segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Aos devotos de São Francisco de Assis


Francisco de Assis: Alma Simples entre todas


Depois de Jesus e de Maria, entre os inúmeros santos que a Igreja venera, haverá algum que tenha elevado o mais alto grau a simplicidade, e que seja modelo mais belo, do que Francisco, chamado o "pobre de Assis"?

A pobreza foi sua virtude preferida. Tomou-a por sua dama, sua esposa. Exaltou-a acima de tudo. Mas não será a pobreza fruto, ou melhor, o fruto especial, e como que a filha da simplicidade?

É porque a alma simples contempla a Deus, fixa e constantemente; que se esquece e se desapega de tudo mais, exclamando como São Paulo: "Olho todas as coisas como lixo, a fim de poder ganhar o Cristo."

A virtude da pobreza não poderia existir sem a simplicidade. É a simplicidade que torna possível a virtude da pobreza, gerando-a da mesma maneira que a mãe dá vida à filha.

Por isso, Francisco de Assis foi simples entre todos os simples.

A juventude, a vocação, a vida, as obras admiráveis, os últimos anos, a morte, tudo nele é simplicidade, pois nunca outro pensamento lhe ocupou o espírito, nem outro desejo o coração, que o de assemelhar-se perfeitamente a Jesus Cristo.

Como o do Salvador, seu berço é um estábulo. Assim o quer Deus, para marcar o caráter que terá toda sua vida.

Os companheiros de mocidade são unânimes em louvar-lhe a franqueza, a honestidade, a alegria, a candura da alma, em suma, a simplicidade. Essa simplicidade afasta dele a inveja, o ciúme e qualquer desconfiança; atrai-lhe a simpatia sem que a procure, faz com que seja amado de todos; e sempre que há uma festa proclamam-no rei.

É a simplicidade que o arranca ao mundo e o lança no caminho da mais alta perfeição.

Saía de um festim. Os companheiros, alegres, caminhavam cantando. De repente pára, imóvel, o olhar no céu, o rosto iluminado, em êxtase. Que vê ele? O tudo de Deus e o nada da criatura.

Está acabado: bastou-lhe o olhar de um instante. O que viu jamais esquecerá. Sua deliberação está tomada: pertence todo a Deus.

Mas como realizará essa decisão?

Abre o Evangelho e lê: "Se alguém quer ser perfeito, despoje-se de tudo o que tem e siga-me." (S.Mat. XIX,21).

Não raciocina, não discute, não atenua a palavra de Deus. Jesus diz-lhe que se despoje de tudo para segui-lO: executa a ordem ao pé da letra, e, afrontando o respeito humano, a oposição dos homens e do próprio pai, expondo-se ao ridículo, à injúria e à miséria, realmente despoja-se de tudo, até, do manto; como vestimenta, conserva apenas uma túnica e um cordão, como livro, uma cruz. Jamais alguém levara tão longe a simplicidade. Bastou-lhe uma palavra do Evangelho para chegar a esse extremo, a essa loucura, como julga o mundo.

Desde então, Francisco nunca mais retrocedeu.

Num prodígio de abandono à Providência, não conhecido nos séculos passados, funda uma ordem religiosa baseada na renúncia universal e perpétua a tudo o que não é indispensável à vida, e, para sempre proíbe aos seus que possuam qualquer bem deste mundo. Chega até a demolir com as próprias mãos um convento que havia sido construído em desacordo com suas instruções.

É simples para com os superiores. Pede ao Sumo Pontífice para confirmar a indulgência da Porciúncula, que lhe fora concedida por revelação; e, quando o Papa a confirma, retira-se. O Papa é obrigado a chamá-lo para dar-lhe um atestado escrito do insigne privilégio que acaba de obter.

É simples com os irmãos; considera-se o último dentre eles. Quer que seus discípulos se chamem mínimos, isto é, os menores.

É simples com todas as criaturas. Como o primeiro Adão, em estado de inocência, fala aos pássaros, aos peixes, aos animais; exorta toda a natureza a louvar a Deus. Quanto a ele, vê Deus em todas as obras.

A alma de Francisco é, na verdade, uma alma de criança, alma límpida e transparente, que ignora o mal e tem horror a toda duplicidade; alma de pomba, em que se reflete com toda a perfeição a simplicidade do Evangelho.

Segui-o em todas as suas jornadas, através de seus múltiplos projetos, entre os religiosos de sua ordem. Não se apega a coisa alguma de humano ou de criado; tudo desdenha. Só vê, procurar e quer a Deus, Deus meus et omnia: "Meu Deus, sois o meu tudo”: esta é sua divisa e a essência de seu espírito. Tudo, para ele, nada significa; somente Deus é seu tudo e é único!

Jesus pobre, Jesus despojado de tudo, Jesus na cruz, no auge da miséria e do abandono, eis o constante objetivo de Francisco, sua única paixão! É sempre encontrado aos pés do Crucifixo, entre os braços e sobre o coração do Salvador. Só aspira a ser pobre e crucificado como Ele, a imolar-se como Ele, pela glória de Deus e salvação das almas; e, por insigne graça, merece receber em seu corpo e em seus membros as mesmas chagas que o Redentor do mundo.

Depois desse extraordinário milagre, realizado em sua carne e visível aos olhos de todos, Francisco, mais do que nunca, torna-se motivo de entusiasmo para o povo, que, de toda parte, ocorre para ele, apressa-se, quer vê-lo, tocá-lo, beijar-lhe os estigmas sangrentos.

E tão grande é sua simplicidade, seu esquecimento total de si, sua atenção dirigida só a Deus, que não procura fugir nem esquivar-se a tais homenagens.

Alma menos simples teria tido medo de si; teria receado o amor próprio e a vã complacênciaMas Francisco está de tal forma morto para o seu eu, que o homem não existe mais nele; cedeu todo o lugar a Deus. Francisco não mais se vê; só vê a Deus que deseja glorificar-Se em Sua criatura.

E exclamar "Meus olhos não vêem mais a criatura; toda minha alma clama pelo Criador; no céu e na terra, nada há que me seja doce; tudo se dissipa perante o amor do Cristo!”(3.º Cântico)

Quando alcança o mais alto cimo da simplicidade, só lhe resta deixar o mundo para entrar no céu.

Com efeito, Deus o chama para coroá-lo. Aproximam-se os últimos instantes. Para aliviá-lo, os irmãos tentam mudar-lhe a posição no miserável grabato(leito pequeno e pobre): ele recusa, quer permanecer de costas, para melhor contemplar o céu. E mais: acha que o grabato ainda é demasiado. Exige que o depositem no chão, para nada mais conservar dos bens deste mundo. Depois desse último ato de simplicidade, feliz por se parecer mais com Jesus crucificado, o corpo meio levantado e o rosto resplandecente de amor, entrega a alma a Deus; vai unir-se, por toda a eternidade, Àquele a quem unicamente procurou e amou na terra.

Igual simplicidade ultrapassa as forças normais. Somente Deus, por meio de graças extraordinárias, pode assim elevar uma alma escolhida. Que, ao menos, seja ela como um farol luminoso que vos conduza entre os escolhos e as tempestades deste mundo! Nessa esplêndida luz, compreendei melhor as palavras da Imitação: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, exceto amar a Deus e só a Ele servir!

Compreendei melhor quão necessária e grande é a simplicidade que, através dos bens passageiros e através de todas as criaturas, somente ao Criador vê e procura.

Que cada uma de vós seja simples, de acordo com o próprio estado e condição e em razão da graça que Deus lhe concedeu! Que cada uma se esforce por alcançar o grau de simplicidade determinado por Deus! A vossa simplicidade marcará a medida em que pertencereis a Deus na terra e em que gozareis de Deus no céu.

Quanto mais largas e poderosas forem vossas asas de pombas, mais crescereis em graça neste mundo e em glória no outro!

(A Simplicidade segundo O Evangelho pelo Monsenhor de Gibergues, 1945)

Fonte e Grifos: A Grande Guerra

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