Se isto é assim, se a santidade e a neurose são incompatíveis, como se explicam certos fenômenos aparentemente neuróticos que podemos observar na vida de alguns santos, e sobre os quais há abundantes estudos?
Em primeiro lugar, temos que ter presente que para importantes escolas de psicologia, entre as quais se destaca o freudismo, o santo é o protótipo do neurótico. Isto não é uma conclusão, baseada na experiência, senão uma premissa que depende da influência que filosofias como a de Nietzsche tiveram na psicanálise. Não é incomum que logo, analisando a vida dos santos, encontrem o que foram procurar, o que seus princípios teóricos obrigam a concluir.
Por outro lado, temos que ter presente que, salvo Cristo e a Virgem Maria, que não têm a mancha do pecado original, a inclinação à neurose é, segundo Allers, comum a todos os homens. O caminho de santidade, com a ajuda da graça, leva a superar esta inclinação, mas nos estados iniciais da vida cristã, as manifestações de desordem podem ser evidentes. Não, porém, no final.
Para concluir, temos esse período particular na evolução espiritual que São João da Cruz chamou "noite escura". Rudolf Allers propõe distinguir, para não cair no equívoco de confundir a neurose com uma purificação espiritual, o que ele chama "aridez-estado" da "aridez-sintoma". Isto nos remete à distinção feita mais acima entre o caráter neurótico, seus sintomas, e traços ou condutas aparentemente neuróticos, que se dão em uma personalidade fundamentalmente sadia. A aridez como estado, é a que se verifica ao largo de uma purificação passiva da alma, durante a qual se podem dar alguns fenômenos aparentemente neuróticos. A segunda, é sintoma de um transtorno verdadeiramente neurótico de base, um caráter neurótico. Como o distinguimos? Não é fácil; às vezes implica uma agudeza interior e uma sabedoria verdadeiramente sobrenaturais. O critério básico é, a princípio, segundo Allers, o juízo desde a totalidade da personalidade.
Com ele se facilita a compreensão de episódios ou fases neuróticas que com tanta frequência ocorrem, ou que pelo menos se lhes parecem extraordinariamente, no transcurso da vida de muitos santos. Estes fatos não devem induzir-nos a concluir que a vida santa é uma atitude neurótica ou germina no terreno da neurose, como acredita uma incompreensiva explicação pseudocientífica. Ao observar com atenção essas vidas, se vê que os episódios neuróticos não são mais que simples episódios de certos períodos da vida, estados de etapa, nos quais se trava uma luta com o "déspota sombrio do eu" e cuja superação leva sempre o homem a um nível mais alto na vida. Assim se explica também que se possam repetir tais episódios, pois que correspondem a diversos passos da ascensão do homem e iniciam sempre uma "sobreformação" mais completa deste em Deus - para servirmos da expressão de Tauler -. [...] Nos pareceria perfeitamente descabido o intento de explicar a "Noite Escura" e outros fenômenos análogos, como neuróticos ou simplesmente naturais.
Martin F. Echevarria
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