http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=9l-YYqjhVi4
O video acima, embora não possa ser incorporado, pode ser assistido no youtube. Trata-se de uma animação inspirada num princípio zen.
Trago-o aqui, porém, porque ele apresenta interessantíssimos paralelos com uma verdade fundamental do cristianismo.
Seria interessante, antes de ler esses tais paralelos, assistir o video.
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Bem. Como sabemos, antes de iniciar a Sua vida pública, logo depois do batismo de João, Jesus vai para o seu retiro de quarenta dias no deserto. É de grande importância destacar que Ele é para lá conduzido pelo Espírito Santo.
Chegando ao deserto, Nosso Senhor será tentado pelo demônio e no final das três ofertas demoníacas devidamente recusadas, o diabo irá embora e Jesus passará a ser servido por um anjo.
Vamos a uma explicação desta passagem que encontramos sobretudo nos famosos Padres do Deserto. Para estes monges, a ida de Jesus ao deserto iria se converter no modelo de progresso espiritual pelo qual passaria quem se dedicasse à oração.
Primeiro, observemos o que é um deserto. Deus, no livro de Oséias, diz que conduzirá o homem para lá e só então lhe falará ao coração e se unirá com ele. Em algumas traduções, encontraremos o termo "desposar". Esta íntima união com Deus - amor esponsal - é o que de mais verdadeiro e mais profundo o homem busca. Todos conhecemos a frase de Sto Agostinho que diz: "estou inquieto enquanto não descansar em Ti". Pois bem. A satisfação de uma sede tão visceral no homem será oferecida... no deserto, justamente o lugar onde a sede se acentua. É lá que haverá a união com Deus.
O deserto, como sabemos, é um lugar árido, difícil, que faz muito calor de dia e muito frio à noite. É um lugar de poucos atrativos, escasso, imensamente desconfortável. Por que raios Deus quereria levar o homem para lá?
Tem ainda uma outra característica: em toda a tradição monástica, ele é o lugar onde vivem os demônios. Notemos que foi justamente no deserto onde o demônio apareceu para Jesus. Outro exemplo clássico é o de Sto Antão, considerado por alguns o grande pai do monaquismo, embora não tenha sido o primeiro monge. Seus combates com os demônios são bastante conhecidos.
Pois bem. É óbvio que o deserto, enquanto tipo, não será necessariamente o deserto literal, isto é, um espaço físico, geográfico, com areia, sol escadante, cactos, lagartos, pedras, etc. Obviamente que não. Ele poderá ser entendido como símbolo e, neste caso, representará, além das características já elencadas, a solidão e o silêncio. Há uma santa na Igreja que dizia que, para adentrar neste deserto, basta fazer silêncio e pôr-se em solidão. Veremos, contudo, que isto não é tão fácil quanto parece.
Entrar no deserto é aprender a estar em silêncio e em solidão. Isto exige disciplina. Primeiro, não é suficiente uma solidão e um silêncio meramente externos, embora isto também seja necessário. A questão é que, se alguém decide se aquietar e calar, nem por isso obterá silêncio, de imediato, no seu interior. E este é o ponto mais importante. Fazer este tipo de silêncio é uma questão de disciplina e de prática. Mas, além disto, há umas sutilezas que não se pode desprezar.
Quando alguém, então, começa a praticar, verá por que se diz que o deserto é o lugar dos demônios. Diante de um silêncio e de uma solidão mais rigorosos, os demônios interiores se fazem ver. O objetivo deles passa a ser o de expulsar-nos do deserto, seja assustando-nos, seja oferecendo-nos algo que presumivelmente nos interessa.
Mas é preciso vencê-los: nem cair no seu engodo, nem fugir. Neste caso, deve-se resistir-lhes e tratá-los com indiferença.
Antigamente, quando alguém queria iniciar-se naquele mundo contemplativo dos padres do deserto, a primeira coisa que devia fazer era suportar-se dentro de uma das pequenas tendas. De início, não devia fazer mais nada: somente conseguir permanecer lá. Este processo inicial de disciplinação já era suficiente para o monge aprender bastante coisa.
Pois bem. Para vencer estes demônios, é preciso determinação, ao mesmo tempo que desprendimento. É preciso aprender a ignorar medos e desejos, a ter paciência, a vencer os incômodos. Nós, que procuramos sempre satisfação para os nossos sentidos, novas sensações e atrações, deveremos nos abster de tudo isto no deserto. Daí também o seu caráter a princípio aborrecedor. É preciso transcender esta infantilidade a que estamos habituados. Além disto tudo, é necessário corrigir a intenção. Ter a intenção pura, isto é, uma intenção livre do egoísmo e da busca primeira de auto-satisfação, é fundamental.
Ponha uma mulher vaidosa, que leva todo tipo de bugigangas como batons, saltos, e coisas do tipo.. para andar num deserto por tempo indefinido. Depois de um certo tempo, ela terá abandonado tudo quando não seja essencial; terá trocado o refrigerante pela água. O deserto tem este caráter purificador, simplificador e de libertação do sujeito.
Na fuga do Egito, o povo de Deus passou por maus bocados no deserto. Eram tempos difíceis, mas a proximidade de Deus era particularmente clara. Tudo isto só demonstra que é quando nos esvaziamos de nós mesmos que então nos abrimos para uma relação amorosa com Deus. Não há espaço para Ele quando estamos saciados. Por isto que perceber a própria indigência, superando a ilusão da auto-suficiência, é absolutamente importante no cristianismo. De fato, o cristianismo é uma religião de pobres. A pobreza gera abertura. Abertura implica desapego e disposição.
Assumir a pobreza significa também limpar os olhos de toda ilusão das próprias satisfações. Isto permite adquirir um grau maior de sutileza e de profundidade na contemplação da verdade. Quando eu alcanço este tipo de desprezo de mim mesmo, de despojamento, eu estou livre para encontrar-me com este Outro que, na verdade, foi Quem me conduziu desde o início para o deserto, a fim de, libertando-me de mim mesmo, unir-me com Ele. A pobreza, logo, dispõe para o Amor.
Se eu consigo vencer estes demônios, aquilo que aparentemente era o inferno - e é preciso passar por esta fase - converte-se em céu e, a partir de então, eu passo a ser servido pelos anjos, isto é, encontro naquela solidão e naquele silêncio, a satisfação celeste. Isto existe! E vale a pena!
Se, porém, eu me distraio com meus desejos e meus medos, despendendo energia com eles, seja deles fugindo, atacando-lhes ou buscando-lhes, ajo como o sujeito do video, atordoado com as moscas, e isto somente me afasta da solidão e do silêncio.
Se, porém, eu apenas sento e fico quieto, por fora e por dentro, poderei adentrar na paz, na contemplação silenciosa dAquele que nos abarca e nO Qual existimos, nos movemos e somos. É o que diz o Salmo: "Cessai e vede que eu sou Deus".
Mas, cessai antes. Verás depois. Mas se antecipar a visão, não cessará coisa nenhuma. Corrija a intenção; ela tem que ser pura. E antes de cessar, vai ter de enfrentar estes incômodos da tua alma acostumada às satisfações. E, de início, o deserto é sempre desconfortável. Mas vale a pena. "Nisto consiste a vida eterna: em que te conheçam a Ti", diz Jesus ao Pai. Pois bem. A felicidade humana estará neste desposório e ele acontecerá na solidão do deserto.
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