Em geral, por causa da nossa natureza decaída, nós tendemos a considerar as outras pessoas e até mesmo o próprio Deus mais ou menos como extensões de nós mesmos; nós os instrumentalizamos para que nos sirvam e obedeçam sempre à idéia que deles fazemos. Se algo escapa à nossa tola previsão, consideramo-lo logo como uma ameaça. Muito embora este tipo de atitude seja absurda, é o que mais encontramos. Muitos dispensam amizades ou companhias quando estas não correspondem às expectativas que tinham e à qual se apegavam como condição para a manutenção do vínculo. No entanto, assim que o outro demonstra ter liberdade, esquivando-se de agir como um autômato, o encaramos como qualquer coisa desagradável, e isto porque, no fundo, intentamos ser os senhores do mundo, ser deuses ao redor dos quais tudo o mais gravita.
Este tipo de vida é, por força, uma ilusão e traz consigo, em verdade, muitas angústias, porque, por mais força que se faça, as coisas simplesmente não reconhecem a nossa suposta majestade ou divindade. Riem das nossas previsões pelo simples fato de serem outras, com existência própria, ao invés de prolongamentos do nosso próprio ser. Aquilo que é outro age, também, de modo diverso. Nem sempre os abarcaremos pelas previsões e outras tantas vezes as suas ações distarão bastante daquilo que, de imediato, nos agradaria a sensibilidade. Isto se dá com os fatos, com as pessoas, que são dotadas de grande liberdade e possuem a dimensão do mistério, e sobretudo com Deus, que é Pessoa e é o próprio Mistério. Como pretender que Deus partilhe dos nossos preconceitos, dos nossos esquemas estreitos de interpretação do mundo e de previsão dos acontecimentos futuros? Será que não vemos que tudo isto nada mais é do que uma tentativa covarde e cínica de nos apossarmos do todo a fim de evitarmos as dores e desprazeres e, ao mesmo tempo, de agarrarmos e garantirmos o máximo grau de prazer, seja das coisas ou das pessoas? Nós instrumentalizamos e tornamos os outros em objetos. Mesmo Deus, se não corresponde às minhas considerações rasteiras ao seu respeito, às minhas expectativas mais imediatas, poderá passar a ser tido como ser esquivo.
O que precisamos entender é que as outras pessoas são, de fato, outras. Elas podem agir segundo critérios totalmente distintos dos que cultivamos e não serão culpadas por isso. Conceder-lhes a liberdade da autonomia; relativizar um pouco as próprias suposições. Compreender que Deus também é Outro, e que de modo algum podemos abarcá-lo e esgotá-lo. Ele é sumamente livre para corresponder ou não às nossas expectativas. Deixemo-lo ser surpreendente, ainda que isto pareça ameaçador ao nosso egoísmo que busca freneticamente ter tudo ao seu domínio. Deus escapa ao nosso horizonte, e o faz infinitamente. É a Ele que cabe legitimamente o posto de absoluto e é em torno dele que tudo, inclusive nós também, devemos gravitar.
As outras pessoas são mesmo outras. E Deus é mesmo outro. Isso é importante de se compreender e, posso dizê-lo, é revolucionário no bom sentido. Uma vez entendido, terá implicâncias várias. Depois retomarei esse assunto. Agora, preciso ir-me.
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