domingo, 11 de dezembro de 2011

Religiosos, Ateus, Agnósticos e "Meio lá meio cá"...


No mundo, existimos os religiosos, os ateus, os agnósticos e os “meio lá meio cá” que vivem num tipo de apreciação interior de um certo senso confuso da existência de Deus.

Os dois primeiros tipos tomaram uma atitude diante do fundamental problema de Deus. Os religiosos dizem que Ele existe e a tensão que experimentam é, não obstante possam experimentar alguns períodos de crise de Fé, encontrar um modo de melhor corresponderem à Fé que assumiram. Já os ateus lidam com o mesmo problema, só que de um outro modo: se convenceram, não sei por quais vias misteriosas, de que Deus não existe. Este tipo de atitude é, desde o início, antinatural, pois não há quaisquer indícios que o comprovem. Dir-se-á que o ateu está, também, submisso a uma fé, o que não deixa de ser verdade. No entanto, fé e racionalismo*, convenhamos, são absolutamente contraditórios. Qualquer discordância a este respeito só é possível se não se compreende o que seja uma e o que seja o outro. Pode, porém, ocorrer que o ateu seja simplesmente alguém que não considerou o problema a sério e, pelo que suponho, estes são mesmo os tipos mais comuns. Considerando o nosso alto nível de carência afetiva, alguém poderia muito bem se convencer a aderir a um discurso ideológico, só aparentemente racional, desde que com isso se auto-garantisse a companhia e/ou a admiração da sua turma. E este é um grande problema nosso, já bastante evidenciado por Schopenhauer: não raro, em discussões deste tipo, pouco nos importa a verdade, mas somente ganhar o debate e consolar o nosso ego.

É possível, por fim, que o sujeito esteja convencido da seriedade de sua posição atéia, mas que não disponha daquela clareza a respeito de si mesmo, a qual se requereria para que percebesse a sua auto-ludibriação ou a intenção sutil que se esconde por trás do seu discurso pseudo-científico e pretensamente neutro.

Não quero, com isso, dizer que os religiosos são, todos, absolutamente sinceros. É claro que isto não se dá. É verdade que muitas outras coisas podem motivar a atitude religiosa, como o medo, a barganha, etc. Mas estes pretextos não dão conta de abarcar todo o fenômeno religioso. Sinceridade implica maturidade. E é óbvio que isto exige tempo e coragem. Nem todo religioso é maduro. No entanto, é na religião que encontramos os indivíduos mais profundos, e o santo é justamente alguém que adquiriu um imenso conhecimento de verdades fundamentais, tanto de si mesmo quanto do mundo e de Deus.

Passemos, então, aos outros tipos.

Se alguém, por exemplo, se auto-define como ateu e agnóstico, isto já é, por si, uma prova de que esta pessoa está mais perdida do que cego em tiroteio, pois ateísmo e agnosticismo não podem residir num mesmo indivíduo. O ateísmo é uma afirmação da não existência de Deus. Ora, a afirmação supõe algum instrumental teórico para legitimá-la. Já o agnosticismo declara a impossibilidade de conhecer qualquer coisa a respeito. Portanto, para o agnóstico, não há como saber se Deus existe ou não, pelo que não é legítimo afirmar que Ele existe nem tampouco negar a Sua existência.

Muita gente gosta de contrapor ateus e agnósticos para descobrir qual deles é mais sincero. Das discussões que já li, a maioria opta pelo ateu. O argumento que utilizam é que o ateu tem a coragem de assumir uma posição. Ele não fica em cima do muro; ele se responsabiliza. Eu, porém, vejo de outro modo.

Se partirmos da constatação de que não há qualquer recurso epistemológico a partir do qual alguém possa declarar a não existência de Deus, o ateísmo nos aparecerá como uma posição precipitada, ingênua, fideísta, para não dizer cafajeste. Eu sinceramente vejo assim. E, se o ateísmo é uma questão de fé, tampouco se poderia erigir como uma crítica à religião, pois, fé por fé, o sujeito poderia escolher qualquer que quisesse, na impossibilidade de um critério maior. Não quero adentrar aqui no discurso a respeito dos argumentos que tornam a religiosidade infinitamente mais coerente, visto que há, sim, tais argumentos. Portanto, prossigamos o assunto.

O agnosticismo, a meu ver, parece ser mais sincero porque pelo menos pode sugerir que o sujeito se deteve com mais respeito diante do problema e, vendo-se impossibilitado de resolvê-lo, optou pela neutralidade. É claro que também pode acontecer de o agnosticismo se tornar uma atitude a priori e, se for, ele vai se identificar, mesmo, com a covardia mais baixa. É a este tipo que se refere o Chesterton: “a neutralidade é só um nome pomposo para indiferença, que é um nome pomposo para ignorância”.

O agnóstico, convencendo-se da impossibilidade de conhecer algo sobre Deus, concluirá: “se não posso saber nada sobre isso, também não devo me ocupar em meditar sobre um problema que não posso resolver. Portanto, me será indiferente a existência ou inexistência de Deus.” Isto não o isenta, claro, de torcer por um dos lados, rs..

Por fim, há os que eu chamei de “meio lá meio cá”. Em geral, são pessoas boas, às vezes inteligentes, e que julgam ser questão de sinceridade o adiamento indefinido de qualquer adesão mais decidida. Geralmente parecem não notar que isto pode, também, ser somente uma evasiva, a assunção da posição mais confortável de não responsabilização, pois, embora não caiam no problema do ateísmo, também não querem assumir os rigores que uma religião naturalmente implica.

O fato de estar, ainda, numa “neutralidade prática” pode, sim, ser a resposta coerente a um senso interior ainda confuso, não definido. No entanto, essas pessoas não deveriam julgar que há todo o tempo do mundo. Eis aí um problema que deve ser resolvido o quanto antes. Sem precipitação, claro, mas lembrando que a religião implica necessariamente a fé e que esta, neste contexto, pode ser entendida, a grosso modo, como um passo no escuro, como o início de um caminho que não se permite esgotar pela previsão. “Levanta-te, Abraão, sai da tua terra e vai para a que eu te indicar”. Nesta dinâmica da Fé, Sto Agostinho e Sto Anselmo diziam: “Crede e comprenderás”. Acostumados com a pesquisa de objetos inertes, talvez suponhamos que o mero fato de nos determos sobre o objeto da Fé nos será suficiente para que o compreendamos. No entanto, a Fé é um dom de Deus e o objeto da Fé é o próprio Deus. A única forma de conhecer a Deus é quando Ele mesmo se revela. No início do processo Deus permite alguns conhecimentos, claro, mas é somente a partir da recepção deste dom, que acontece quando a pessoa se dispõe, que a inteligência passa a compreender a belíssima coerência interna das verdades da Fé.

Quando Jesus ordena aos seus a difusão do Evangelho, Ele diz algo muito estranhamente interessante: “a ninguém saudeis pelo caminho”. Isto nada tem a ver com o hábito farisaico de somente tratar com os seus conhecidos. Antes, diz respeito à pressa que se deve ter na pregação do Reino. As saudações judaicas eram, em geral, demoradas e não havia tempo a perder. Esta pressa se justifica de vários modos: primeiro, porque não temos nenhum modo de saber com certeza se estaremos vivos no momento seguinte. A nossa habitual crença nisto é tão somente uma indução. Segundo, porque, além da possibilidade da morte, o mundo vive uma “tensão escatológica” que é uma contínua expectativa pela vinda do Cristo. E quando Ele chegar, não haverá mais nenhum modo de iniciar o processo de conversão nem de fazer atos meritórios, etc.

Terceiro, porque o processo de santificação é algo que poderia se estender ao infinito. Desse modo, ainda que sejamos cristãos fervorosos e sérios durante toda a vida e progridamos continuamente no correr de cem anos, não teremos nos aproximado do limite da vida espiritual porque, simplesmente, não há limite. Devemos começar, então, o quanto antes, pois Deus espera a nossa perfeição, à qual corresponderá o nosso grau de felicidade, e é preciso isentar-se dos perigos, sobretudo destes tão comuns à fase inicial da caminhada. Até adquirir alguma firmeza, o neófito deverá travar alguns combates, chatinhos de vencer, e que, às vezes, demandam tempo. Fica, então, o conselho aos indecisos: não permitam que esta dúvida se torne a posição estável de vocês. A indecisão é, por definição, uma oscilação, um estado de tensão. Sobre isto, nada se constrói. Escutem a voz do Cristo que diz: “Meu filho, dá-me o teu coração” (Sab 23,26).


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* Em geral, o ateísmo tira seus argumentos de um pretenso racionalismo. Ser racionalista é supor que a razão é capaz de conhecer toda e qualquer verdade. Logo, tudo quanto não se circunscrevesse totalmente no âmbito da razão natural seria, por força, inexistente. O racionalismo, porém, é também antirracional, pois a dimensão do desconhecido é inerente à própria condição humana.

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