois tiveram a certeza total. Estavam agora muito perto. Entre eles e a base do céu havia algo tão branco que, até mesmo com seus olhos de águia, dificilmente poderiam fitar. Continuaram e viram que era um cordeiro.

- Venham almoçar - disse o Cordeiro na sua voz doce e meiga.

Notaram que ardia sobre a relva uma fogueira, na qual se fritava peixe. Sentaram-se e comeram, sentindo fome pela primeira vez desde muitos dias. E aquela comida era a melhor de todas as que haviam provado.

- Por favor, Cordeiro - disse Lúcia -, é este o caminho para o país de Aslam?

- Para vocês, não - respondeu o Cordeiro - Para vocês, o caminho de Aslam está no seu próprio mundo.

- No nosso mundo também há uma entrada para o país de Aslam? - perguntou Edmundo.

- Em todos os mundos há um caminho para o meu país - falou o Cordeiro. E, enquanto ele falava, sua brancura de neve transformou-se em ouro quente, modificando-se também sua forma. E ali estava o próprio Aslam, erguendo-se acima deles e irradiando luz de sua juba.

- Aslam! - exclamou Lúcia. - Ensina para nós como poderemos entrar no seu país partindo do nosso mundo.

- Irei ensinando pouco a pouco. Não direi se é longe ou perto. Só direi que fica do lado de lá de um rio. Mas nada temam, pois sou eu o grande Construtor da Ponte. Venham. Vou abrir uma porta no céu para enviá-los ao mundo de vocês.

- Por favor, Aslam - disse Lúcia -, antes de partirmos, pode dizer-nos quando voltaremos a Nárnia? Por favor, gostaria que não demorasse...

- MInha querida - respondeu Aslam muito docemente, você e seu irmão não voltarão mais a Nárnia.

- Aslam! - exclamaram ambos, entristecidos.

- Já são mutio crescidos. Têm de chegar mais perto do próprio mundo em que vivem.

- Nosso mundo é Nárnia - soluçou Lúcia. - Como poderemos viver sem vê-lo?

- Você há de encontrar-me, querida - disse Aslam.

- Está também em nosso mundo? - perguntou Edmundo.

- Estou. Mas tenho outro nome. Têm de aprender a conhecer-me por esse nome. Foi pro isso que os levei a Nárnia, para que, conhecendo-me um pouco, venham a conhecer-me melhor."

C.S. Lewis, As Crônicas de Nárnia, A Viagem do Peregrino da Alvorada, Cap. 16.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Você é um homem ou um rato? A determinação de Ripchip


Nesse tempo em que o GRAA passa por certas dificuldades e, com o barco encostado, discute-se sobre o seu futuro, eis um texto muito apropriado: a tripulação de Caspian, tendo chegado a uma certa ilha e deparando-se com um banquete digno de um rei e que se estenderia pelos dias indefinidamente, hesita em prosseguir até o Fim do Mundo. O Peregrino, o barco que utilizam, esperava perto da praia. Alguns integrantes da população estavam indecisos e pareciam querer voltar. Então Rinelfo, um dos mais leais a Caspian, falou o seguinte:

**
- Majestades, meus senhores e minhas senhoras, gostaria apenas de lembrar uma coisa: ninguém veio obrigado a esta viagem. Viemos todos por livre e espontânea vontade. Muitos, que estão agora olhando para esta mesa como doidos, proclamavam em voz bem alta, no dia da partida, em Cair Paravel, que haveriam de correr as mais fantásticas aventuras e juravam não voltar sem ter chegado ao Fim do Mundo. No cais ficaram muitos que tudo dariam para vir conosco. Não sei se entendem o que quero dizer. Mas, na minha opinião, aquele que desistir agora, depois de tantas aventuras por estes mares, será mais estúpido do que os Tontos*. Ora, chegar ao princípio do Fim do Mundo e não ter a coragem de prosseguir!

Alguns marinheiros aplaudiram, mas outros não gostaram nada.

- Isto não vai ser brincadeira - murmurou Edmundo para Caspian. - Que iremos fazer se estes caras não quiserem ir?

- Calma: ainda tenho um trunfo!

- Você não diz nada, Ripchip? - sussurrou Lúcia.

- Não. Por que acha Vossa Majestade que devo falar? - respondeu o rato, numa voz que quase todos ouviram.

- Os meus planos estão traçados. Enquanto puder, navegarei para o oriente no Peregrino. Quando o perder, remarei no meu bote. Quando o bote for ao fundo, nadarei com as minhas patas. E, quando não puder nadar mais, se ainda não tiver chegado ao país de Aslam, ou atingido a extremidade do mundo, afundarei com o nariz voltado para o leste, e outro será o líder dos ratos falantes de Nárnia."

* Tontos era uma raça engraçada de ex-anões que não se distinguia pela inteligência.

C.S. Lewis, As Crônicas de Nárnia, A Viagem do Peregrino da Alvorada, Cap. 14

Antes de ver Aslam, é preciso estar amadurecido


Lúcia seguiu o Leão pelo corredor e viu de repente, vindo na direção deles, um homem idoso, descalço e de túnica vermelha. Coroava-lhe o cabelo branco uma grinalda de folhas de carvalho, a barba chegava-lhe à cintura, e ele apoiava-se num bastão todo trabalhado. Fez uma referência profunda ao ver Aslam e disse:

- Bem-vindo à mais humilde das casas, senhor.

- Está aborrecido, Coriakin, por ter de governar uns súditos tão apalermados como os que lhe dei?

- Não - respondeu o mágico. - São de fato muito estúpidos, mas não são perigosos. Já estou até gostando deles. Algumas vezes perco um pouco a paciência, esperando o dia em que poderão ser governados pela sabedoria e não por esta magia rudimentar.

- Tudo a seu tempo, Coriakin - disse Aslam.

- Vai aparecer para eles? - perguntou o ancião.

- Não - disse o leão com um rugido, que queria dizer (pensou Lúcia) o mesmo que uma risada. - Ficariam assustados demais. Muitas estrelas envelhecerão e virão descansar nas ilhas antes que o seu povo esteja amadurecido para isso.

C.S. Lewis, As Crônicas de Nárnia, A Viagem do Peregrino da Alvorada, Cap. 11

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Deserto e Desposório.


http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=9l-YYqjhVi4

O video acima, embora não possa ser incorporado, pode ser assistido no youtube. Trata-se de uma animação inspirada num princípio zen.

Trago-o aqui, porém, porque ele apresenta interessantíssimos paralelos com uma verdade fundamental do cristianismo.

Seria interessante, antes de ler esses tais paralelos, assistir o video.

**

Bem. Como sabemos, antes de iniciar a Sua vida pública, logo depois do batismo de João, Jesus vai para o seu retiro de quarenta dias no deserto. É de grande importância destacar que Ele é para lá conduzido pelo Espírito Santo.

Chegando ao deserto, Nosso Senhor será tentado pelo demônio e no final das três ofertas demoníacas devidamente recusadas, o diabo irá embora e Jesus passará a ser servido por um anjo.

Vamos a uma explicação desta passagem que encontramos sobretudo nos famosos Padres do Deserto. Para estes monges, a ida de Jesus ao deserto iria se converter no modelo de progresso espiritual pelo qual passaria quem se dedicasse à oração.

Primeiro, observemos o que é um deserto. Deus, no livro de Oséias, diz que conduzirá o homem para lá e só então lhe falará ao coração e se unirá com ele. Em algumas traduções, encontraremos o termo "desposar". Esta íntima união com Deus - amor esponsal - é o que de mais verdadeiro e mais profundo o homem busca. Todos conhecemos a frase de Sto Agostinho que diz: "estou inquieto enquanto não descansar em Ti". Pois bem. A satisfação de uma sede tão visceral no homem será oferecida... no deserto, justamente o lugar onde a sede se acentua. É lá que haverá a união com Deus.

O deserto, como sabemos, é um lugar árido, difícil, que faz muito calor de dia e muito frio à noite. É um lugar de poucos atrativos, escasso, imensamente desconfortável. Por que raios Deus quereria levar o homem para lá?

Tem ainda uma outra característica: em toda a tradição monástica, ele é o lugar onde vivem os demônios. Notemos que foi justamente no deserto onde o demônio apareceu para Jesus. Outro exemplo clássico é o de Sto Antão, considerado por alguns o grande pai do monaquismo, embora não tenha sido o primeiro monge. Seus combates com os demônios são bastante conhecidos.

Pois bem. É óbvio que o deserto, enquanto tipo, não será necessariamente o deserto literal, isto é, um espaço físico, geográfico, com areia, sol escadante, cactos, lagartos, pedras, etc. Obviamente que não. Ele poderá ser entendido como símbolo e, neste caso, representará, além das características já elencadas, a solidão e o silêncio. Há uma santa na Igreja que dizia que, para adentrar neste deserto, basta fazer silêncio e pôr-se em solidão. Veremos, contudo, que isto não é tão fácil quanto parece.

Entrar no deserto é aprender a estar em silêncio e em solidão. Isto exige disciplina. Primeiro, não é suficiente uma solidão e um silêncio meramente externos, embora isto também seja necessário. A questão é que, se alguém decide se aquietar e calar, nem por isso obterá silêncio, de imediato, no seu interior. E este é o ponto mais importante. Fazer este tipo de silêncio é uma questão de disciplina e de prática. Mas, além disto, há umas sutilezas que não se pode desprezar.

Quando alguém, então, começa a praticar, verá por que se diz que o deserto é o lugar dos demônios. Diante de um silêncio e de uma solidão mais rigorosos, os demônios interiores se fazem ver. O objetivo deles passa a ser o de expulsar-nos do deserto, seja assustando-nos, seja oferecendo-nos algo que presumivelmente nos interessa.

Mas é preciso vencê-los: nem cair no seu engodo, nem fugir. Neste caso, deve-se resistir-lhes e tratá-los com indiferença.

Antigamente, quando alguém queria iniciar-se naquele mundo contemplativo dos padres do deserto, a primeira coisa que devia fazer era suportar-se dentro de uma das pequenas tendas. De início, não devia fazer mais nada: somente conseguir permanecer lá. Este processo inicial de disciplinação já era suficiente para o monge aprender bastante coisa.

Pois bem. Para vencer estes demônios, é preciso determinação, ao mesmo tempo que desprendimento. É preciso aprender a ignorar medos e desejos, a ter paciência, a vencer os incômodos. Nós, que procuramos sempre satisfação para os nossos sentidos, novas sensações e atrações, deveremos nos abster de tudo isto no deserto. Daí também o seu caráter a princípio aborrecedor. É preciso transcender esta infantilidade a que estamos habituados. Além disto tudo, é necessário corrigir a intenção. Ter a intenção pura, isto é, uma intenção livre do egoísmo e da busca primeira de auto-satisfação, é fundamental.

Ponha uma mulher vaidosa, que leva todo tipo de bugigangas como batons, saltos, e coisas do tipo.. para andar num deserto por tempo indefinido. Depois de um certo tempo, ela terá abandonado tudo quando não seja essencial; terá trocado o refrigerante pela água. O deserto tem este caráter purificador, simplificador e de libertação do sujeito.

Na fuga do Egito, o povo de Deus passou por maus bocados no deserto. Eram tempos difíceis, mas a proximidade de Deus era particularmente clara. Tudo isto só demonstra que é quando nos esvaziamos de nós mesmos que então nos abrimos para uma relação amorosa com Deus. Não há espaço para Ele quando estamos saciados. Por isto que perceber a própria indigência, superando a ilusão da auto-suficiência, é absolutamente importante no cristianismo. De fato, o cristianismo é uma religião de pobres. A pobreza gera abertura. Abertura implica desapego e disposição.

Assumir a pobreza significa também limpar os olhos de toda ilusão das próprias satisfações. Isto permite adquirir um grau maior de sutileza e de profundidade na contemplação da verdade. Quando eu alcanço este tipo de desprezo de mim mesmo, de despojamento, eu estou livre para encontrar-me com este Outro que, na verdade, foi Quem me conduziu desde o início para o deserto, a fim de, libertando-me de mim mesmo, unir-me com Ele. A pobreza, logo, dispõe para o Amor.

Se eu consigo vencer estes demônios, aquilo que aparentemente era o inferno - e é preciso passar por esta fase - converte-se em céu e, a partir de então, eu passo a ser servido pelos anjos, isto é, encontro naquela solidão e naquele silêncio, a satisfação celeste. Isto existe! E vale a pena!

Se, porém, eu me distraio com meus desejos e meus medos, despendendo energia com eles, seja deles fugindo, atacando-lhes ou buscando-lhes, ajo como o sujeito do video, atordoado com as moscas, e isto somente me afasta da solidão e do silêncio.

Se, porém, eu apenas sento e fico quieto, por fora e por dentro, poderei adentrar na paz, na contemplação silenciosa dAquele que nos abarca e nO Qual existimos, nos movemos e somos. É o que diz o Salmo: "Cessai e vede que eu sou Deus".

Mas, cessai antes. Verás depois. Mas se antecipar a visão, não cessará coisa nenhuma. Corrija a intenção; ela tem que ser pura. E antes de cessar, vai ter de enfrentar estes incômodos da tua alma acostumada às satisfações. E, de início, o deserto é sempre desconfortável. Mas vale a pena. "Nisto consiste a vida eterna: em que te conheçam a Ti", diz Jesus ao Pai. Pois bem. A felicidade humana estará neste desposório e ele acontecerá na solidão do deserto.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Em que consiste a Perfeição Cristã


"Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, carregue sua cruz e siga-me"

 Toda a perfeição cristã, com efeito, consiste:

1 - Em querer tornar-se santo: "Se alguém quiser vir após mim";
2 - Em abster-se: "Renuncie-se a si mesmo";
3 - Em sofrer: "Carregue sua cruz"
4 - Em agir: "Siga-me".

S. Luís Maria Grignion de Montfort, Carta aos Amigos da Cruz

sábado, 7 de janeiro de 2012

Onde está a fila pra ver Jesus?

Um pouco atrasado, mas tá valendo...

A ação de Deus na alma quieta


Um pouquinho que Deus opere na alma, neste santo ócio e soledade, é um bem inapreciável, por vezes muito maior do que a própria alma ou quem a dirige possam imaginar. E embora não se veja tanto na ocasião, a seu tempo manifestar-se-á. O mínimo que a alma então pode alcançar, é sentir um alheamento e estranheza em relação a tudo, algumas vezes com maior intensidade do que em outras; ao mesmo tempo sente inclinação para soledade, e tédio de todas as criaturas deste mundo, enquanto respira suavemente amor e vida no espírito. E, assim, tudo quanto não é este alheamento e estranheza causa-lhe dissabor; pois, como se costuma dizer, quando goza o espírito, a carne fica sem prazer. 

São João da Cruz, Chama Viva do Amor

Silêncio é...


Silêncio é mansidão
Quando você não defende a si mesmo contra as ofensas
Quando você não chama por seus direitos
Quando você deixa Deus defende-lo
Silêncio é mansidão...

Silêncio é misericórdia
Quando você não revela a outros a falta de seus irmãos
Quando você prontamente perdoa sem remexer o passado
Quando você não julga, mas ora em seu coração
Silêncio é misericórdia...

Silêncio é paciência
Quando você aceita sofrimentos sem reclamar, alegremente
Quando você não procura consolações humanas
Quando você não se torna muito excitado
Mas espera, paciente, que a semente germine
Silêncio é paciência...

Silêncio é humildade
Quando não há competição
Quando você considera a outra pessoa melhor do que você
Quando deixa seu irmão brotar, crescer e amadurecer
Quando você, alegremente, abandona tudo no Senhor
Quando as suas ações podem ser mal interpretadas
Quando você deixa para outros a gloria da recompensa
Silêncio é humildade...

Silêncio é fé
Quando você guarda silêncio porque sabe que o Senhor agirá
Quando você renuncia à voz do mundo para manter-se na presença do Senhor
Quando você não se esforça para ser entendido
Porque é suficiente para você saber que o Senhor o entende
Silêncio é fé...

Silêncio é adoração
Quando você abraça a cruz sem perguntar “por quê”
Silêncio é adoração...

Madre Teresa de Calcutá

O impossível tornado possível e natural


"Quantas coisas terá de vencer e deixar para trás até que, por fim, encontre a verdade... Quantas vezes será acometido, durante sua caminhada, da sensação de estar aspirando o impossível... E, não obstante, chegará o dia em que o impossível se transformará no possível e, mais ainda, no natural."

Eugen Herrigel

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O apostolado, a morte do grão de trigo, a força da cruz e a altura do cume



"Os apóstolos - 'como que destinados à morte' assim lhes chama Paulo - terão sempre que aprender, como os antigos cavaleiros ao serem armados, que são 'homens que entram em carreira de morte'. É a morte do grão de trigo que se enterra e que só assim dá fruto. Seria um triste apostolado pretender atrair diminuindo a dureza do caminho. Tirai à santidade a cruz e ter-lhe-eis tirado a sua força avassaladora. Ter a coragem de proclamar a dificuldade do caminho é, simplesmente, pôr em evidência a altura do cume que se pretende atingir: alvorada para os homens generosos, incitamento para os humildes, coroa para os que têm esperança."
(Por um cartuxo anônimo)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

A chegada de Aslam, para imensa alegria de alguns e terror de outros.


- Que aconteceu, Aslam? - perguntou Lúcia, com os olhos a bailar e os pés desejosos de fazer o mesmo.

- Vamos, minhas filhas - disse ele. - Hoje vão andar outra vez nas minhas costas.

- Que bom! - gritou Lúcia.

E as duas meninas subiram para o dorso quente e fulvo, como tinham feito sabe-se lá há quantos anos. Todo o grupo se pôs em movimento. Aslam à frente, seguido de Baco e das mênades - que corriam e saltavam e davam cambalhotas -, depois os animais cabriolando e finalmente Sileno, montado no seu burro.

Cortaram à direita, lançaram-se por uma encosta a pique e foram sair no Passo do Beruna. Da água emergiu uma cabeça coroada de juncos, maior que a de um homem e com a barba a pingar. Olhou para Aslam e disse, numa voz grave:

- Salve, Senhor! Liberte-me dos meus grilhões.

- Quem é? - perguntou Susana num murmúrio.

- Psiu! - disse Lúcia. - Deve ser o deus do rio.

- Baco, liberte-o das cadeias! - ordenou Aslam.

"Deve estar falando da ponte" - pensou Lúcia.

E era, de fato. Baco e sua gente avançaram chapinhando pela água pouco profunda; um instante depois, aconteciam as coisas mais estranhas. Troncos grossos e fortes enrolavam-se pelos pilares da ponte e, alastrando-se como o fogo, envolviam as pedras, separando-as, fazendo-as estalar. As grades da ponte transformaram-se por um momento em bonitas sebes de espinheiro branco. De repente, toda a construção desabou com estrondo e foi engolida pelas águas. Entre nuvens de salpicos e gritos de riso, parte do alegre grupo atravessou o rio a vau, enquanto outros o atravessaram a nado ou a bailar, saltando para a outra margem. Entraram todos na cidade.

- Viva! É outra vez o Passo do Beruna! - gritaram as meninas.

Ao vê-los, toda a gente da cidade desatou a correr.

A primeira casa que encontraram foi uma escola, uma escola de meninas, onde uma porção de alunas de Nárnia, com o cabelo muito esticado e golas muito apertadas e feias, e usando meias muito grossas, assistia a uma aula de História.

A História que se aprendia em Nárnia durante o reinado de Miraz era mais insípida do que a história mais verdadeira que se possa imaginar e muito menos verdadeira do que o mais apaixonante conto de aventuras.

- Goendolina, se continuar olhando para fora e não prestar atenção, dou-lhe um castigo! - disse a professora.

- Por favor... - disse Goendolina.

- Ouviu ou não ouviu o que eu disse?

- Mas, professora - insistiu  Goendolina - lá fora tem um leão!

- Em vez de um, vou lhe dar dois castigos, para você não dizer bobagens. E agora...

Um rugido cortou-lhe a palavra. E a hera começou a crescer e enroscar-se pelas janelas da sala de aula. As paredes ficaram atapetadas de um verde cintilante e o teto cobriu-se de folhas. De repente, a professora percebeu que estava na floresta, numa clareira relvada. Quis agarrar-se à carteira para apoiar-se e viu que esta se transformava numa roseira. Gente selvagem, como ela nunca imaginara que pudesse existir, comprimia-se ao redor. Ao ver o Leão, começou a gritar e a fugir, e com ela toda a classe, formada na maior parte por meninas rechonchudas e de pernas roliças. Goendolina hesitou.

- Quer ficar conosco, querida? - perguntou Aslam.

- Posso? Mesmo? Muito obrigada.

E imediatamente deu a mão a duas mênades, que a fizeram rodopiar numa dança frenética e a ajudaram a despir parte da roupa desnecessária e incômoda que trazia.

Por todos os lados por onde passavam, a cena se repetia. A maioria das pessoas fugia e umas poucas juntavam-se a eles. Quando saíram da cidade formavam um grupo muito maior e mais animado.

Correram pelos campos planos da margem esquerda do rio. De todas as quinas saíam animais que vinham ter com eles. Burros velhos e tristes, que nunca tinham conhecido uma hora de alegria, rejuvenesciam de um momento para outro; cães que estavam presos quebravam as correntes; os cavalos escoiceavam até deixar as carroças em frangalhos e acompanhavam o bando a galope - clope, clope, clope -, relinchando e sacudindo a lama dos cascos.

Junto de um poço, num pátio, um homem espancava um rapaz. O chicote transformou-se numa flor. O homem tentou soltá-la, mas estava agarrada à sua mão. Seu braço transformou-se num ramo, o corpo num tronco, os pés criaram raízes. O rapaz, que há pouco chorava, desatou a rir e foi com eles.

Numa cidadezinha, a meio caminho do Dique dos Castores, encontraram outra escola, onde uma mocinha com ar de cansado ensinava Aritmética a uns meninos muito parecidos com porquinhos. A mocinha olhou pela janela e viu o grupo brincalhão. Tremeu de alegria. Aslam parou debaixo da janela e olhou para ela.

- Oh, não! Queria muito, mas não posso. Tenho de trabalhar. As crianças morreriam de suste se vissem você.

- Morrer de susto? - disse um menino que, mais do que qualquer outro, parecia um leitão. - Com quem está falando? Temos de dizer ao diretor que ela fica conversando com as pessoas à janela quando a obrigação dela é dar aula.

- Só quero ver quem é! - disse outro menino, e todos se levantaram.

Mas no momento em que as carinhas bobocas assomaram à janela, Baco soltou o seu auan-euan-eoooi, e os meninos começaram a gritar assustados e atropelaram-se para sair pela porta ou saltar pela janela. Diz-se que esses meninos nunca mais foram vistos, mas que nessa região apareceu uma raça muito apurada de porquinhos que até então nunca havia existido.

- Venha, minha cara - disse Aslam à senhorita. E ela foi.

No Dique dos Castores voltaram a atravessar o rio e chegaram a uma casinha onde uma menina chorava.

- Por que chora, meu bem? - perguntou Aslam.

A criança, que nunca vira um leão, nem mesmo desenhado, não se assustou.

- Minha tia está muito doente e vai morrer.

Aslam quis entrar pela porta, mas era pequena demais para ele. Enfiou a cabeça, fez força com os ombros (nessa altura, Lúcia e Susana escorregaram e caíram) e, levantando toda a casa, colocou-a abaixo.

Na cama, agora ao ar livre, via-se deitada uma velhinha franzina, que parecia ter sangue de anão. Estava às portas da morte, mas, quando abriu os olhos e viu a juba brilhante do Leão, não gritou nem desfaleceu. Exclamou apenas:

- Oh, Aslam! Sabia que era verdade. Esperei a vida toda por este momento. Veio para me levar?

- Sim, minha querida - disse Aslam. - Mas ainda não para a viagem final.

E, enquanto falava, como o rubor que se insinua nas nuvens ao nascer do sol, a cor voltou-lhe ao rosto pálido, os olhos readquiriram brilho e, sentando-se, ela disse:

- Estou muto melhor. Acho que seria capaz de comer alguma coisa.

- Aqui, titia - disse Baco, enchendo uma bilha no poço.

Mas a bilha, em vez de água, continha o mais perfumado dos vinhos, vermelho como geléia de groselha, suave como o azeite, forte como um bom bife, reconfortante como o chá, geladinho como o orvalho.

- Oh! - exclamou a velha. - O poço mudou, sem dúvida. Está muito melhor assim! - E saltou da cama.

- Suba às minhas costas - disse Aslam, e, para as duas meninas: - Vocês terão de ir a pé.

- Adoramos correr. - E partiram imediatamente.

- Foi assim que, entre saltos, danças, cantos e ruídos de animais, o bando chegou finalmente ao lugar onde o exército de Miraz se alinhava, de espadas no chão e mãos para o ar, e onde os homens de Pedro, com uma expressão severa mas alegre, e ainda de armas nas mãos, cercavam, ofegantes, os vencidos. Então, a velha desceu das costas de Aslam e correu para Caspian... e caíram nos braços um do outro. Porque era, nem mais nem menos, a velha ama do príncipe.

Ao ver Aslam, os soldados telmarinos ficaram lívidos, seus joelhos começaram a bater, e muitos caíram de cara no chão. Nunca tinham acreditado em leões, e a descrença aumentava ainda mais seu terror. Os próprios anões vermelho,s que sabiam que vinha como amigo, ficaram boquiabertos e mudos. Alguns dos anões negros, que tinham tomado o partido de Nikabrik, correram a esconder-se. Os animais falantes, porém, reuniram-se todos à volta do Leão. Alegres, rosnavam, guinchavam, relinchavam, ora acariciando o Leão, roçando-se nele, farejando-o delicadamente, ora andando de um lado para outro, por entre suas pernas. Se alguma vez você já viu um gatinho fazendo festas a um cachorro grande, no qual confia, poderá imaginar o que foi aquilo tudo.

C.S. Lewis, Crônicas de Nárnia, Príncipe Caspian, Cap 14-15.