segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Soberba - Origem e Traços Gerais


Como sabemos, o mal não existe enquanto substância. Já o provara Sto Agostinho mostrando que o mal é sempre ausência; ausência de que? De ser ou de ordem. Um buraco não existe por si mesmo; ao contrário, ele precisa se vincular a um ser determinado. Assim, falamos de buraco no chão, na parede, no papel, etc. Neste exemplo, observamos a falta de ser. Ninguém, porém, poderia pensar num buraco em si, sem qualquer ser no qual se anexasse. Da mesma forma, se nos nascessem orelhas nos braços, isto seria um mal por ser falta de ordem.

Portanto, a existência do mal é absolutamente condicionada à pré-existência do bem. Isto significa que a ocorrência do mal denuncia forçosamente o predomínio do bem. Isto é interessantíssimo. Jamais se poderá dizer que o mal dominou o mundo absolutamente - podemos falar algo semelhante do mal moral -, pois, toda vez que ele acontece, dá testemunho do bem. Enquanto houver mal no mundo é porque há mundo, isto é, permanece o bem da existência do mundo.

Portanto, o mal não pode criar substâncias. Mesmo o demônio substancialmente é bom. Sua inteligência e vontade férrea são, naturalmente, bens. Porém, ele usa estes seus dotes para o mal; eis, aí, o mal moral. A contradição de Lúcifer é que, se alguém por acaso se admira da sua inteligência e da maestria dos seus planos para perder os homens, satisfazendo, portanto, ao seu orgulho, esta mesma pessoa rende, no mesmo ato, uma profunda admiração a Deus, o seu Criador. Eis o drama do demônio: detestar a Deus mas contemplar em si mesmo a perfeição que fala continuamente dAquele que o fez.

O demônio é chamado de Pai da Mentira. Naturalmente, se Deus é a Verdade, e o demônio se opõe a Deus, é lógico que só o poderia fazer aderindo à mentira. Daí que, desde o início dos tempos, o demônio trabalha com imprecisões, suposições falsas, versões torcidas, teorias falaciosas. Lembremos que os anjos - e Lúcifer é um anjo - não têm corpos. Como, então, se pode entender a célebre batalha que ocorreu no Céu e que resultou na queda de Lúcifer e sua expulsão do Paraíso? O combate, obviamente, não se podendo dar fisicamente, se empreendeu no campo das idéias, pois os anjos são substâncias espirituais simples, dotadas de inteligência e vontade. Dar uma estudada nas relações entre estas duas potências, pode ajudar a entender tudo isso um pouco melhor.

A oposição de Lúcifer, o que o levou a mentir e torcer a verdade, deu-se por causa de sua soberba (Superbia), pela qual se indignou contra a ordem das coisas. Veremos que é esta mesma soberba o que se insere na alma humana quando esta sofre a Queda. Reparemos esta relação entre soberba e mentira.

Naturalmente, Deus é o centro da criação, como um Sol ao redor do qual devem gravitar todos os demais seres. A ordem do todo depende disso. Quando, porém, se exclui o sol do centro, provoca-se uma revolução contra a harmonia, donde resulta, logicamente, a desarmonia, a desordem. Esta desordem perpetuada poderia muito bem ser chamada de inferno, isto é, uma eterna rebelião contra Deus.

O que Lúcifer faz é pretender igualar-se a Deus. Não o podendo - obviamente - ele sugere esta mesma vontade no homem. Este passa a querer ser igual a Deus sem Deus, o que o insere numa atitude de oposição à ordem e ao bem. Algumas consequências disso são o que aqui chamaremos neurose, que é uma facilidade em torcer o sentido das coisas, em fazer suposições erradas, em se proteger freneticamente de ameaças inexistentes.

Quando o homem se torna soberbo, isto o afasta do amor, pois amor e soberba são antagônicos. Quanto mais há amor numa alma, menos há soberba e, logo, há mais humildade. Quanto, porém, mais soberba há, menos amor e menos humildade se tem. A soberba é a mãe de todos os pecados humanos, todos eles consistindo numa revolta contra Deus, numa preferência das criaturas em detrimento da divindade, numa negação prática do amor. No entanto, todos os pecados, considerados em si, podem ser entendidos como uma fuga de Deus. Já a soberba, diferentemente, não foge, mas O enfrenta. Daí a Escritura dizer que Deus resiste ao soberbo e se revela ao humilde.

Se desgraçadamente este mal, a soberba, se inseriu na alma humana, já se vê que ela - a alma - passará a encontrar em si uma tendência ao erro, ao egoísmo, à mentira, à negação do bem, e isso tanto mais quanto maior for a sua soberba. Falaremos, em seguida, da dinâmica própria desta mãe dos vícios.