sábado, 19 de novembro de 2011

Breve Introdução à Teologia Negativa


O caminho da vida, já dizia S. Gregório de Nissa, doutor da Igreja, é um processo das trevas para a luz e da luz para as trevas.

S. Gregório de Nissa é, na verdade, o verdadeiro pai da Teologia Apofática ou Negativa, embora tenha sido o Pseudo-Dionísio Areopagita quem recebeu maior atenção. Mas isto se deu somente porque durante muito tempo estavam a considerar que este místico fosse um discípulo direto de S. Paulo, convertido quando da pregação deste no areópago, descrita no livro dos Atos. No entanto, posteriormente, veio-se a saber que, não obstante o nome com que vinham assinadas, as suas obras descendiam pelo menos do século VI e tinham sido produzidas, provavelmente, por algum monge.

O maior clássico do Pseudo-Dionísio é, sem dúvida, a "Teologia Mística", livro que inspirou bastante a Literatura Medieval, terminando por produzir certos reflexos mesmo nas obras de gigantes como S. João da Cruz, o grande doutor da Noite e a maior autoridade da Mística Católica.

Embora provenientes de um autor que falseia o seu próprio nome, a obra do Pseudo-Dionísio não deixa de ter uma grande profundidade. Não à toa foi lida e muitíssimo comentada.

Se voltarmos, porém, a S. Gregório de Nissa, veremos que ele é, não só mais antigo, como, também, mais profundo. Uma das principais obras onde ele trata deste tema é a "Vida de Moisés", dividida em duas partes. Na primeira, há uma descrição literal da vida do Profeta. Na segunda, há a sua interpretação mística.

Moisés será o grande paradigma da Teologia Negativa, pois se reconhecerá nele este processo de que S. Gregório de Nissa fala como sendo uma ida das trevas à luz e da luz às trevas.

Outra grande obra que trata do assunto é o livro "A  Nuvem do Não Saber", de um anônimo do Séc. XVI, e que consistia, na verdade, num conjunto de orientações de um monge a um seu discípulo. Nele, o autor trata da superioridade da contemplação sobre a ação e da prática de uma oração para além dos conceitos.

A Teologia Negativa, também conhecida como Teologia das Trevas ou Mística de Trevas não é um traço exclusivamente católico. Ela está em inúmeros movimentos místicos pelo mundo, sobretudo em algumas correntes indianas. Porém, no âmbito da Fé Cristã, ela tem peculiaridades que a livram de entrar em certas aporias.

O elemento negativo é imprescindível a qualquer legítima teologia. Com relação a isto, é possível estabelecer uma divisão entre os santos, identificando uns como representantes da Teologia da Luz e outros, como adeptos da Teologia das Trevas. No primeiro caso, reconhecemos Sto Agostinho, Sto Tomás de Aquino, S. Bernardo de Claraval e, segundo alguns, até a Sta Teresa D'Avila - o que não deixa de me estranhar e, sinceramente, me coloca em dúvidas quanto a isto. No segundo grupo, temos S. João da Cruz, S. Gregório de Nissa, parece-me que Sta Teresinha de Lisieux, S. Bruno, etc. Importante notar que, nestes dois grupo de santos, todos, com exceção de S. Bruno, fundador da Cartuxa, são doutores da Igreja.

Porém, mesmo no primeiro grupo, o da Luz, notaremos claros elementos negativos. Muito conhecido é o êxtase de Sto Agostinho e sua mãe, Sta Mônica, na cidade de Óstia. Enquanto conversavam sobre as realidades celestes, viram-se, de repente, a transcender os conceitos e a mergulharem numa contemplação mais direta do objeto de suas discussões. Acabada a experiência supra-sensível, Sto Agostinho lamenta por ter de voltar ao baixo nível de suas idéias. Também Sto Tomás de Aquino, o maior doutor da Igreja, elevado certa vez a um êxtase em que contemplou o Mistério, decidiu, de volta ao ordinário da vida, parar de escrever, pois toda a sua obra, depois de ter visto o que vira, convertera-se em palha.

O elemento negativo livra o homem de cair no racionalismo da Fé que, na verdade, já não é Fé, mas adoração da razão. Cai-se, aí, numa redução absurda da dimensão do mistério e, em última instância, recai-se, de novo, num certo imanentismo, perdendo de vista o horizonte da transcendência.

Porém, se isto é mal compreendido, pode levar ao extremo oposto, ou seja, à afirmação da estrita inefabilidade do mistério e à relativização de tudo quanto seja conceito e linguagem humana. É precisamente neste erro que caem alguns orientais, entendendo a Teologia afirmativa como mera linguagem análoga, relativa e penúltima, destinada aos não agraciados pelo acesso místico. Os que, porém, conseguissem adentrar no campo obscuro da Mística se veriam, segundo esta teoria, absolutamente dispensados da observância de tudo quanto fora conceitualmente expresso. A Teologia se converte em religião de segunda categoria; em mera metáfora da realidade do Mistério.

Em outros textos, abordarei de modo mais preciso em que consiste este treva, ou nuvem, ou noite, ou obscuridade, ou, às vezes, vazio. Termino, citando o Rei Davi que, sobre Deus, escreveu: "Ele fez sua tenda nas trevas" (Cf  Sl 17,12).

Fábio

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