Uma pessoa é pessoa à medida que possui um segredo e constitui uma solidão que não pode ser comunicada a nenhum outro. Se eu amo uma pessoa, amarei o que mais a faz ser uma pessoa: o mistério, o segredo, a solidão do seu ser, que só Deus pode penetrar e compreender.
Um amor que invade a intimidade espiritual do próximo, para abrir-lhe todos os segredos e sitiar com importunidade a sua solidão, não é amor: procura, sim, destruir o que ele tem de melhor, e de mais íntimo.
(...)
Este respeito pelos valores mais profundos da personalidade alheia é mais do que uma obrigação de caridade. É uma dádiva de justiça a todos os seres, especialmente àqueles, como nós, criados à imagem de Deus.
Nosso malogro em respeitar a intimidade espiritual de outras pessoas reflete um secreto desprezo de Deus mesmo. Emana desse orgulho crasso do homem decaído, que, no desejo de provar que é Deus, se intromete em tudo que não lhe diz respeito. A árvore da ciência do bem e do mal deu aos nossos protoparentes o gosto para conhecer as coias, não em Deus mas fora d'Ele, segundo um modo em que elas não são verdadeiramente conhecidas. Só em Deus as podemos encontrar, conhecer e amar, tais quais sã. A justiça original deu-nos o poder de bem amar, de aumentarmos a herança de vida, amando o próximo pelo bem dele mesmo. O pecado original deu-nos o poder de amar destruidoramente: arruinarmos o objeto do nosso amor, consumindo-o, sem outro proveito que o aumento da nossa fome interior.
Para arruinarmos os outros e a nós mesmos, não entramos no santuário interior, onde ninguém pode penetrar além do Criador. Mas, ao tirá-los de lá, para ensinar-lhes a viver como vivemos: centralizados sobre eles mesmos.
Se um homem desconhece o valor da sua própria solidão, como pode respeitá-la nos outros?
Quando a sociedade humana cumpre a sua verdadeira missão, as pessoas que a formam crescem cada vez mais em liberdade individual e integridade pessoal. E quanto mais o indivíduo desenvolve e descobre os secretos poderes da sua incomunicável personalidade, tanto mais contribuirá para a vida e o bem-estar do conjunto. A solitude é tão necessária à sociedade como o silêncio à linguagem, o ar aos pulmões e o alimento ao corpo.
Uma comunidade que tenta invadir ou destruir a soledade espiritual dos indivíduos que a compõem, condena-se à morte por asfixia espiritual.
Se não me posso distinguir da massa dos outros homens, jamais serei capaz de amar e respeitar o próximo, como devia. Se não me separo deles o bastante para conhecer o que é meu e seu, jamais descobrirei o que devo dar-lhes, nem lhes concederei a oportunidade de dar-me o que me devem. Somente uma pessoa pode saldar dívidas e cumprir obrigações. Se sou menos do que uma pessoa, não darei numa a outrem o que tem o direito de esperar de mim. Se o outro é que é menos do que uma pessoa, não saberá o que esperar de mim. Nem descobrirá jamais que tem algo a dar. Devemos normalmente educar-nos um ao outro pela satisfação recíproca das justas indigências de cada um. Mas, numa sociedade em que a personalidade é ofuscada e dissolvida, os homens nunca aprendem a encontrar-se e, portanto, a amar uns aos outros.
A solitude é tão necessária ao indivíduo e à sociedade, que falhando esta em proporcionar suficiente solidão para que se desenvolva a vida interior dos seus membros, eles se rebelam e vão procurar falsas soluções.
Thomas Merton, Homem Algum é Uma Ilha
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