terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Feliz Natal!


Aos meus caríssimos seguidores do Amor e Pobreza, desejo-lhes um feliz Natal. Esta é uma época em que se realiza, com particular ênfase, as virtudes que nomeiam este blog. É a época em que o próprio Amor se fez Pobre.

Escrevi algo sobre o Natal aqui, se alguém se interessar.

No mais, que Deus os abençoe a todos. Pax.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Dia de São João da Cruz - Um Pastorinho


Um Pastorinho, só, está penando,
privado de prazer e de contento,
Posto na pastorinha o pensamento,
Seu peito de amor ferido, pranteando.

Não chora por tê-lo o amor chagado,
Que não lhe dói o ver-se assim dorido,
Embora o coração esteja ferido,
Mas chora por pensar que é olvidado.

Que só o pensar que está esquecido
Por sua bela pastora, é dor tamanha,
Que se deixa maltratar em terra estranha,
Seu peito por amor mui dolorido.

E disse o Pastorinho: Ai, desditado!
De quem do meu amor se faz ausente
E não quer gozar de mim presente!
Seu peito por amor tão magoado!

Passado tempo em árvore subido
Ali seus belos braços alargou,
E preso a eles o Pastor ali ficou,
Seu peito por amor mui dolorido.

S. João da Cruz

***
Só esclarecendo:

- O Pastorinho é Jesus;
- A pastorinha é a alma humana;
- A terra estranha é esta terra, chamada pelos místicos de exílio; aqui o santo faz referência à Encarnação de Jesus;
- A árvore é a Cruz.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Metafísica do amor


Desde uma perspectiva metafísica, e de acordo com uma tradição multissecular que vai desde Aristóteles até Ortega, amar é "corroborar a pessoa querida no seu ser": confirmá-la na existência, voltarmo-nos por completo sobre ela para apoiá-la, dizer-lhe um sim com alcance ontológico. Josef Pieper afirma o mesmo pondo na boca do enamorado expressões como as seguintes: "É maravilhoso que existas! Eu quero, com todas as forças da minha alma, que tu existas; que maravilhoso que tenhas sido criado!". Ortega, por sua parte, chega a sustentar que não só desejamos que o amado exista, senão que seu ser se torna imprescindível para a integridade de nosso mundo: "amar uma pessoa é estar empenhado em que exista, não admitir, naquilo que depende de si, a possibilidade de um universo onde a pessoa amada está ausente."

Reconhecemos, então, que uma realidade como o amor, tão acriticamente qualificada de "pouco metafísica", aceita uma radical penetração cognoscitiva em termos estritos de ser. Mais ainda, seguindo esta linha, nossa visão e nossa vivência do amor serão tanto mais profundas e ricas quanto mais cheia de sentido e compreensão se encontre nossa concepção do ser.

Por exemplo, se conforme ao que estudaremos, consideramos que o ser é ato no sentido mais radical, que é "ativo por si mesmo", que tende à expansão perfectiva, à plenitude, pergunto: que acontece com a corroboração no ser, com esse inicial dizer "sim" a quem amamos? E respondo: dará logo início a outro momento ou dimensão do amor: desejar a perfeição da pessoa querida.

Amar não será, então, confirmar estaticamente o ser de quem se ama, senão desejar e procurar o apogeu de perfeição do sujeito querido: aspirar a que seja uma pessoa cabal, completa, e pôr todos os meios a nosso alcance para que atinja tal objetivo. Em virtude da mesma índole constitutiva do ato de ser, resulta impossível uma verdadeira corroboração no ser que não faça florescer e dê coragem a um processo dinâmico de aperfeiçoamento da realidade amada: não se confirma efetivamente alguém no seu ser se não se procura, de maneira veemente, a plenitude final que esse ato, pela mesma condição ativa que o configura, exige.

Mas, além disso, o caráter dinâmico da confirmação inicial do ser desemboca no momento conclusivo de qualquer carinho autêntico e genuíno: a entrega. Quem ama de verdade não se limita a reafirmar a existência da pessoa querida, ou até mesmo desejar-lhe sinceramente seu aperfeiçoamento último, senão que torna esse desejo operativo, pondo-se sem reservas a serviço do amado, mediante a entrega do que nele há de mais valioso: o próprio ser pessoal. Tudo, pois, teoria e praxes, gira em torno a uma concepção do ser mais completa.

Porque, com efeito, muitos dos caracteres constitutivos do amor genuíno podem inferir-se da natureza do ser que configura o sujeito humano. Por exemplo, dado que o ser é ato total da realidade que anima, o ato de todos os atos e a perfeição de todas as perfeições, dirá Tomás de Aquino, não se pode amar uma pessoa sem confirmá-la em seu ser completo, sem aceitá-la integralmente, tal como ela é... uma vez que se quer toda a pessoa do amado, dela nada se despreza... ainda que se busque, simultaneamente, da maneira mais amável possível, através do próprio carinho e da própria entrega, o crescimento perfectivo, o cume de perfeição na pessoa que se ama.

Além disso, e este é o último ponto a que faço alusão nesta panorâmica esquemática, a proporção exigida entre causa e efeito torna imprescindível que a confirmação no ser de quem amamos se realize a partir do nosso próprio ser, ou seja, que se coloquem em jogo, junto a um decisivo ato da vontade que quer o bem para o amado, as fibras mais fundas e íntimas e aparentemente mais superficiais da própria e completa personalidade. Amar é, forçosamente, corroborar de forma absoluta e incondicionada: no ser, íntegro, completo, e desde o ser, também em sua totalidade.

Tomás Melendo. Metafísica da realidade. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência "Raimundo Lúlio" (Ramon Llull), 2002. p. 41-42.