sábado, 7 de abril de 2012

Amor, liberdade, verdade e a "vontade de poder"


Diz um dos meus professores que Nietzsche é um filósofo pra adolescente, pois ele só sabe falar mal de tudo. Embora eu concorde no geral, há, no entanto, umas sacadas dele que são muito corretas. Não o conheço a fundo. Li pouca coisa dele - aliás, li pouco de tudo o que li, sem falsa modéstia -, mas tem uns pontos em que ele realmente acerta.

Problematizando, por exemplo, sobre o que seja a moral e discursando sobre como este conceito tenha se formado, ele diz que, em geral, ela é tão somente um meio de dominação, isto é, um modo de expressão da tal "vontade de poder". 

Bom. Dizer que a moral seja só isso é, de fato, simplório. Porém, embora a moral seja algo real e fundamental, ela bem pode ser instrumentalizada para este fim. E é fácil constatar isso. Um amigo que é generoso com outro apenas para provocar neste outro um certo senso do dever para com ele; uma mãe que enche o filho de mimos e que, sob a aparência de afeto e doação, apenas pratica um seu modo muito particular de dominação  sobre o pequeno e, às vezes, de mera ostentação. Um namorado que, sob a capa de uma certa fragilidade, chantageia a namorada para que, presa e constrangida, ela faça o que ele pretende, etc. Isto, infelizmente, é muito comum por causa do nosso egoísmo. E este tipo de "tráfico com a alma alheia", para usar uma expressão do Thomas Merton, é algo realmente pavoroso, não apenas pela sua natureza perversa, mas ainda porque, para conseguir seu intento, se transveste do que há de mais puro, que é o amor.

O legítimo amor somente pode respirar num ambiente onde existam duas coisas essenciais: a verdade e a liberdade. Quem usa o amor para prender o outro está sendo falso e, logo, está fazendo algo a que se pode chamar de qualquer coisa, menos de amor. Todo amor, ainda que exista mesclado com o egoísmo, não pode florescer se não se cultiva a verdade e a liberdade, e terminará morrendo sob o jugo da auto-adoração do indivíduo; sim, porque tal coisa é, por força, uma mentira e para para manter semelhante atitude, o ego do próprio sujeito tem de ser visto como uma divindade no altar da qual ele deverá sacrificar a liberdade da outra pessoa e a verdade do amor entre ambos.

Existem os que fazem isto conscientemente; há outros que o fazem num misto de consciência e inconsciência: sabem, lá no fundo, que estão apelando mas, ao mesmo tempo, olham para si próprios e vêem qualquer coisa de correto e sincero; e há, ainda, os que o fazem inconscientemente. Nos três, a verdade deixa de ter qualquer valia, pois a posse do outro parece-lhes algo tão essencial e fundamental que pouco importa que ele não seja uma extensão sua e que seja dotado de uma vida própria e tenha, portanto, direitos particulares. Aos seus olhos, todos estes direitos e vontades alheias só deverão ser considerados quando a sua posse estiver garantida. Aí, então, haverá tempo para ser sincero e pensar numa certa liberdade condicional deste outro.

O amor, porém, é algo muito diferente.  Sóbrio, doado e desprendido de si, ele respeita ao máximo a outra parte, embora o respeite sempre dentro do campo mesmo da verdade ao qual todos - inclusive o outro - deverão se submeter e no qual todos devem viver. Ceder à mentira para agradar ao outro não é próprio do amor. Esta preocupação exagerada em fazer-lhes os caprichos demonstra, de novo, uma instrumentalização do afeto a fim de que o outro lhe esteja garantido. É como um caçador que desconsidera o valor do outro em si; apenas lhe atribui valor quando o tem consigo.

E tudo isto, muito próprio das relações humanas, pode ser feito com Deus. Só que aí o buraco é mais embaixo. Brincar de amor com Deus significa quebrar a cara. As rasteiras que, então, o sujeito irá levar são monumentais. Nenhum filme de kung fu, dos mais mentirosos, será capaz de reproduzir as cenas. E, no entanto, um dos tais riscos é que o sujeito aprenda a amar, de fato, pois Deus só deseja o nosso bem. É como diz a música:


"O teu amor cegou o olhar perdido da maldade; paralisou os passos largos da mentira
Quando a minha miséria se encontrou com a terra santa do teu coração, 
assim como a morte e a cruz, vida brotou"

Todos nós, sem exceção, quando começamos a amar a Deus, o fazemos de modo muito impuro. Se não vemos impureza nos nossos atos e intenções, isto não significa que dela sejamos isentos. O nosso nível de auto-conhecimento é que é ainda muito modesto. Haverá de chegar o dia em que passaremos a maior parte do tempo envergonhados porque, de repente, Ele nos permitiu ver a baixeza da nossa vaidade e a vileza das nossas estratégias. Mas o único modo de purificar-nos é saber-nos ruins e mesquinhos. E isto só o fazemos, de fato, na luz de Deus. É por este relacionamento que as nossas outras relações, com quem quer que seja, podem passar a um maior nível de pureza e gratuidade. Nesta altura, Nietzsche já estará superado há muito tempo.

Que Deus nos conceda amar.. O amor é a dilatação da bondade. E a bondade, como dizia o Chesterton, é o que há de mais importante no mundo. E como diz Nosso Senhor: "Só Deus é bom".

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