domingo, 26 de junho de 2011

Se os outros são outros, deixemos de pantim

Na postagem anterior, eu afirmava que é muito frequente que nós tentemos enquadrar os outros - sejam as demais pessoas, seja Deus - dentro dos nossos critérios e previsões. Como somos naturalmente inclinados ao egoísmo, agrada-nos a idéia de saber de ante-mão tudo o que pode acontecer e o que não pode. Fazemos esforço para isso, nos angustiamos quanto a isso. Enfim, não aceitamos direito que algo nos escape e fuja às nossas antecipações. Mas, como eu também dizia, esses outros se recusam a reconhecer esse nosso poder ou essa nossa majestade que os ordena gravitar em torno de nós. E eles se negam simplesmente não somente porque não partilham dos nossos critérios, mas porque não partilham das nossas ilusões.

Acontece que como essas coisas são, em geral, frutos do nosso egoísmo, a própria consideração dos fatos se torna afetada. Ficamos a estudar as possibilidades de extrair prazer e de evitar a dor, que é o que qualquer sujeito medíocre faz. Para isso, tratamos os outros como objetos de auto-satisfação. Muitos há que agem assim enquanto rezam.

Quando nos damos conta que justamente pelo fato de serem outros, eles nos extrapolam e podem agir de modo totalmente independente de nós, brincando com as nossas previsões, e mais: que eles têm o direito de fazê-lo, então podemos adquirir o importante hábito de duvidar das próprias suposições e sair dos seus estreitos limites. O mundo é muito mais amplo, e a vida é muito mais complexa no bom sentido, o que significa, de algum modo, dizer que é mais simples do que os complicados cálculos que costumamos fazer.

Se o sabemos, deixamos de fazer essas exigências, deixamos de esperar certas respostas prontas, deixamos as coisas serem o que são, na sua liberdade e encontramos o nosso lugar no contexto: não como centro da história, mas como alguém a quem foi dado participar do enredo, e, por isso, ficamos gratos. A surpresa pára de soar como ameaça, e aparece, agora, como algo que nos encanta. É a abertura às verdadeiras alegrias, alegrias que não nos dávamos conta de que existiam e que, não obstante, residem nas coisas mais simples. É aí que começamos, de fato, a viver.

Os pantins somem, pelo menos em grande parte. Os caprichos deixam de ocupar demasiadamente a alma. A humildade desabrocha e, com ela, a inteligência encontra espaço para exercer o seu amplo alcance. Passamos a respeitar as outras pessoas, e respeitamos a Deus, compreendendo que os nossos problemas e os nossos desejos não têm direito algum de reclamar prioridade. É aí que encaramos o mistério, pois só podemos fazê-lo depois que o aceitamos. Aceitamos o mistério quando acolhemos a verdade de que há coisas que nos ultrapassam infinitamente. É quando nos encantamos com a vida e com tudo o que há. E é aí também que, tomando profunda consciência do valor da existência - inclusive da nossa - podemos viver aquilo que o Thomas Merton chamava de "intuição metafísica do ser", experiência que, embora esteja ainda no campo natural, pode transformar a vida de alguém para sempre.

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