segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Como um abismo

Na Santa Missa, é certo que nos reunimos e que entramos também em comunhão fraterna. Mas isto está longe de ser a sua substância, o seu caráter principal. Muito antes disso, a Santa Missa é o Sacrifício de Nosso Senhor no Calvário, perpetuado no Altar.

Por vezes, vemos ou fazemos a experiência de, estando reunidos num determinado local, sermos surpreendidos por um evento súbito que, ao tomar a nossa atenção, faz-nos voltarmos todos a uma mesma direção e como que esquecer as demais pessoas e aquilo de que tratávamos.

Ora, na Santa Missa, embora não vejamos com os olhos físicos, acontece o evento mais importante de todos: a Morte do Deus-Homem para a nossa Salvação. Somente o fato de saber disto, deveria nos tomar de tal forma que todos os demais que conosco partilham daquela singularíssima experiência como que sumissem da nossa vista.

Os nossos sentidos, porém, nada captam do Mistério "apontado" pelos sinais. A aparente ordinariedade dos eventos que lá se dão parecem em nada nos satisfazer a curiosidade. Por isto mesmo, a correta atitude na Santa Missa deve ser algo aprendido e exercitado. Ver com os olhos da Fé requer hábito e a disciplina de saber estar diante da Cruz, mesmo que não a vejamos, é fruto da vontade submissa ao Mistério.

Embora realmente estejamos próximos uns dos outros, na Santa Missa deveríamos cavar uma espécie de abismo entre nós, de modo que nada nos tirasse a atenção e que pudéssemos contemplar a violência infinita daquele amor que sobre nós é investido de forma individual. Sim, Aquele que morre por nós, conhece o nosso nome e ocupa-se de nós. No Santo Sacrifício da Missa, quisera ser só dEle e estar como que só, aos pés da Sua Cruz.

É esta a solidão bendita! É isto o que desejam os amantes do Cordeiro: entrar nos Seus aposentos e unir-se a Ele. Aqui não se trata de nenhum individualismo ou qualquer tipo de ciúmes do Cristo. Mas, antes, é o legítimo reconhecimento de que a santidade, o amor a Deus, é sempre algo pessoal, ainda que façamos parte da Cidade dos eleitos, a Santa Igreja Católica. De forma alguma quero excluir o amor fraterno. Nem cogito isso... Mas é preciso resguardar aquela solidão que nos permite a intimidade com Ele que nos vê em segredo e nos ama no silêncio e escondimento da nossa alma.

Sim.. os santos são sempre solitários, e isto não necessariamente porque se afastam dos outros, mas porque guardam o coração para Um só.

"Oh quão doce e amoroso despertas em meu seio onde só Tu secretamente moras. Neste aspirar gostoso, de bens e glória cheio, quão delicadamente me enamoras" (S. João da Cruz, Chama Viva de Amor)

Que Deus nos ensine o abismo da solidão enamorada.

Fábio Luciano

sábado, 29 de agosto de 2009

Por que amor e pobreza?

Nestas duas virtudes, vejo a perfeição da vida evangélica. Costumo dizer que elas são as duas hastes da Santa Cruz.

O amor nos torna dedicados ao objeto amado, ao mesmo tempo que nos submete a ele. A pobreza cuida de manter-nos a intenção pura, amando com gratuidade e sem interesses. De fato, a pobreza é a libertação do amor próprio, raiz de todos os vícios, como bem o definiu o Pe. Garrigou Lagrange.

Amor e pobreza estão são, de fato, atributos de Nosso Senhor que o acompanham por toda a vida. Desde o nascimento até a morte. Ainda hoje Nosso Senhor é pobre. Antes de significar alguém que nada tem, a pobreza se revela naquele que tudo dá. Portanto, não é impossível que um rico material seja pobre. Davi, que era rico, afirmava que viva na pobreza desde a mocidade. A riqueza que dificulta a entrada no Céu não é exterior, mas interior à alma, e se manifesta basicamente de duas formas: apego ao que se tem e desejo do que não se tem.

O amor age em grande intimidade com a pobreza, pois, entendido como virtude teologal, ele exige-nos retirar o afeto das coisas criadas e pô-lo em Deus somente. Feito isto, passamos a amar as coisas, não segundo os nossos gostos ou o prazer que elas nos provocam, mas segundo Deus, em gratuidade e leveza, sem apegos ou apropriações; em suma, amamos na pobreza.

Todas as virtudes me parecem estar incluídas nestas duas grandes linhas. A obediência, entendo-a como manifestação da pobreza, enquanto desapego da própria vontade. Mesmo a pobreza revela-se como consequência natural do amor correto. Isto nos ensina Nosso Senhor por S. Paulo, quando este escreve: "Quem ama cumpriu toda a lei" (Rm 13,8).

A Cruz é a máxima expressão destas duas virtudes. Revela o amor do Senhor que amou-nos ao extremo (Jo 13,1) e, ao mesmo tempo, a plenitude de Sua entrega e do Seu esvaziamento de Si mesmo. É lá onde Ele abandona até mesmo o Seu último consolo, Sua santa Mãe, e a dá para que assuma a orfandade do mundo. É a plenitude da Kenose. Este mistério é inesgotável.

Fábio Luciano

Mensagem inicial

Neste espaço, postarei minhas reflexões de uma forma mais solta, mais imediata.
Que Deus me abençoe nesta ocupação. Como dizia S. Josemaria, que seja algo que, mesmo na sua pequenez e ordinariedade, transborde a transcendência divina.

Dedico mais este humilde sítio à proteção da Imaculada Virgem, que soube amar e ser pobre como ninguém.
Fábio Luciano