No mundo, existimos os
religiosos, os ateus, os agnósticos e os “meio lá meio cá” que vivem num tipo
de apreciação interior de um certo senso confuso da existência de Deus.
Os dois
primeiros tipos tomaram uma atitude diante do fundamental problema de Deus. Os
religiosos dizem que Ele existe e a tensão que experimentam é, não obstante
possam experimentar alguns períodos de crise de Fé, encontrar um modo de melhor
corresponderem à Fé que assumiram. Já os ateus lidam com o mesmo problema, só
que de um outro modo: se convenceram, não sei por quais vias misteriosas, de
que Deus não existe. Este tipo de atitude é, desde o início, antinatural, pois
não há quaisquer indícios que o comprovem. Dir-se-á que o ateu está, também,
submisso a uma fé, o que não deixa de ser verdade. No entanto, fé e
racionalismo*, convenhamos, são absolutamente contraditórios. Qualquer
discordância a este respeito só é possível se não se compreende o que seja uma
e o que seja o outro. Pode, porém, ocorrer que o ateu seja simplesmente alguém
que não considerou o problema a sério e, pelo que suponho, estes são mesmo os
tipos mais comuns. Considerando o nosso alto nível de carência afetiva,
alguém poderia muito bem se convencer a aderir a um discurso ideológico, só aparentemente
racional, desde que com isso se auto-garantisse a companhia e/ou a admiração da
sua turma. E este é um grande problema nosso, já bastante evidenciado por
Schopenhauer: não raro, em discussões deste tipo, pouco nos importa a verdade,
mas somente ganhar o debate e consolar o nosso ego.
É possível, por fim, que o
sujeito esteja convencido da seriedade de sua posição atéia, mas que não
disponha daquela clareza a respeito de si mesmo, a qual se requereria para que
percebesse a sua auto-ludibriação ou a intenção sutil que se esconde por trás
do seu discurso pseudo-científico e pretensamente neutro.
Não quero, com isso, dizer
que os religiosos são, todos, absolutamente sinceros. É claro que isto não se
dá. É verdade que muitas outras coisas podem motivar a atitude religiosa, como
o medo, a barganha, etc. Mas estes pretextos não dão conta de abarcar todo o
fenômeno religioso. Sinceridade implica maturidade. E é óbvio que isto exige
tempo e coragem. Nem todo religioso é maduro. No entanto, é na religião que
encontramos os indivíduos mais profundos, e o santo é justamente alguém que
adquiriu um imenso conhecimento de verdades fundamentais, tanto de si mesmo
quanto do mundo e de Deus.
Passemos, então, aos outros
tipos.
Se alguém, por exemplo, se
auto-define como ateu e agnóstico, isto já é, por si, uma prova de que esta
pessoa está mais perdida do que cego em tiroteio, pois ateísmo e agnosticismo
não podem residir num mesmo indivíduo. O ateísmo é uma afirmação da não
existência de Deus. Ora, a afirmação supõe algum instrumental teórico para
legitimá-la. Já o agnosticismo declara a impossibilidade de conhecer qualquer
coisa a respeito. Portanto, para o agnóstico, não há como saber se Deus existe
ou não, pelo que não é legítimo afirmar que Ele existe nem tampouco negar a Sua
existência.
Muita gente gosta de
contrapor ateus e agnósticos para descobrir qual deles é mais sincero. Das
discussões que já li, a maioria opta pelo ateu. O argumento que utilizam é que
o ateu tem a coragem de assumir uma posição. Ele não fica em cima do muro; ele
se responsabiliza. Eu, porém, vejo de outro modo.
Se partirmos da constatação
de que não há qualquer recurso epistemológico a partir do qual alguém possa
declarar a não existência de Deus, o ateísmo nos aparecerá como uma posição
precipitada, ingênua, fideísta, para não dizer cafajeste. Eu sinceramente vejo
assim. E, se o ateísmo é uma questão de fé, tampouco se poderia erigir como uma
crítica à religião, pois, fé por fé, o sujeito poderia escolher qualquer que
quisesse, na impossibilidade de um critério maior. Não quero adentrar aqui no
discurso a respeito dos argumentos que tornam a religiosidade infinitamente
mais coerente, visto que há, sim, tais argumentos. Portanto, prossigamos o
assunto.
O agnosticismo, a meu ver,
parece ser mais sincero porque pelo menos pode sugerir que o sujeito se deteve
com mais respeito diante do problema e, vendo-se impossibilitado de resolvê-lo,
optou pela neutralidade. É claro que também pode acontecer de o agnosticismo se
tornar uma atitude a priori e, se
for, ele vai se identificar, mesmo, com a covardia mais baixa. É a este tipo
que se refere o Chesterton: “a neutralidade é só um nome pomposo para
indiferença, que é um nome pomposo para ignorância”.
O agnóstico, convencendo-se
da impossibilidade de conhecer algo sobre Deus, concluirá: “se não posso saber
nada sobre isso, também não devo me ocupar em meditar sobre um problema que não
posso resolver. Portanto, me será indiferente a existência ou inexistência de
Deus.” Isto não o isenta, claro, de torcer por um dos lados, rs..
Por fim, há os que eu chamei
de “meio lá meio cá”. Em geral, são pessoas boas, às vezes inteligentes, e que
julgam ser questão de sinceridade o adiamento indefinido de qualquer adesão
mais decidida. Geralmente parecem não notar que isto pode, também, ser somente
uma evasiva, a assunção da posição mais confortável de não responsabilização,
pois, embora não caiam no problema do ateísmo, também não querem assumir os
rigores que uma religião naturalmente implica.
O fato de estar, ainda, numa
“neutralidade prática” pode, sim, ser a resposta coerente a um senso interior
ainda confuso, não definido. No entanto, essas pessoas não deveriam julgar que
há todo o tempo do mundo. Eis aí um problema que deve ser resolvido o quanto
antes. Sem precipitação, claro, mas lembrando que a religião implica
necessariamente a fé e que esta, neste contexto, pode ser entendida, a grosso
modo, como um passo no escuro, como o início de um caminho que não se permite
esgotar pela previsão. “Levanta-te, Abraão, sai da tua terra e vai para a que
eu te indicar”. Nesta dinâmica da Fé, Sto Agostinho e Sto Anselmo diziam: “Crede
e comprenderás”. Acostumados com a pesquisa de objetos inertes, talvez
suponhamos que o mero fato de nos determos sobre o objeto da Fé nos será
suficiente para que o compreendamos. No entanto, a Fé é um dom de Deus e o
objeto da Fé é o próprio Deus. A única forma de conhecer a Deus é quando Ele
mesmo se revela. No início do processo Deus permite alguns conhecimentos,
claro, mas é somente a partir da recepção deste dom, que acontece quando a
pessoa se dispõe, que a inteligência passa a compreender a belíssima coerência
interna das verdades da Fé.
Quando Jesus ordena aos seus
a difusão do Evangelho, Ele diz algo muito estranhamente interessante: “a
ninguém saudeis pelo caminho”. Isto nada tem a ver com o hábito farisaico de
somente tratar com os seus conhecidos. Antes, diz respeito à pressa que se deve
ter na pregação do Reino. As saudações judaicas eram, em geral, demoradas e não
havia tempo a perder. Esta pressa se justifica de vários modos: primeiro,
porque não temos nenhum modo de saber com certeza se estaremos vivos no momento
seguinte. A nossa habitual crença nisto é tão somente uma indução. Segundo,
porque, além da possibilidade da morte, o mundo vive uma “tensão escatológica”
que é uma contínua expectativa pela vinda do Cristo. E quando Ele chegar, não
haverá mais nenhum modo de iniciar o processo de conversão nem de fazer atos
meritórios, etc.
Terceiro, porque o processo
de santificação é algo que poderia se estender ao infinito. Desse modo, ainda
que sejamos cristãos fervorosos e sérios durante toda a vida e progridamos
continuamente no correr de cem anos, não teremos nos aproximado do limite da
vida espiritual porque, simplesmente, não há limite. Devemos começar, então, o
quanto antes, pois Deus espera a nossa perfeição, à qual corresponderá o nosso
grau de felicidade, e é preciso isentar-se dos perigos, sobretudo destes tão comuns
à fase inicial da caminhada. Até adquirir alguma firmeza, o neófito deverá
travar alguns combates, chatinhos de vencer, e que, às vezes, demandam tempo.
Fica, então, o conselho aos indecisos: não permitam que esta dúvida se torne a
posição estável de vocês. A indecisão é, por definição, uma oscilação, um
estado de tensão. Sobre isto, nada se constrói. Escutem a voz do Cristo que
diz: “Meu filho, dá-me o teu coração” (Sab 23,26).
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* Em geral, o ateísmo tira seus argumentos de um pretenso racionalismo. Ser racionalista é supor que a razão é capaz de conhecer toda e qualquer verdade. Logo, tudo quanto não se circunscrevesse totalmente no âmbito da razão natural seria, por força, inexistente. O racionalismo, porém, é também antirracional, pois a dimensão do desconhecido é inerente à própria condição humana.
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* Em geral, o ateísmo tira seus argumentos de um pretenso racionalismo. Ser racionalista é supor que a razão é capaz de conhecer toda e qualquer verdade. Logo, tudo quanto não se circunscrevesse totalmente no âmbito da razão natural seria, por força, inexistente. O racionalismo, porém, é também antirracional, pois a dimensão do desconhecido é inerente à própria condição humana.
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