domingo, 15 de janeiro de 2012

Sofrimento, Desejo, "Eu", Verdadeira Natureza, Deus, budismo


Existe o sofrimento? 

Sim, existe e é universal.

O que é o sofrimento?

É a atitude interior diante de uma experiência contrária a uma outra tida como ideal. Neste sentido, o sofrimento difere da dor, sendo esta tão somente o fator experimentado pelos sentidos.

Por que existe o sofrimento?

Justamente por causa da idealização. O sofrimento surge a partir do desejo de que uma situação ideal aconteça.

Por que a pessoa deseja isso?

Porque ela se dá conta de uma dualidade. Essa dualidade pode se converter em disparidade, isto é, em desarmonia. Os objetos desta dualidade são: 1- o eu; 2- o não eu, isto é, tudo quanto existe fora do sujeito: o mundo. Ao perceber a disparidade entre "eu" e "mundo", ela deseja a sua harmonia. No entanto, apegada ao próprio eu, ela passa a querer que o mundo se adéque ao seu subjetivo. É o equivalente à soberba, no cristianismo. É desse desejo que surge o sofrimento.

O que se deve, então, fazer? 

O cristianismo pregará que o "eu" é que deve se adequar ao mundo objetivo, e não o contrário. Nesta linha que estamos expondo, porém, cumprirá dizer que a identificação entre o sujeito e o que ele chama de "eu" é equivocada.

Como assim?

Vimos que ele sofre porque deseja que o mundo se conforme ao seu "eu". Portanto, o sofrimento vem do desejo. Este desejo se manifesta como apego ao "eu". Porém, o que é este "eu"? Quem é "eu"? Percebemos que, se o quisermos definir, sempre o faremos a partir de relações. "Eu" sou aquele que nasceu de tal e tal pessoa; sou aquele que estudou em tal escola; que acordou hoje mal humorado; que ganhou uma promoção no trabalho, etc. Ora, se sempre definimos o "eu" a partir de relações, isto significa que a existência do "eu" está sempre condicionada a outras coisas. Se as coisas são necessárias para formar esta relação e para termos a explicação do nosso eu, não faz sentido fazer uma distinção entre "eu" e "não-eu", já que o "eu" só existe a partir das relações com o mundo, isto é, com o "não-eu". Portanto, o "eu" enquanto substância independente parece não existir. Se não existe, não convém se lhe apegar; se não se lhe apega, não há desejo; se não há desejo, não há sofrimento.

Mas, se não existe o "eu", o que somos? Não existimos individualmente? Isto não é, pelo menos, absolutamente contra-intuitivo?

No cristianismo, encontraremos diversos escritores que falarão da descoberta de um "verdadeiro eu" que somente surgirá quando nos despirmos do nosso "falso eu". Na linha que estamos seguindo neste texto, o sujeito reconhecerá que, se o "eu" só existe a partir das relações, há, no entanto, algo anterior ao "eu" e que é testemunha de todas as relações deste "eu", estando, portanto, fora de toda relação e independente delas. Tomar consciência deste algo e contemplá-lo é conhecer a sua própria verdadeira natureza, superando a prisão do desejo e encontrando aquilo que é o fundamento de toda a realidade. A meu ver, há aqui uma tripla possibilidade de interpretação: 

1- ou o sujeito cai numa visão panteísta, monista, segundo a qual tudo é uma coisa só, e as suas diferenças seriam, na verdade, apenas aparências. A consequência disto é que o sujeito tem de atribuir consciência às coisas, já que a característica essencial deste "algo-testemunha" é o ter consciência das relações. Porém,  se se resguarda alguma diferença nos seres, como num contexto evolutivo, haveria ainda de se incluir a conjunção entre este "algo" e o que se costuma chamar "organismo psico-físico", junção que caracterizaria o ser humano.

2- ou simplesmente ele reconhece que existe apenas algo que subjaz às coisas e a partir do qual elas existem e se mantêm na existência; no entanto, se é precisamente este algo auto-consciente das relações o que há de comum nas coisas, voltamos à alternativa acima.

3- ou o que aí é contemplado seria o "Deus no íntimo" de Sto Agostinho, S. Boaventura, S. João da Cruz, Sta Teresa D'Avila e infinitos outros. Mas também aqui há problema, pois esta interpretação implicaria na divinização da "verdadeira natureza" da pessoa, o que levaria a uma posição gnóstica. O conhecimento de Deus na alma, na perspectiva cristã, sempre mantém a diferença essencial entre Deus e a alma. Logo, esta tem uma natureza própria, não identificada a Deus. Se há uma natureza própria, há algo que lhe é absolutamente peculiar, isto é, que não é partilhado pelos outros seres.

Antes que me chamem de herege (kkkkkkk), quero apenas esclarecer que este é meio que o percurso empobrecido da meditação do Siddhartha Gautama, o primeiro Buda (com exceção destas três possibilidades interpretativas), e aqui estou fazendo somente uma mera e sucinta exposição, embora esta fique, eu o reafirmo, imensamente abaixo da riqueza teórica da coisa. Mas, aos que pensam ser o budismo qualquer coisa de irracional, a argumentação acima não parece no mínimo inteligente? Tomistas de plantão encontrarão problemas; é possível, como eu mesmo penso ter encontrado. Mas há sacadas de gênio nisso aí, e há muitíssimos equivalentes com o Cristianismo. Quis fazer no modo "Perguntas e Respostas" para ficar mais didático.

Em tempo: 
1- Sou Católico Apostólico Romano e, como tal, totalmente submisso à Santa Igreja.
2- No entanto, percebo que há muito simplismo por parte de alguns, às vezes. Sto Tomás, o Doutor Comum da Igreja, dizia que a verdade deve ser reconhecida, independentemente de quem a diga.
3- Sobre o texto, sim, há algo em comum em tudo quanto existe. Primeiramente, todo ente partilha o caráter da existência. Segundo, todos são, enquanto existentes, sustentados. Se são sustentados, o são por Alguém. Em meu humilde parecer, o que Buda teve foi como uma contemplação da espiritualidade da alma e um vislumbre de Deus na própria alma (enquanto esta é imagem de Deus) e este vislumbre lhe levava a reconhecer que tudo quanto existe traz a marca deste Escondido que, no entanto, se deixa alcançar. O fato de eu pensar isto não é produto de um mero desejo ou preferência; é, antes, algo que eu vejo como uma possibilidade coerente.
4- O traço mais problemático do budismo é que ele prega a iluminação de um modo auto-suficiente.
5- Penso que os problemas do budismo são de excesso ou de falta. Estando isento da Graça, o maior bem que ele pode provocar está restrito ao âmbito moral que, no entanto, não convém subestimar. Pode provocar um mal, enquanto caminho alternativo a Cristo. Porém, o que convém considerar é que, independentemente do lugar e do tempo, toda verdade é verdade e, por isso, no dizer de Sto Agostinho, é, por natureza, cristã. Se há algo de verdadeiro no budismo, este algo, separado dos erros, é essencialmente cristão. Não à toa, vários místicos católicos são constantemente citados em textos sobre o assunto. Uma certa raiz comum subjacente aos ramos religiosos mais respeitados é inegável.
6- Não estou relativizando nada. kkkkk. Buda foi um sujeito muito inteligente. Jesus é nada menos que Deus. (tudo tem de ser bem explicado, rsrs.. Oh God!)

"Examinai tudo; ficai com o que é bom". São Paulo.

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