Esta é uma questão inerente ao ser humano e que permeia toda a sua vida. Ela surge com particular clareza a partir do momento em que o homem é estudado como essência. Se, no entanto, perde-se isto de vista e adere-se à perspectiva histórica, como fez Freud, é claro que o método consistirá numa hermenêutica fenomênica, isto é, numa observação do que se constata pela experiência mais superficial, caindo num determinismo nada interessante.
O problema da moral, no entanto, é muito mais profundo. Na verdade, a sua existência está necessariamente ligada à existência de Deus, pois Ele é, como dizia Descartes, a garantia de que o mundo é racional e, portanto, de que os valores são objetivos. Se tiramos Deus da conversa, temos, já, um primeiro problema: faremos a racionalidade descender da irracionalidade, o que é uma aporia. Depois, não havendo um princípio metafísico do bem, este seria visto apenas como um cálculo para fins utilitaristas. Uma pessoa seria "boa" porque isto lhe permite receber uma retribuição da bondade. Este tipo de moral é um canto ao egoísmo.
Para que a moral exista, é necessário que o homem seja livre e, portanto, tenha certa independência do corpo, isto é, tenha uma alma imaterial. A existência objetiva de uma moral leva tão irrefutavelmente à constatação da espiritualidade da alma e, portanto, da existência de Deus, que Kant os admite justamente a partir deste imperativo que ele reconhece em todo homem. Se o ser humano se reduzisse à materialidade, as suas ações seriam necessariamente dependentes dos processos químico-físicos que nele acontecem e, portanto, teríamos anulado a possibilidade de qualquer moral. Um criminoso não seria culpado, nem um inocente mereceria qualquer mérito. Só é possível ser bom se se é livre e só se é livre se há espiritualidade.
Aí alguém olha para o mundo e afirma que há, ao contrário do que estamos defendendo, diversos tipos de moral, como dizia Nietzsche, e que isto demonstra que o bem, na verdade, é relativo; seria algo puramente subjetivo. No entanto, peca-se, nesta interpretação, justamente por ater-se ao nível fenomênico. É interessante notar que somente as manifestações do bem é que são diferentes. No conceito, em geral, há consenso. Há pormenores, claro, que divergem, mas isto se deve ao fato de que também a moral é um campo que pode ser mais ou menos aprofundado.
No entanto, todos os seres humanos estamos imersos dentro de uma moralidade objetiva. E todos temos dentro da alma algo que busca o bem. O nosso conhecimento do bem pode ser variado, mas a existência do bem é uma só. Estamos certos quando a nossa noção de bem corresponde àquilo que o bem é. Portanto, a idéia de bem está intimamente ligada com a idéia de verdade. Quando, ao contrário, nos equivocamos na nossa idéia de bem, terminamos por fazer algum mal, e todos que fazem o mal, em geral somente o fazem porque buscam, nele, uma aparência de bem.
A pessoa que bebe, por exemplo, busca nisso um bem: seja o prazer, seja o esquecimento dos problemas, seja a aquisição de coragem pra algo. Até mesmo a pessoa que se suicida visa, com isto, algum suposto bem: o fim dos seus tormentos. Mesmo aquelas pessoas que criticam toda teoria moral, se o fazem, é porque consideram que, ao fazê-lo, estão fazendo um bem, isto é, estão provocando naqueles que os lêem ou escutam um contato com uma "verdade mais verdadeira": "se não há moral objetiva, é melhor que os outros saibam". Neste "é melhor" está contida a idéia do "mais bom", como um adensamento de bem.
Simplesmente não se pode fugir da moral, porque ela é intrínseca à natureza humana.
Com base nisto, é com contragosto que lemos coisas assim, o que me inspirou também o texto anterior:
"Percebo que existem pessoas que, ao falarem em nome de sua fé, seja ela qual for, acreditam ter o patrimônio do bem, da ética e da verdade. Às vezes, até do “amor”. Como alguém já disse, muita gente tortura os números para que eles digam aquilo que pode comprovar a sua tese. Lendo, escutando e assistindo à fala de alguns religiosos, tenho a impressão de que torturam a Bíblia para que possam seguir com a propriedade de uma verdade única – a sua. O caminho da sabedoria, porém, inclusive para os grandes teólogos da Igreja Católica, passou e passa pelo exercício da dúvida, constante e tenaz. É preciso se despir da vaidade das certezas para alcançar a dor do outro – movimento imprescindível para o amor."
(Disponível no Blog de Dom Luiz Bergonzini, escrito pela jornalista Eliane Brum)
Se transpassarmos a camada sofista que apela aos termos de efeito, veremos os problemas.
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