Thomas Merton
Existe um amor-próprio espiritual que envenena até o dom feito a outro. Como os bens espirituais são maiores do que os bens materiais, é-me possível amar com egoísmo no próprio ato em que me privo de coisas materiais em proveito de outros. Se a minha dádiva tem a intenção de prendê-lo a mim, sujeitá-lo a uma obrigação e exercer sobre a sua alma uma espécie de tirania oculta, então, ao amá-lo, é a mim só que estou realmente amando. E este é um egoísmo bem maior e mais insidioso, visto que trafica não com a carne e o sangue, mas com as almas das outras pessoas.
O ascetismo natural apresenta a este problema várias soluções insuficientes. Cada resposta encerra uma tentação escondida. A primeira é a tentação ao hedonismo de Eros: renegar-nos até ao justo limite que nos permita compartilhar um com o outro as delícias da vida. Admitimos um determinado egoísmo, e temos a impressão, assim agindo, de estar sendo realistas. A nossa abnegação é, no caso, a estritamente apta a prover-nos de um saudável incremento das nossas mútuas satisfações. Num mundo burguês, Eros sabe tomar a máscara da Caridade cristã.
Logo em seguida, vem a tentação de destruir-nos por amor de outrem. O único valor é o amor do outro. O sacrifício próprio é em si mesmo um valor absoluto. E o desejo do outro é também absoluto em si mesmo. Não importa o que deseja o amado, pois daremos a nossa vida ou mesmo a nossa alma, só para agradar-lhe. Este é o ascetismo de Eros, para quem é ponto de honra seguir o amado até mesmo ao inferno. Que sacrifício maior poderia alguém oferecer no altar do amor, do que o sacrifício da sua própria alma imortal? O heroísmo em tal sacrifício é medido precisamente pelo grau de loucura: ele será tanto maior, quanto mais trivial o motivo pelo qual é oferecido.
Outra tentação, no entanto, vai ao extremo oposto. Com Sartre ela diz: "L'enfer, c'est les autres" (O inferno, são os outros). Neste caso, é o amor mesmo que se torna a grande tentação e o grande pecado. E, por ser um pecado do qual não pode o responsável escapar, ele é também o inferno. Mas isso também é uma forma disfarçada de Eros - o Eros em solidão. É o amor que é mortalmente ferido por sua própria incapacidade de amar a outro, e que foge dos outros para não ter de dar-me a eles. Mesmo na sua solidão, este Eros é ainda mais torturado pela sua insaciável sede do outro, motivada não por causa deste, mas em vista da sua própria saciedade.
Todas essas respostas são insuficientes.
Thomas Merton, Homem Algum é Uma Ilha.
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