Era noite negra; à altura de um primeiro andar, um olho de boi aberto na parede da igreja furava as trevas com uma lua vermelha.
Durtal deu algumas tragadas num cigarro, depois se dirigiu à capela. Girou devagar a maçaneta da porta; o vestíbulo onde penetrava era escuro, mas a rotunda, embora vazia, estava iluminada por diversas lamparinas.
Deu um passo, fez o sinal da cruz e recuou, pois acabava de topar com um corpo; olhou a seus pés.
Estava entrando num campo de batalha.
Pelo chão, formas humanas deitadas em atitudes de combatentes metralhados; umas de bruços, outras de joelhos; estas, agachadas com as mãos no chão, como atingidas nas costas, aquelas estendidas com os dedos crispados sobre o peito, e aqueloutras segurando a cabeça ou estendendo os braços.
E desses grupos de agonizantes não se elevava nenhum gemido, nenhum lamento.
Durtal contemplava, estupefato, esse massacre de monges; e logo ficou boquiaberto. Uma faixa de luz caía de uma lamparina que o velho sacristão acabava de deslocar na rotunda e, atravessando o pórtico, iluminava um monge de joelhos diante do altar dedicado à Virgem.
Era um velhinho de mais de oitenta anos; estava imóvel como uma estátua, de olhos fixos, debruçado num tal ímpeto de adoração, que todas as figuras extasiadas dos Primitivos pareciam, perto da dele, forçadas e frias.
A máscara era, porém, vulgar; o crânio rapado, sem coroa, queimado por todos os sóis e por todas as chuvas, tinha cor de tijolo; os olhos velados, cobertos de belida pela idade; o rosto vincado, enrugado, costurado como um velho buxo, se fincava num matagal de pelos brancos, e o nariz um pouco achatado acabava de tornar particularmente comum o conjunto desse rosto.
E saía, não dos olhos, não da boca, mas de toda parte e de parte nenhuma, uma espécie de angelidade que se irradiava sobre essa cabeça, que envolvia todo aquele pobre corpo curvado num monte de trapos.
Naquele velhinho, a alma nem se dava ao trabalho de reformar a fisionomia, de enobrecê-la; contentava-se em aniquilá-la, radiante; era, por assim dizer, o nimbo dos velhos santos, que não mais permanecia ao redor da cabeça, mas se estendia sobre todos os seus traços, banhando, empalidecido, quase invisível, todo o seu ser.
E ele não via nem ouvia nada; monges arrastavam-se de joelhos, vinham para se aquecer, para se abrigar junto dele e ele não se mexia, mudo e surdo, rígido o bastante para que fosse possível crer que estivesse morto, se, por um momento, o lábio inferior não se tivesse mexido, erguendo nesse movimento sua grande barba.
O amanhecer embranqueceu os vitrais e, na escuridão que começava a se dissipar, os outros irmãos se mostraram por sua vez a Durtal; todos esses feridos do amor divino rezavam fervorosamente, saltando para fora de si mesmos, sem ruído, diante do altar. Havia alguns, muito jovens, de joelhos e de tronco erguido, outros, de pupilas em êxtase, dobrados para trás e sentados sobre os calcanhares, outros ainda percorriam o caminho da cruz e muitas vezes se colocavam uns diante dos outros, cara a cara e se olhavam sem se ver, com olhos de cegos.
E entre esses conversos, alguns padres, enterrados em suas grandes cogulas brancas, jaziam, prosternados, beijavam o chão.
Ah! Rezar, rezar como esses monges, exclamou Durtal.
Sentia o seu infeliz ser se distender; nessa atmosfera de santidade, ele se soltou e se agachou sobre as lajes, pedindo humildemente perdão a Deus por sujar com sua presença a pureza daquele lugar.
E rezou demoradamente, abrindo-se pela primeira vez, reconhecendo-se tão indigno, tão vil, que não conseguia entender como, apesar de sua misericórdia, o Senhor o tolerava no pequeno círculo de seus eleitos; ele se examinou, viu claro, confessou ser inferior ao último desses conversos que talvez sequer soubesse ler um livro, compreendeu que a cultura do espírito não era nada e a cultura da alma tudo, e pouco a pouco, sem se dar conta, pensando apenas em balbuciar ações de graças, desapareceu da capela, com a alma levada pela dos outros, fora do mundo, longe de seu cemitério, longe de seu corpo.
(Joris-Karl Huysmans, En route, Paris, Plon, pp. 210-212)
Fonte: Christe Eleison
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