Ontem, meditando sobre a minha vida espiritual, sobre as minhas tantas negligências, dei-me conta, de um modo mais acentuado, de como ando distante de Deus. Na verdade, eu sempre estou percebendo, olhando e vendo isso. Porém, ontem eu contrastei esta situação - ruim, tíbia - com a ternura com que eu costumava olhar para Deus e que constitui parte essencial da minha espiritualidade pessoal.
E, enquanto me dava conta destas coisas, eu li em S. Josemaria Escrivá o seguinte:
"A guerra! - A guerra - dizes - tem uma finalidade sobrenatural desconhecida do mundo; a guerra foi feita para nós... A guerra é o obstáculo máximo do caminho fácil. - Mas temos de amá-la, ao fim e ao cabo, como o religioso deve amar as suas disciplinas." (Caminho, nº 311.)
Estas coisas parecem contraditórias à primeira vista, não? Pois é! Mas não são! Muito pelo contrário. É preciso fazer guerra a si mesmo a fim de manter a ternura e o frescor do amor a Deus. É preciso lutar muito para manter a integridade, não apenas o vigor da ação positiva, mas também a delicadeza e a sutileza da alma, sem as quais compreenderemos o Cristo muito pouco.
Lembrava-me de uma frase de S. João da Cruz que muito me impressionou na ocasião em que a li pela primeira vez: "É preciso tornar-se delicado para que a delicadeza encontre a Delicadeza". E, quem conhece S. João da Cruz, saberá que, ao fundo de sua ternura única e do seu imenso carinho por Cristo, há toda uma estratégia de guerra contra a soberba, explicada passo a passo, milímetro a milímetro e que espanta pela violência e pelo rigor. Brincando um pouco com isso, ironizava com o santo, o Thomas Merton: "será mesmo ele o mesmo escritor de 'Viva Chama de Amor'?"
Pois bem: é preciso amar a guerra e manter a ternura da alma. Nestes tempos difíceis, temos de ter o cuidado de não embrutecer o espírito, de não cair no engodo de uma espiritualidade seca sob pretexto de que este é o caminho dos fortes. De fato, as emoções e intensos afetos sensíveis não fazem necessariamente parte da vida espiritual e devem ser deixados de lado, com certa indiferença, a fim de abrirem espaço a um amor mais puro e forte. Porém, disto não se deduz que a pessoa deva tornar-se ríspida, supondo que Nosso Senhor despreza as pequenas atitudes, os ternos gestos, a amabilidade da alma para com Ele. É preciso, sim, que nos tornemos delicados, não de uma delicadeza romântica moderna, cheia de susceptibilidades e 'não-me-toques', mas de uma delicadeza viril, do homem que, experimentado nos combates da vida - sejam estes morais ou doutrinários - e sem tempo ou saco de deter-se em contemplações inúteis quando é preciso agir - sejam estas as das próprias supostas virtudes ou das dificuldades do caminho -, contudo não renuncia deter-se terna e amorosamente na contemplação de Jesus, no trato íntimo e enamorado com Ele, na doce e calma quietude que permite olhá-Lo em cada gesto e palavra, que permite participar do Seu silêncio e tê-Lo por companhia deliciosa.
Sim.. Devemos entender a oração não como um mero compromisso enfadonho ao qual devemos nos submeter de modo heróico, passando por cima da nossa própria vontade que, sinceramente, não quer nada daquilo, preocupada que está com futilidades. Não. Devemos, antes, ter uma concepção diferente da oração: é uma oportunidade, uma feliz ocasião de estarmos, de novo, com Ele. Sta Teresa D'Avila já dizia: "A oração não consiste em dizer muito, mas em amar muito". E é preciso redescobrir este tesouro, este sumo bem que é o trato íntimo com Nosso Senhor. E é preciso descobri-lo de um modo muito pessoal.
Guerra e ternura cultivemos, como um verdadeiro cavaleiro cruzado. Que Nosso Senhor nos ensine. Ámen.
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